quinta-feira, 1 de outubro de 2020

O Legado - Parte II


 Autor:  Sergio Luiz Pereira Leite(*)

Complementando a apreciação sobre o instituto do Legado, contido em nossa legislação substantiva civil, podemos acrescentar a disposição inserida na Seção II que trata dos efeitos do legado e do seu pagamento, matéria exposta no artigo 1.923 e seguintes de nosso Código Civil.

Diz o artigo, textualmente:

"Artigo 1.923 – Desde a abertura da sucessão, pertence ao legatário a coisa certa, existente no acervo, salvo se o legado estiver sob condição suspensiva.

§ 1º - Não se defere de imediato a posse da coisa, nem nela pode o legatário entrar por autoridade própria.

§ 2º - O legado de coisa existente na herança transfere também ao legatário os frutos que produzir, desde a morte do testador, exceto se dependente de condição suspensiva, ou de termo inicial".

Percebemos, desde logo, que o legado não se transfere automaticamente ao legatário. Senão vejamos a lição que nos é ministrada pelo insigne juiz Mauro Antonini, em seus Comentários ao Código Civil, coordenado pelo ex-ministro do STF Cesar Peluso, páginas 1.880 e seguintes da Editora Manoele – 1ª edição – 2007:

"...O mesmo não ocorre em relação aos legatários. Estes adquirem, na abertura da sucessão, o domínio da coisa certa existente no patrimônio do de cujus. A posse só lhe será transmitida após a verificação da solvência do espólio. Se for insolvente, a coisa certa objeto do legado será utilizada para pagamento dos credores do espólio..."

E diz ainda mais, como segue lecionando:

"...atente-se para o fato de que o legatário, na abertura da sucessão, adquire o domínio da coisa certa existente no acervo. Podem ocorrer situações diversas, delegado sobre coisa que não existia nos bens deixados pelo testador, como é o caso, por exemplo, do legado de coisa que se determine pelo gênero (artigo 1.915) ou do legado de alimentos (artigo 1.920). Nessas hipóteses não terá aplicação do caput do artigo 1.923..."

O mesmo autor ainda preconiza que o legatário também não adquirirá o domínio na abertura da sucessão se for legado sob condição suspensiva, pois, nesse caso, só adquire o domínio com a superveniência de fato futuro e incerto. Diz mais, que se o legado de coisa certa estiver subordinado a termo inicial, ou seja, a evento futuro e incerto, o domínio é adquirido na abertura da sucessão, mas seu exercício fica suspenso, como expressamente estabelece o artigo 131 do Código Civil.

A regra do § 2.º, por sua vez, nada mais diz do que a aplicação da disciplina legal dos frutos, que, como bens acessórios, seguem a mesma sorte do principal. A ressalva final, por sua vez, afigura-se desnecessária, pois, se houve estabelecimento de condição (suspensiva) ou termo (inicial) pelo testador, somente com a sua implementação é que poderá produzir efeitos, o que é próprio do plano da eficácia do ato negocial.

Justamente por isso é que preceitua o art. 1.924:

"Art. 1.924. O direito de pedir o legado não se exercerá, enquanto se litigue sobre a validade do testamento, e, nos legados condicionais, ou a prazo, enquanto esteja pendente a condição ou o prazo não se vença".

Reconhecida a validade do negócio jurídico testamentário e não havendo qualquer elemento acidental que retire sua eficácia, deve produzir efeitos imediatamente.

Pode o legado, por sua vez, constituir-se em uma transferência patrimonial monetária, a qual, obviamente, precisará ser realizada por alguém.

Nesse caso, o Código Civil brasileiro estabelece algumas importantes regras, como bem nos ensina Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, em seu "Novo Curso de Direito Civil" – Volume 7 – Capítulo XVIII – página 278 e seguintes.

 O legado em dinheiro, nessa linha, "só vence juros desde o dia em que se constituir em mora a pessoa obrigada a prestá-lo", conforme estabelecido pelo art. 1.925. Tal se dá pela necessidade de se interpelar a pessoa obrigada a prestar tal legado, que, muitas vezes, pode nem ter sido cientificada ainda.

Nesse caso, não seria razoável se imputar juros quando não se tem fixado um termo inequívoco para caracterização da mora, à luz do dever de informação emanado da cláusula geral de boa-fé objetiva.

Torna bem mais simples a questão se a prestação for certa e em pagamento único. Devemos considerar ainda que, no silêncio do testamento, o cumprimento do testamento incumbe aos herdeiros e, não os havendo, aos legatários, na proporção do herdaram. Isso é expressamente estabelecido no caput do artigo 1.934 da lei substantiva civil.

Outro aspecto que também deve ser abordado diz respeito à caducidade dos legados, especialmente alinhado no artigo 1.939 do Código Civil, que contêm cinco incisos, mas que pela doutrina e pela jurisprudência não são exaurientes. Caducidade do legado é definido como a perda de sua eficácia por ato posterior ao testamento. Isso não faz com que o testamento perca a sua validade, mas faz com que ele perca a sua eficácia por ato posterior.

Os incisos dizem por si e não requerem uma interpretação mais aprofundada. Todavia, ainda que de uma forma superficial, para não adensarmos este artigo com questões mais usuais, o inciso I traz a hipótese de caducidade se o testador, após a elaboração desse testamento, modificar a coisa certa do objeto do legado, a tal ponto que deixa de ter a forma e a denominação possuídas ao tempo da disposição testamentária.

Sílvio Rodrigues nos dá exemplo de não caducidade do legado com a transformação de uma fazenda de cultivo em uma fazenda de criação ou a alteração de ações ao portador para nominativas, ensinando que, nas duas situações, a fazenda e as ações permanecem com as mesmas denominações que possuíam e, portanto, o legado subsiste (in Direito Civil, direito das sucessões, 25ª edição – São Paulo- ed. Saraiva, 2002, página 216).

Já no inciso II, ocorre a caducidade com a alienação da coisa legada pelo testador, valendo essa alienação a qualquer título, onerosa ou gratuita (vg. compra e venda, doação, promessa irretratável de venda e compra, etc). Essa disposição, prima facie, parece redundante, pois colidiria com o que está mencionado no artigo 1.912 do mesmo Codex. Mas não é inútil, mesmo porque nenhuma deveria comportar textos inúteis. Essa disposição serve para orientar a solução de alguns problemas.

Ao estabelecer que a alienação faz caducar o legado, a lei presume que, com esse ato, o legado não se restaura. Dessa forma, para restabelecer o legado será preciso, a princípio, novo testamento.

De acordo com o inciso III, IV e V não deixam nenhuma dúvida a seu respeito. Se o herdeiro ou legatário a quem couber a opção "falecer antes de exercê-la, passará este poder aos seus herdeiros" (CC, artigo 1.933). Todavia, se o legatário morre antes do testador, o legado caduca (art. 1.939, V). Uma vez feita a opção, porém, torna-se ela irrevogável. O que era determinável foi determinado, com a individualização da coisa, não podendo, por isso, haver retratação. Mas a irretratabilidade da escolha não significa que ela não possa ser judicialmente anulada, se realizada em desacordo com os ditames legais.

Legado alternativo, previsto no artigo 1.940, é aquele que tem por objeto uma coisa ou outra, dentre as quais só uma deverá ser entregue ao legatário. Em tal hipótese, a opção cabe ao herdeiro, por ser o devedor, salvo se o testador houver estipulado de forma diversa, atribuindo-a a terceiro ou ao legatário. É o mesmo critério do artigo 252, concernente às obrigações alternativas.

Estas são as minhas considerações finais sobre o instituto jurídico do legado, que não tem recebido, na atualidade, o mesmo prestígio de outrora, em que pese a nova legislação civil, vigente desde 2003, trazer em seu bojo algumas alterações oportunas para a sua melhor aplicação e compreensão.

*SERGIO LUIZ PEREIRA LEITE



      







-Advogado militante nas áreas cível e criminal na Comarca de Tietê, Estado de São Paulo.

 Nota do Editor:

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