segunda-feira, 28 de setembro de 2020

O "O", o "A" e o "E"


 Autor: Alceu Albregard Junior(*)

Nome estranho para identificar uma história, mas os que conseguirem chegar ao menos até a metade dessas linhas, irão ver que há mesmo uma boa razão para o título.

Era uma dessas tardes quentes de verão. Típica tarde quente e seca, esperando pela chuva e pelo mormaço escaldante que ela traz. Uma brisa fria que chega de quando em quando traz uma sensação boa, refrescante. Estava em seu lugar preferido na casa, no momento predileto, no descanso acompanhado da fiel espreguiçadeira, com um cigarro, a lata de cerveja.

Pensava então, por mais incrível que possa parecer, na velha gramática, na linguagem, nos artigos definidos e nos indefinidos e nas consequências e importância que essa pequena partícula da língua portuguesa, havia tomado nos últimos tempos.

A imprensa jornalística parece vir, lentamente, retirando a necessidade de flexão de gênero em suas matérias, buscando acalmar os leitores mais irados, em seu afã de apagar a necessidade da flexão de gênero masculino e feminino de toda a língua.

Eu soube que nas escolas, as novas obras para o ensino básico e fundamental, vêm procurando evitar a identificação de sexo entre palavras, tornando-as neutras sempre que possível.

Claro que ao forçar a flexão de gênero a uma identidade neutra como a de Presidente buscava trazer a discussão sobre o tema da própria flexão. A líder máxima de toda a américa latina forçara todos à conclusão de que, se há palavras que não se flexionam sem que qualquer consequência ou dificuldade tragam à sua compreensão, então porque devemos admitir que outras palavras permitam e prestigiem a discriminação sexual. Porque não admitir então, o fim da discriminação para todas as palavras que resumam o gênero.

Ali, sentado, divagando, fazia exercícios, procurando imagens de textos que, em um futuro próximo, sem a flexão de gênero, ou com a forçada flexão buscada pela representante(a) mor do País, e de todo o lado sul do equador das américas, estabelecendo o debate sobre essa questão, e obrigando os governados a pensarem nas variantes: Presidento (a)... ou estudanto (a) .... ou a admitir como corretos os termos veícules... ou carres, ou ainda dinheire, cope, atribuindo a letra “e” seu valor extraordinário de apaziguador das massas.

Gramáticos de todas as estirpes do país vinham buscando respeitar a pessoa eleita para governar o país, demonstrando, das formas mais ... respeitosas... que a Presidente(a) estava correta, e que normas gramaticais até então esquecidas, pelo descuidado desuso ou pela ignorância de antigos gramáticos davam-lhe a razão.

Grande letra “E”. Ao nascer, nos idos tempos do velho e combalido latim, jamais imaginara vir a ocupar papel de tamanho destaque na história, trazendo paz à população de um país, como solução salomônica, para a população então dividida entre os costumes seculares de obrigatória separação entre os sexos em sua fala, para a inovação do respeito a todos os sexos, os antigos, os novos, os existentes e até os inexistentes. Grande respeito inovador e salutar.

Sem dúvida, o exercício gramatical de esconder a identificação do sexo de todas as criaturas vivas e não vivas era salutar, pois teria evidentes efeitos na economia do país, ao poupar milhares de horas de aulas nos cursos básico e fundamental nas escolas, permitindo às cabecinhas dos pequerruchos (ou os novos pequerruches) gozar de mais espaço em seu tão precioso tempo, para o que realmente importa no estudos, diferente de identificar e decorar o sexo de todas as coisas e das não coisas.

Claro que abriria espaço também para os novos textos, atualizados, de todos os romances de uma nova literatura, então adaptados à essa novilingua, enquanto tantas e tantas obras, portadoras de mortal deficiência de escrita haveriam de ser, com certeza, abandonadas e relegadas ao esquecimento, sob o risco de dificultar, ainda mais, a introdução desse novo pensamento assexuado de nossa língua adotiva.

Decerto essa pessoa que ocupava o cargo mais poderoso do país tinha essa preocupação de fundo. A economia de dinheiro público com o ensino de assuntos tão desimportantes como o sexo das coisas e das não coisas, em privilégio de assuntos de maior importância.

Ao lado dessa preocupação extraordinária com o sexo das coisas e das não coisas, algumas outras preocupações mostraram-se de relevância tão enorme como mudar as tomadas elétricas de todo o país, tornaram-se relevantes para distinguir-nos de todos os demais povos, dando o merecido destaque entre as Nações do planeta. Afinal, após séculos de existência, tínhamos nossa própria tomada de três pinos, diferente de todos os demais, enfim a garantia de nossa soberania.

A paulatina mas obrigatória mudança de tomadas por todo o território nacional, acelerou a economia, permitindo o trabalho a milhares de pessoas especializadas em substituir as tomadas, tornando-se fonte de renda para as classes mais pobres e também para as poderosas fabricantes de tomadas elétricas, um setor que se fortaleceu sobremaneira.

De fato, essas duas grandes obras, ao lado da carteira obrigatória de primeiros socorros, instalada em todos os veículos nacionais e estrangeiros a circular no país, a tomada de três pinos, soberana, e a denominação do cargo de maior vulto ao país tornaram-se a marca de um governo totalitário, antidemocrático, usurpador e corrupto, que buscou saciar anseios unicamente de seus governantes, através da disseminação da luta entre todas as classes, todos os níveis sociais, de todas as profissões, atribuindo a cada classe de pessoas uma pecha maligna e perversa, um atributo horrendo e vergonhoso digno de ser extirpado da sociedade.

Claro que as incontáveis carteiras instaladas em todos os veículos nacionais tiveram um custo, e deram algum lucro para alguém, mesmo com aquelas tesourinhas de cortar água, band-aid sem cola e talas para as quebraduras de ossos, instrumentos que, se tivessem alguma qualidade, exigiriam a presença de pessoa com habilidade profissional para fazer uso se a eventualidade de um acidente os tornassem necessários.

Lembro de quando era pequeno e se noticiava o luxo de vida de Idi Amin Dada, um certo ditador de Uganda que, ao ter invadido seu palácio, viram-se objetos como latrinas e pias em ouro maciço, piscinas cravejadas de pedras preciosas, dentre outras utilidades de importância discutível.

Recordo de outra ditadora em uma país latino-americano que mantinha uma quantidade indizível de pares de sapatos, pagos com o erário público. Os sapatos em quantidade ridícula eram apenas a ponta do iceberg de um desvio monumental de dinheiro público.

Enfim toda essa "novidade" é apenas o trabalho efetivamente profissional de redirecionamento da atenção das massas, a identificação de assuntos de pseudo interesse popular e a geração de ódio entre as pessoas a partir de pequenos e supostos focos distribuídos por redes sociais e presenciais.

Apenas a boa e velha cortina de fumaça.

*ALCEU ALBREGARD JUNIOR








-Graduação em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie(1985);
-Atua principalmente nas áreas dos Direitos Tributário, Imobiliário e Consumidor.
Contato: alceu.adv@albregard.com.br

Nota do Editor:
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