segunda-feira, 25 de junho de 2018

Um Sonho em Tempos de Copa



Acabrunhado, sentou-se no meio-fio e começou a pensar. Pensava em tudo o que havia passado até ali, desde que saíra, quando ainda era jovem, até aquele ponto. Lembrou-se dos amigos que ficaram no interior; da namoradinha que deixara encostada no muro da rodoviária, chorando, dando, ainda que sem querer, o seu último adeus; da mãe, que o abençoara com os olhos lacrimejantes, enquanto o pai fingia carpir a horta nos fundos da casa.


As lembranças lhe doíam forte no peito. Mas ele não se arrependia. Sempre tivera sonhos e, tinha a certeza, haveria de, um dia, cumpri-los. De fato, nunca pensara que seria fácil, mas, também não cria que fosse tão difícil como estava sendo. Embora fosse realista, nunca imaginaria que seriam tantos "nãos", tantas portas na cara, incontáveis "depois te procuramos". 

Algumas vezes pensara em voltar. Mas, não podia. Não desta forma. Voltaria um dia, dono de si, homem feito, com dinheiro, posses. Voltaria da forma como dissera à sua mãe, quando ela lhe abençoara pela última vez. E, quando voltasse, reveria os amigos e encontraria novamente a sua amada. Talvez ela já o tivesse esquecido e se casado; talvez já tivesse filhos e nem mesmo morasse mais naquela ruazinha, onde, todas as noites, faziam juras de amor eterno. Não a culparia; ele foi quem deixara tudo para trás.

Fazia tempos que matutava uma história na sua cabeça. Escreveria um Romance que seria lido por todos, uma história real, que emocionasse a todos os leitores, que fizesse todo mundo comprar o seu livro, que lhe rendesse muito dinheiro. Mas a história não fluía. O personagem sempre empacava em um capítulo e teimava em ficar ali, até que ele desistisse, rasgasse o papel e saísse a perambular pelas ruas.

Por enquanto, vivia de bicos; escrevia cartas, fazia Monografias, dava aulas particulares a crianças que nada aprendiam. Escrevia, de graça, para um jornalzinho do bairro e dormia todos os dias sem jantar, para pagar a pensão de dona Dolores. E, assim, os seus sonhos iam ficando cada dia mais longe, assim como as lembranças de sua infância, dos amigos, da sua namoradinha. 

De repente, um estalo: e se escrevesse a sua história?! Não uma autobiografia. Um Romance cheio de idas e vindas. A história de um sonhador, que enfrenta todas as agruras da vida na cidade grande, longe dos pais, dos amigos, da amada. A história de um menino que vira um grande escritor e, realizado, volta para junto dos seus. Seria o seu grande sucesso, afinal, essa é a história que todos querem ler, torcendo para o mocinho, sofrendo e sonhando com ele. Sofrendo e vencendo no final!

Levantou-se de súbito, abraçou o primeiro que passava e afirmou, com veemência, assim como dissera à sua mãe, que, em breve, seria um homem feito. A história se construía em sua mente, cheia de ideias, idas e vindas, lutas, derrotas e vitórias. Iria logo para casa. Escreveria rapidamente o seu Romance. Voltaria para a casa dos pais. Mas, antes, assistiria, na padaria da esquina, o jogo do Brasil, pois é tempo de Copa do Mundo. 

POR ELISMAR SANTOS





















-Professor de Língua Portuguesa;Poeta, Escritor e Locutor;
-Mora em São João da Lagoa, Norte de Minas Gerais; e
-Possui quatro livros publicados: Sanharó (Romance), Mutação (Poesia), A Pá Lavra (Poesia e O Poeta e Suas Lavras (Poesia). Seus textos podem ser lidos também em www.elismarsantoss.blogspot.com

Nota do Editor:

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