domingo, 11 de setembro de 2022

Carl Gustav Jung, Sincronicidade e Alquimia


 Sandra Regina Rudiger(*)

Carl Gustav Jung (1875-1961), sempre esteve à frente do seu tempo. Balançou a ciência com a publicação do que se tornaria o volume 8/3 da coleção Obra completa, da editora Vozes, e o texto Sincronicidade, um princípio de conexões acausais - princípio que deveria explicar a relação significativa não causal de acontecimentos, a "coincidência significativa" de dois ou mais fatos. Jung diz que "a ligação entre os acontecimentos, em determinadas circunstâncias, pode ser de natureza diferente da ligação causal e exige um outro princípio de explicação" (CW VIII, par. 818), esta obra que também foi resultado de sua parceria com um estudo elaborado pelo físico e vencedor do prêmio Nobel Wolfgang Pauli, onde Jung estabelece conexões entre a física quântica e a psicologia analítica.

Dentre as evidências que Pauli usou para dar mais peso à teoria, estavam alguns de seus sonhos que acabavam se tornando reais mediante a participação de pessoas distantes. Um exemplo divertido que foi inúmeras vezes citado por Jung era o escritor francês Émile Deschamps, um senhor chamado de Forgebeau e o pudim de ameixa. No ano de 1805, o escritor recebeu um saboroso pudim de ameixa do até então estranho de Forgebeau. Passada uma década desse acontecimento, Deschamps encontra o pudim de ameixa no cardápio de um restaurante e decide, então, pedir. No entanto, o garçom lhe explica que o último pedaço acabou de ser servido para ninguém menos que de Forgebeau. Mais um tempo se passou e, no ano de 1832, o escritor se depara com pudim de ameixa em uma lanchonete e rindo comenta que só falta mesmo a presença de Forgebeau nessa cena, e o homem – já idoso – aparece nesse instante.

Para Jung, criador do termo sincronicidade, o conceito se refere a dois acontecimentos, interior e exterior, que ocorrem simultaneamente sem ter entre si uma ligação passível de explicação racional. Basicamente, sincronicidade é quando existe uma conexão entre um determinado evento externo e um sentimento, pensamento, desejos internos, etc. Ou seja, é a sincronicidade que define os acontecimentos que se relacionam, no entanto, por relação de significado e não casual; o universo está conspirando para dar tudo o que você deseja com rapidez; quando você está na hora certa e no lugar certo, rumo ao seu destino certo e com a pessoa ou pessoas certas, onde a Energia Psíquica movimenta tudo isso. 

Jung justifica sua escolha pelo termo "energia psíquica" em substituição ao termo "libido" argumentando que, além da sexualidade, outros instintos humanos são também de fundamental importância e que sobre sua natureza e dinâmica psíquica sabemos muito pouco.

A Energia Psíquica para Jung é observada em suas manifestações como: instintos, desejos, vontades, afetos, atenção, rendimento e trabalho, abarcando também processos inconscientes. Energia psíquica é um conceito da psicologia utilizado na caracterização do pensamento e das emoções. Ele analisa o refinado sistema de avaliações qualitativas da psique como valores psicológicos que importam a um sistema objetivo de valores morais e estéticos coletivos estabelecidos universalmente. A energia psíquica, compreendida como força vital e especificação da energia universal, é então designada por Jung como libido.

A energia (e, portanto, a própria vida, incluindo a vida psíquica) é o resultado desses contrários – ou seja, de onde ela obtém sua "energia". "Pois assim como não há energia sem a tensão dos opostos, também não pode haver consciência sem a percepção das diferenças" (Mysterium Coniunctionis, p. 494). 

Saboreando um pouco mais do trabalho do Psicólogo Carl Jung, nos aprofundamos em sua brilhante obra Mysterium Coniunctionis, que trata da questão alquímica do desenvolvimento e transmutação como um evento psíquico e alquímico. A tradição alquímica de Jung permitiu a Jung combinar as experiências e percepções que ele obteve através de uma "descida ao inconsciente" pessoal direta com material paralelo objetivamente existente. A Psicologia com uma nova ciência sobre os processos psíquicos inconscientes seja jovem, ela conseguiu identificar certos fatos que são cada vez mais amplamente aceitos. Entre eles, a contradição da estrutura que a psique tem em comum com todos os outros processos naturais. São fenômenos energéticos que sempre surgem de menos provável. A psicologia, por assim dizer, mal alcançou essa estrutura, e acontece que a filosofia alquímica da natureza fez um de seus principais assuntos, entre outras coisas, os opostos e sua unificação. Em suas interpretações, no entanto, ele usa uma terminologia simbólica que lembra muito a linguagem de nossos sonhos, que muitas vezes lidam com problemas de contradição. A consciência busca clareza e exige decisões claras, mas deve se libertar constantemente de argumentos e tendências opostas. Em particular, o conteúdo incompatível permanece completamente inconsciente ou é ignorado pelas pessoas, seja por hábito ou propositalmente. Quanto mais acontece, mais a posição oposta permanece no inconsciente. Os alquimistas, com poucas exceções, não sabiam que estavam trazendo à tona uma estrutura psíquica porque acreditavam que explicavam as mudanças metabólicas. 

Em seus estudos, Carl Jung, se baseia não apenas em um grande número de textos alquímicos, mas também em ideias e símbolos cabalísticos como Adam Kadmon (Homem Primordial), as Sefiroth e a união do noivo e sua noiva. Segundo Jung, historicamente, a humanidade passou de uma condição em que projeta os conteúdos de seu inconsciente no mundo e nos céus para uma em que, como resultado de uma total identificação com os poderes racionais do ego, não apenas se retirou suas projeções vivificantes do mundo, mas também falha em reconhecer ou compreender os arquétipos da mente inconsciente. Então, Jung observa, "a mente consciente geralmente reluta em ver ou admitir a polaridade de seu próprio fundo, embora seja precisamente daí que ela extraia sua energia". Assim, novamente, é a assim chamada mente ou ego "consciente", racional, que se interpõe no caminho da integração. Relacionando isso com os textos sobre a Criação no Livro do Gênesis, Jung observa que a causa do sujeito original A divisão de objetos é "quando esse complexo incipiente consciente, o ego, o filho das trevas, conscientemente separou sujeito e objeto, e assim precipitou o mundo e a si mesmo em uma existência definida". Jung liga tudo isso à estrutura, simbolismo e processos descritos nos textos alquímicos. Ele sugere uma ligação entre a "pedra filosofal" ou "lápis" e o próprio cérebro, "a pedra que não é pedra" (ou seja, também é consciência) – é como se o cérebro fosse um 'ovo', observa ele – que 'profunda' sobre suas 'imagens', a superfície do mar (como no Gênesis), para produzir imagens e ajudar a reuni-las e reconciliá-las.

O interesse ao longo da vida do psicólogo suíço Carl Gustav Jung por campos e tópicos que aparentemente nada têm a ver com a psicologia não apenas enriqueceu sua visão, mas, acima de tudo, refletiu significativamente em seus ensinamentos. O livro Mysterium Coniunctionis é o resultado de seu profundo interesse pela alquimia. Jung trabalha com alquimia e seus textos há muito tempo, e seu interesse pelos psicanalistas começou de fato - graças aos sonhos que teve na segunda metade da década de 1920. Jung escreve sobre isso: "foi somente depois que me familiarizei intimamente com a alquimia que percebi que o subconsciente é um processo e que a psique é transformada ou desenvolvida pela relação do ego com o conteúdo do inconsciente". Neste trabalho Jung vincula as práticas da alquimia e da psicologia por meio de uma análise profunda do simbolismo e um exame de suas ideias compartilhadas de integração e "união de opostos". Como ele observa, "não apenas essa moderna disciplina psicológica nos dá a chave para os segredos da alquimia, mas, inversamente, a alquimia fornece à psicologia do inconsciente uma base histórica significativa".

Nesse trabalho baseado na Alquimia, Jung estabelece os estágios que são os estágios do processo alquímico e as condições do material em que se trabalha, os estados da Psique do alquimista":

I)Nigredo (melanosis): mortificatio, iteratio, putrefactio, calcinatio, processo vagaroso, difícil, coagulante. Em estado de nigredo a pessoa está confusa, deprimida, pessimista. O preto da nigredo já indica uma realização e não necessariamente é um estagio inicial da opus. Ela é necessária para qualquer mudança de paradigma, torna possível a transformação psicológica. Cabeça de corvo- mais preto que o preto. Curar a nigredo = decapitação ( separatio), separar a compreensão da identificação com o sofrimento — emancipação da cogitatio. As imagens mentais em análise permitem a emancipação da escravidão à nigredo. A mente em nigredo mostra características do pensamento para baixo e para atrás, um intelecto preso em raciocínios e ideias depressivas e redutivas. A psique nigredo conhece-se vitimizada, traumatizada dependente e limitada pelas circunstâncialidade e substancialidade. É também chamada de discensus et inferos, período de memorização, busca causal, arrependimento;

II) Caellum, azul: É uma condição da mente do qual depende toda a obra. O azul infunde a obra de beleza , amor pelo trabalho e deleite erótico para ocuparmos dele. Indica a unio mentalis segundo Jung, a união do julgamento racional com a fantasia estética. Essa é a primeira meta da opus, ativar a albedo. Progressão simples através de estágios definidos não é psicologia alquímica. Uma mente psicológica sofreu a unio mentalis quando sombras negras perseguem cada fase e cada tonalidade principalmente pelo azul. O azul confere mistério, os valores, a reflexão à albedo. O azul está além das polaridades da existência;

III) Albedo (leukosis): as operações da albatio nos ensinam como a realidade se torna psíquica e a psique se torna real. O metal principal é a prata, que significa brilho, cintilância, purificação, lustre, tornar-se essência, durável. A mente na albedo é mais como os sonhos: receptiva, impressionável, imagética, autorreflexiva e talvez reconfortavelmente mágica. "Mas nesse estado de brancura não se vive" disse Jung;

IV) Citrinitas( xanthosis): o amarelo indica muitas vezes um processo de putrefação e corrupção. O processo orgânico da putrefação é intensificado pelo enxofre que acelera a natureza rumo a decadência e portanto, rumo a sua próxima estação. Quando as coisas fedem, amarelam decaindo, algo importante está acontecendo. Quando aparece a citrinitas está formado o collyrium dos filósofos. A luz solar lançada sobre a reflexão lunar ( Metanálise); e

V) Rubedo ( iosis): a rubedo é imaginada como um momento final, não porque seja o resultado final alcançado( rei, ouro, elixir), mas porque o vir a ser é ultrapassado e o ser é liberto da imobilidade estática. Humor sanguíneo= confiante, otimista, alegre. Vermelho é exaltação, multiplicação e projeção. Indica a inseparabilidade do visível e do invisível, psique e cosmo. (UNUS MUNDUS). Capacidade de seguir na vida. Pode significar envenenamento quanto destituída de parte da albedo e nigredo. A rubedo é a imagem do rei vendo e sendo visto por cada habitante do reino. "Para ganhar a vida é necessário ter sangue". A rotatio da rubedo também 4 caracteriza o fim da obra, um movimento que não chega a lugar algum, um vir- a- ser que permanece no ser. 

Podemos dizer que as cores não têm um significado único, devem ser colocadas na imagem, no humor, no tempo, no contexto. Jung disse que a alquimia tinha dois objetivos: o resgate da alma humana e a salvação do cosmos. 

Mysterium Coniunctionis (1963) é o culminar dos estudos de alquimia de Jung, que ele havia dedicado anteriormente à extensa obra Psychology and Alchemy (1947). E então, só então o modelo psiconeurótico da psique pode ser curado gerando a reconciliação e não a dissociação do racional e do afetivo, da esquerda e da direita, do consciente e do inconsciente: O sonho do Mysterium Coniunctionis de Jung; O Casamento do Céu e do Inferno.

Bibliografia: 

Jung, C. G. - A Natureza da psique (Obra Completa, vol.8/2). Petrópolis, RJ: Vozes;
Jung, C. G. - Energia psíquica (Obra Completa, vol.8/1). Petrópolis, RJ: Vozes; 
Jung, C. G. - Mysterium Coniunctionis (Obra Completa, vol.14/2). Petrópolis, RJ: Vozes e
Jung, C. G. - Sincronicidade (Obra Completa, vol.8/3). Petrópolis, RJ: Vozes. 

*SANDRA REGINA  RUDIGER 


















-Bacharel e Psicóloga – UNIVERSIDADE SÃO MARCOS – 1987;
-Pós-Graduada – Administração de Recursos Humanos - UNIVERSIDADE SÃO JUDAS – 1996;
-Pós-Graduada – Docência Ensino Superior – UNIBAM – 2012;
-Pós-Graduada – Metodologias no Ensino à Distância – ANHANGUERA EDUCACIONAL - 2015;
-Mestrando – Filosofia – FACULDADE SÃO BENTO (Mosteiro em São Paulo);
-Mais de 40 cursos de Extensão Universitária;
-Atualmente pertence ao corpo docente da URCI (UNIVERSIDADE ROSACRUZ CURITIBA), ONDE MINISTRA 4 (QUATRO) DISCIPLINAS;
-Atende como Psicóloga particular na abordagem junguiana em São Paulo;
-Autora de 11 livros publicados no Brasil e exterior, tem títulos publicados pelas editoras: STS, Madras, AMAZON;
-Sua última publicação é o livro O Método de Carl Gustav Jung - 08/2022 que possui os formatos: Digital, físico e Capa Dura, pela Amazon.

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

2 comentários:

  1. Jussara Cavalcante Lozano11 de setembro de 2022 às 08:25

    Que artigo incrível!
    Sou graduada em química industrial e foi nesta época, ainda na adolescência, que tomei contato com o mundo alquímico. Foi-me aberto um caminho de transformações, o qual só me dei conta um pouco mais tarde. Por ser um processo contínuo estamos sempre nos moldando ao momento presente.
    Gratidão a Sandra por mostrar aspectos tão profundos neste artigo!

    ResponderExcluir
  2. Obrigada Jussara. Grande abraço.

    ResponderExcluir