segunda-feira, 3 de abril de 2017

Canudos, o Brasil sufocado

                                                                                            
"Corruptissima re publica plurimae leges"1



                É interessante como em física se tenha no estudo dos fractais a conservação de um pouco que representa um muito. Vou explicar; a principal característica é a auto-similaridade. Fractais contêm, dentro de si, cópias menores deles mesmos e assim sucessivamente. Pois bem, cá com meus botões, é interessante como esse modelo de repetição infinita guarda alguma analogia, embora de áreas antagônicas, com o estudo social. Em um pequeno discurso, por exemplo, podemos chamar à vida um dos mais representativos quadros da História Brasileira – Canudos.

É que Canudos, 1893 a 1897, e todo acontecimento ao seu redor guarda como um fractal físico, um mini conflito que representa um conflito maior entre dois Brasis, um Brasil que até hoje se propaga no tempo como real e subordinado e outro, que se propaga sobre ele, abafando-o, este é o Brasil oficial de uma burlesca república.

Ariano Suassuna, fenomenal intérprete da nossa cultura, citou em um de seus discursos o grande Machado de Assis, o qual, em texto publicado no "Diário do Rio de Janeiro", edição de 29 de dezembro de 1861, se referia originalmente a uma discussão política fazendária da época, sendo, entretanto, deveras exato:
"Aqui hão de me perdoar. De um ato do nosso Governo só a China poderá tirar lição. Não é desprezo pelo que é nosso, não é desdém pelo meu país. O país real, esse é bom, revela os melhores instintos; mas o país oficial, esse é caricato e burlesco. A sátira de Swift nas suas engenhosas viagens cabe-nos perfeitamente. No que respeita à política nada temos a invejar ao reino de Lilipute (2)".

        Pois é nesse contexto que o genocídio de Canudos se propaga até os dias de hoje, a necessidade de auto-afirmação do exército e da república em “fazer de conta” que vivemos em uma ficção européia, em um conto de Gulliver, de Alice, em uma suíça, abastada e satisfeita, descartando a necessidade de políticas reais, vinculadas a questões sociais de todos os matizes. Nesse sentido, vemos que há uma preocupação, até legítima, de historiadores em focar a questão social do exemplo, entretanto, como há dois Brasis, a própria natureza da política criminal reflete uma ficção imposta por leis que auto-alimentam a impunidade, como se o Brasil vivesse em um padrão todo nórdico.

Tudo isso é para garantir que por essa mesma ficção de Lilipute haja absolvição de colarinhos brancos. A faca cega que não corta o dolo dos homicidas contumazes é da mesma natureza da faca que corta a corda que iria enforcar o corrupto.

Esse mesmo corrupto, absolvido pelo que o povo chama de "brecha de leis" (e que na verdade é a possibilidade de interpretações tangenciais de um mesmo comando normativo quer por interpretação aberta ou por apreciação de julgados e jurisprudências), e pela própria criação legislativa dos que querem republicanamente "se safar", são os responsáveis diretos pela deterioração do padrão de vida do povo, muitas vezes, o principal responsável pela questão social, uma vez que, é inconteste que a corrupção é mácula degenerativa insustentável com o equilíbrio da distribuição de bens.

Assim, longe de ser a iniciativa privada e o capitalismo distributivo como único responsável pelas mazelas sociais atuais, temos que, o principal culpado seja a própria república positivista que garante ferramentas legais dissimuladas para a impunidade de agentes públicos corrompidos. Está aí, o instituto republicano do foro privilegiado, dos aumentos descontrolados em descompasso imoral com a situação real de nosso país.

E ainda hoje, por esse mesmo conluio permite a queima no altar da ordem e do progresso, dos direitos fundamentais ao fogo do positivismo – A república cria a norma e o direito, e ao mesmo tempo o dizima.

É que essa república que aí nos dias atuais é a progressão fractal da imposição da força sobre o Brasil real, pobre e rico ao mesmo tempo, essa república é o conchavo, é fisiologismo puro, é preservação e acinte de privilégios. Em Canudos a república mostrava sua verdadeira face ou assumia sua verdadeira natureza, a de um verdadeiro golpe militar que destituíra a Monarquia, hoje ela mostra a sua pior face, sabemos isso graças à nossa era digital que funciona como uma espécie de Conselheiro. 

Importamos o presidencialismo dos EUA, que deu certo por lá, não para utilizá-lo para o Brasil, mas para usar o Brasil. 

Belo Monte, cidade que Conselheiro deu o nome, funcionava em uma forma de distribuição e compartilhamento de bens e trabalho porque também suas leis, conforme trechos dos apontamentos retirados dos dez mandamentos por Conselheiro eram simples, preto no branco, pá pum!! As leis em Belo Monte eram religiosas, impregnadas de um direito natural, com impregnação de moral e costumes, em contra partida, as leis analíticas e positivadas se avolumaram desde o início da proclamação da república, e conforme o grande historiador e político romano Tácito, "Corruptissima re publica plurimae leges", ou ainda "Corruptissima republica plurimae leges", (As leis são muitas quando o Estado é corrupto).

Canudos ou Belo Monte era uma pequena comunidade formada por descendentes de índios locais, negros forros, jagunços e pobre camponeses, a vida era simples e bastante difícil, plantavam, colhiam e comercializavam o que cultivavam com regras próprias, e como não reconheciam a república e a obrigação de pagar impostos, posto que, aquela gente nada recebia do Estado. Era, segundo o próprio Euclides da Cunha, autor do clássico “Sertões”, uma cidade sem ruas retas, tudo feito sem planejamento, porém funcionava de maneira tosca.

Conselheiro, depois morto por um estilhaço de granada e de enterrado pelos conselheiristas, foi exumado pelas tropas federais como se a república quisesse a todo custo se livrar do seu fractal, do seu fantasma, de leis que não podiam ser maleáveis para encobrir propinas, para materializar o ato do expurgo e satisfazer a paz de sua consciência pesada, assim, cortaram-lhe a cabeça, a cabeça de um corpo em putrefação como forma de exorcizar seu fantasma que ainda vive na diferença do real e simples e do que é burlesco e corrupto.

REFERÊNCIAS/BIBLIOGRAFIA

1 As leis são muitas quando o Estado é corrupto",Tácito, Historiador Romano;

2 Lilipute éuma ilha fictícia do romance As Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift;

SUASSUNA, Ariano, a luta do Brasil real contra o caricato Brasil oficial, A Hora do Povo, disponível em : http://www.horadopovo.com.br/2014/08Ago/3272-06-08-2014/P8/pag8a.htm ; e

NOGUEIRA, Ataliba, António Conselheiro e Canudos. São Paulo, Editora Atlas S.A., 1997.

POR CHRISTIAN BEZERRA COSTA











-Advogado graduado pelo UNIEURO- Brasília;e 
-Atuante nas áreas  de Direito Internacional Privado e Civil
 Twitter: @advchristiancos

Nota do Editor:

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Um comentário:

  1. Apelo a Teoria do CAOS para explicitar como chocam dois Brasis onde um tresloucadamente parece ir de encontro aos anseios da nação mas na verdade estão em desordenada fuga ordenada na intenção de livrarem das leis que eles mesmos ajudaram a criar.
    Sim, eles se chocam entre si. Mas tem mais sorte de acerto quem imaginar a Arte da Guerra de Sun Tzu, onde fingir inimizade de seu amigo é uma estratégia de guerra para que juntos no futuro próximo possam juntos atacar o inimigo.
    Inimigo este que sempre será o povo que trabalha e produz...porque o outro que vandaliza, baderna e sustenta parasita no poder...

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