terça-feira, 22 de maio de 2018

Quando um Fato é Penalmente Insignificante(Crime de Bagatela)



Proveniente do Direito Romano, o princípio da insignificância deriva do brocardo jurídico minimis non curat praetor, que, literalmente, quer dizer: o pretor não cuida de coisas pequenas, significando que pessoas de certa categoria (Estado) não podem preocupar-se com pequenos detalhes. No mundo jurídico e, em especial no direito penal, significa que quando a lesão ao bem jurídico tutelado é insignificante, não há necessidade de aplicação de uma pena/sanção, pois não se trata de fato típico e, consequentemente, crime.

Também conhecido como crime de bagatela, o princípio da insignificância ocorre quando um fato tipificado como crime, praticado por determinado agente, é irrelevante, ou seja, não causa qualquer lesão à sociedade, ao ordenamento jurídico, muito menos à própria vítima.

Para a doutrina e a jurisprudência dominante, não há que se falar em crime nessas circunstâncias, pois o fato é atípico, vez que a insignificância exclui a tipicidade material do “crime”, diante do desvalor e desproporção do resultado, no caso, insignificante, onde a atuação estatal com a incidência de um processo e de uma pena seria descomunal.

Embora não seja disciplinado positivamente no ordenamento jurídico brasileiro, o princípio vem sendo amplamente empregado nos tribunais pátrios, sendo aplicado através de uma análise subjetiva do caso concreto, nunca em abstrato. Dessa forma, o princípio da insignificância recebe guarida na jurisprudência, onde o Supremo Tribunal Federal (STF), inclusive, já estabeleceu parâmetros e condições para a incidência do princípio.

Nesse sentido, o STF vem aplicando o princípio despenalizador da insignificância desde que atendido a presença de quatro vetores, concomitantemente, na aferição do relevo material da tipicidade penal, quais sejam: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) a nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Antes de analisarmos a incidência do princípio em alguns casos concretos, é importante destacar que o princípio da insignificância não pode ser confundido com o furto famélico, pois o furto famélico é aquele cujo agente furta algo para saciar uma necessidade urgente e relevante, como no caso de alimento e até mesmo remédio. Nesse caso, ele diferencia-se do princípio da insignificância em razão de que no furto famélico o agente age em estado de necessidade, caracterizando, assim, a excludente de ilicitude.

Então como se dá a aplicação do princípio da insignificância no caso concreto? Como saber se é possível aplicá-lo em determinado caso concreto?

Conforme já citado, o princípio despenalizador deve ser analisado caso a caso através dos vetores estabelecidos pelo STF. Vejamos um caso simples: Tício furtou de Márvio 02 (dois) quilos de arroz, 02 (dois) quilos de feijão e 500 (quinhentos) gramas de sal. O valor total dos bens furtados é de aproximadamente R$ 10,00 (dez reais). Apenas com esses dados é possível aplicar o princípio despenalizador da insignificância em favor de Tício? Ousamos responder negativamente, pois caso Márvio seja um senhor desempregado e pai de 04 (quatro) crianças, cujos alimentos são para subsistência da família, não pode, em tese, Tício ser beneficiado com o princípio da insignificância, pois tal fato gerou grave lesão a Márvio e sua família.

Agora, vamos a outro exemplo: Tício furta de um grande supermercado um desodorante no valor de R$ 10,00 (dez reais). Apenas com esses dados é possível aplicar o princípio despenalizador da insignificância em favor de Tício? Neste caso, podemos responder positivamente, pois em tese, é mais fácil verificar a incidência dos pressupostos formulados pelo STF, ou seja, está presente a mínima ofensividade da conduta do agente, a falta de periculosidade social da ação, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Há situações até mais significantes, como no caso em que o STF aplicou a bagatela no furto de um telefone celular. No julgamento do HC 138.697/MG, a 2ª Turma do STF, determinou o trancamento da ação penal contra um réu que havia furtado um aparelho celular de R$ 90,00 (noventa reais). Vejamos a ementa do julgado:

"PENAL. HABEAS CORPUS. PACIENTE CONDENADO PELO CRIME PREVISTO NO ART. 155, CAPUT, COMBINADO COM O ART. 61, I E ART. 65, III, TODOS DO CÓDIGO PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CONDENAÇÃO ANTERIOR. POSSE DE ENTORPECENTES PARA USO PRÓPRIO. ART. 16 DA LEI 6.368/1976. APLICAÇÃO. POSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA.

I - O paciente foi condenado pela prática do crime descrito no art. 155, caput, combinado com o art. 61, I, e art. 65, III, todos do Código Penal, pelo furto de aparelho celular, avaliado em R$ 90,00 (noventa reais).

II - Nos termos da jurisprudência deste Tribunal, a aplicação do princípio da insignificância, de modo a tornar a ação atípica, exige a satisfação de certos requisitos, de forma concomitante: a conduta minimamente ofensiva, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a lesão jurídica inexpressiva.

III - Assim, ainda que conste nos autos registro de uma única condenação anterior pela prática do delito de posse de entorpecentes para uso próprio, previsto no art. 16 da Lei 6.368/1976, ante inexpressiva ofensa ao bem jurídico protegido e a desproporcionalidade da aplicação da lei penal ao caso concreto, deve ser reconhecida a atipicidade da conduta. Possibilidade da aplicação do princípio da insignificância. Precedente.

IV - Ordem concedida para trancar a ação penal."

Isso nos leva a entender que o principio da insignificância deve ser analisado caso a caso, de forma a considerar o dano causado ao sujeito passivo, bem como as características do agente ativo, além dos já citados vetores assinalados pelo STF, tudo à luz da Constituição Federal de 1988.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

ESTEFAM, André. Direito Penal: Parte Geral. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016; 
BARROS, Francisco Dirceu. As 200 Maiores Controvérsias do Direito Penal: Parte Geral. 1ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012; 
BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. Brasília e 
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 138.697/MG. Diário da Justiça. Brasília, 2017. Disponível em: https://jusbrasil.com.br/diarios/documentos/463393991/andamento-do-processo-n-138697-habeas-corpus-29-05-2017-do-stf?ref=topic_feed. Acesso em: 15 set 2017. 
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.


POR IURY JIM BARBOSA LOBO
 











-Advogado - OAB/CE 33153; 
-Graduado em Direito pela Faculdade Paraíso do Ceará – FAP/CE (2015); 
-Pós Graduado em Direito Penal e Criminologia pela Universidade Regional do Cariri – URCA (2017); 
-Advogado Criminalista no Escritório OLIVEIRA, PESSOA & LOBO ADVOGADOS, situado em Juazeiro do Norte/CE, desde 2015. 
Contatos: 
(88) 99641-9348
E-mail: iurylobo.adv@outlook.com

Nota do Editor:

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