terça-feira, 13 de setembro de 2022

Estado das Leis ou Estado das Decisões


 Autor: Marcelo Palagano (*)

O Brasil constitui-se num Estado Democrático de Direito.

Entende-se por Estado de Direito o Estado que tem como base o respeito às Leis como forma de contenção ao nefasto poder absoluto. Referido conceito tem sua origem na Idade Média, período que ficou marcado pela consolidação das Monarquias Absolutistas. É conhecida a frase do Rei Luís XIV "L’État c’est moi", que traduzindo significa "O Estado sou Eu", que sintetiza bem o período das Monarquias Absolutistas.

Em meados do fim do século XVIII, especialmente na Europa, surge a ideia de um Estado governado por Leis. Era um dos princípios da nova sociedade que surgia na época e que tinha como pilar a igualdade de todos e o fim dos privilégios de uma determinada classe da sociedade. A fim de submeter os Reis à vontade popular a figura do parlamento ganhou mais notoriedade.

Feitas estas considerações, é importante destacar que a ideia de um império da Lei não surgiu do nada e se tornou um ideal extremamente poderoso para todos aqueles que lutam contra o autoritarismo e o totalitarismo, transformando-se num dos principais pilares do regime democrático.

Acontece que todas essas ideias quando analisadas perante o que ultimamente acontece no Brasil se tornam apenas ideias, pois, ultimamente o que temos visto e presenciado é a mais nefasta e absurda atuação inconstitucional de um dos poderes da República frente aos demais. Esse poder é o Poder Judiciário e sua atuação é conhecida como Ativismo Judicial.

Já tive a oportunidade de em outras colunas comentar um pouco sobre esse fenômeno e hoje quero apresentar mais um capítulo dessa triste realidade, que infelizmente contradiz como também ignora a sapiência da mais sublime ciência do Direito.

O Estado de Direito se fundamenta no império das Leis. Entre os seus mais valiosos princípios está o princípio da Legalidade que na Constituição Federal vem prevista no artigo 5º, II: "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". O princípio da Legalidade é o centro do Estado de Direito, pois é através deste princípio que se busca proteger os indivíduos contra os arbítrios cometidos pelo Estado.

Vale ressaltar também que a própria máquina pública esta sujeita a este princípio quando da prática de seus atos e suas ações. Isto é, a administração só está autorizada a agir na medida em que há Lei que regulamenta tal ação. 

Neste sentido vale dizer que "enquanto o cidadão pode praticar os atos que não estão proibidos em lei, o administrador público só pode atuar segundo as normas", são as palavras do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello.

É conhecida a máxima do Águia de Haia, Rui Barbosa: "Com a lei, pela lei e dentro da lei; porque fora da lei não há salvação."

Pois bem, recentemente o Tribunal Superior Eleitoral proibiu o uso de celulares nas cabines de votação durante o pleito eleitoral deste ano (www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/09/5033792-tse-veta-uso-de-celular-e-armas-de-fogo-nas-cabines-de-votacao.html).

"Segundo o TSE, na cabine de votação é vedado portar aparelho de telefonia celular, máquina fotográfica, filmadoras e equipamentos de radiocomunicação ou qualquer acessório que possa comprometer o sigilo do voto. Caso o eleitor se negue a entregar, ele será proibido de votar", destaca a reportagem.

Acontece que a decisão do TSE é uma decisão judicial que, por óbvio, merece ser acatada, contudo, representa mais um capítulo dessa novela chamada "Ativismo Judicial". Por quê?

Pelo simples fato de tal decisão contrariar a Constituição Federal como já apontado anteriormente. Somente uma Lei aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente da República é que pode tratar dessa questão.

Causa arrepio pensar que o Tribunal proibirá alguém de exercer a cidadania caso ousar votar com o seu aparelho celular em mãos ou no bolso. Sim, há tantas outras coisas muito mais graves, e que não serão objeto do presente artigo, que poderiam sustentar tal entendimento. Ocorre que o que chama a atenção é justamente o fato de tal decisão não encontrar amparo no Ordenamento Jurídico. Ao contrário, ao que se sabe e o que está muito bem definido em Lei é que impedir alguém de votar é crime previsto no Código Eleitoral (Lei 4.737/1965):

Art. 301. Usar de violência ou grave ameaça para coagir alguém a votar, ou não votar, em determinado candidato ou partido, ainda que os fins visados não sejam conseguidos:

Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.

Nas palavras do ex-ministro do STF, Marco Aurélio Mello:

 "Nós temos um princípio básico em um estado democrático de direito, que é o princípio da legalidade, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei. Enquanto o cidadão pode praticar os atos que não estão proibidos em lei, o administrador público só pode atuar segundo as normas. O Tribunal Superior Eleitoral tem atribuição, pelo código eleitoral, de regulamentar, baixar instruções presente à lei, mas não pode simplesmente normatizar sobre certos fatos. Cumpre ao Congresso Nacional editar leis com a sanção ou veto do presidente da República".

Essas são as falas de um ministro que já foi presidente do TSE, diga-se de passagem. Por óbvio que o sr. Ministro vai ao encontro da razão.

Oras, sabemos o que é isso. Estamos vivendo isso já algum tempo. Isso tem nome e inclusive já foi mencionado neste artigo. É o malfadado Ativismo Judicial que outrora já foi tema de outros artigos que já escrevi nesta coluna.

Uma vez pronunciei que tal ação causa arrepio à Democracia, hoje, porém, não se pode mais fazer tal afirmação, sob pena de receber a visita dos homens de preto para tomar café. Quem pode mais também pode menos. Mas quem só pode menos, não se atreva a querer poder fazer mais.

Nas palavras proféticas do eminente jurista Rui Barbosa, já citado: "A pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer."

 Algo precisa ser feito, sob pena de cedo ou tarde estarmos vivendo num Estado Democrático de Decisões.

 *MARCELO DUARTE PALAGANO



 




-Advogado, graduado em Direito pela Universidade de São Caetano do Sul(2015);

 -Pós Graduado em Processo Civil pela Academia Jurídica em 2020; e 

Atua nas áreas do direito Civil, de Família, Sucessões, Consumidor e do Trabalho.


Nota do Editor:

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2 comentários:

  1. Somos leigos! 99,99% da sociedade brasileira nunca leu um único parágrafo da constituição, nosso aprendizado escolar na educação básica passa longe deste tema.
    Enfim,pessoas com formação superior que com certeza tiveram contatos nem que seja de leve com pensamentos do arcabouço que formaram os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, leituras com o mínimo razoável de interpretação , Jonh Locke, Voltaire, Smith, Descartes, Rousseau, Montesquieu, nessa linha; é preocupante esse teor de acintoso contra um dos poderes, pilar de uma democracia saudável...
    "Ordem judicial não se discute, se cumpre" - VIA LEGAL

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  2. Excelente artigo! Ótimo debate!! Pelo fim do ativismo judicial!!

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