quinta-feira, 29 de setembro de 2022

Direito de Filiação – um novo ramo do Direito?


 Autora: Melissa Telles Barufi(*)

As ciências jurídicas e sociais, via de regra, não evoluem na rapidez da sociedade, principalmente quando estamos diante da sociedade líquida da pós-modernidade. A dinâmica da vida atual, da informação massificada e das relações despersonificadas, reformularam as relações humanas, principalmente na seara afetiva, sendo que a legislação permaneceu tardia e vaga, não atendendo às demandas que florescem das multifacetadas vivências humanas que denominamos como família. Nesse sentido, a intenção é demonstrar a evolução do direito da infância e das famílias, culminando nas novas ações de filiação, como realidade jurídica emergente.

A pós-modernidade, ou aquele que se referem à mesma como modernidade líquida, terminologia cunhada por Zygmund Bauman, é marcada pela abrupta transformação das relações, sejam elas pessoais, profissionais, consumeristas ou sociais. É fato que todas as relações se modificaram e, mais do que isso, tornaram-se oi redesignada.

Afora isso, a virada do milênio trouxe uma aceleração na aproximação das pessoas, rompendo barreiras de distância e, até mesmo, preconceitos; viabilizando as comunicações imediatas, as transações globais instantâneas e, acima de tudo, tornando-se estruturante para a concretização do direito fundamental da dignidade da pessoa humana, na medida de sua felicidade. Diz-se isso por conta do reflexo imediato nas relações humanas, desde a concepção do que é ser pessoa detentora de direitos, aqui trabalhando com a análise da infância, culminando na reformulação das concretizações pessoais e familiares, que desembocam nas novas relações afetivas e filiais.

Por conta desse movimento transformador, que daqui pra frente só tende a avançar e não retroceder, somado à especificidade das relações sociais e familiares, passa-se a trabalhar as novas demandas de filiação como novo ramo do direito, que atua com olhar voltado para o afeto e o direito de felicidade do ser humano como edificante da dignidade.

E, somado a tudo isso, urge apontar que a especificidade não está só na temática emergente, como também no profissional que está à frente da demanda, que exige qualificação especializada, além de uma visão e compreensão multicolorida e multifacetada das vivências familiares.

A partir do século XX, a criança e o adolescente passam a receber certa tutela do Estado . Com a vigência do Código Beviláqua, em 1917, e ao entrar em vigor o denominado Código de Menores, o legislador brasileiro passou a refletir sobre a temática da criança e do adolescente no país, de forma precária e discriminativa.

Não se pode esquecer, nesse sentido, a debilidade, tanto do Estado quanto da sociedade, em reconhecer e fazer valer os direitos da criança e do adolescente, reconhecendo-os em sua completude como sujeitos detentores de garantias fundamentais. Todavia, a partir da Segunda Guerra Mundial, tornou-se imprescindível a formalização de determinados princípios e a garantia de sua inviolabilidade para preservação dos direitos do indivíduo. Daí a criança e o adolescente passaram gradativamente a receber, ainda que de forma incompleta, alguma proteção do Estado.

Com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a dignidade passa a ser reconhecida em seu preâmbulo como elemento intrínseco a todos os membros da família humana, assegurando, para todos os integrantes desta, direitos iguais e inalienáveis, além de irradiar a liberdade, a justiça e a paz no mundo.

A Declaração resguarda a capacidade indistinta de todos os indivíduos para fruir dos direitos e liberdades nela previstos; a igualdade de tratamento perante a lei, assim como a proteção contra qualquer forma de discriminação; a liberdade de pensamento, consciência e crença religiosa; a liberdade em poder opinar e se expressar; os cuidados necessários à infância e o tratamento igualitário aos filhos concebidos dentro ou fora do casamento; dentre outros direitos e garantias previstos, buscando fortalecer o respeito e a dignidade do indivíduo nas relações sociais e, principalmente, nas relações familiares.

No curso da história, a criança e o adolescente passaram a ser tratados, pela sociedade e pelo legislador, como indivíduos merecedores e detentores de direitos e garantias fundamentais. Assim, passam a serem vistos com olhar mais humano e indistinto; a criança e o adolescente passam a ser vistos como verdadeiros sujeitos de direitos. Nesse contexto:

Deixam de ser vistos como meros sujeitos passivos, objeto de decisões de outrem (ou seu representante legal), sem qualquer capacidade para influenciarem a condução da sua vida, e passaram a ser vistos como sujeitos de direitos, ou seja, como sujeitos dotados de uma progressiva autonomia no exercício de seus direitos em função da sua idade, maturidade e desenvolvimento das suas capacidades. Pode, por conseguinte, afirmar-se que a criança e o adolescente conquistaram já um estatuto de "cidadania social" incontornável.

Nesse salto de direitos, a criança e o adolescente passaram a receber maior proteção, tornando-se alvo de amparo integral e prioritário. De igual modo, passaram a ser reconhecidos como agentes sociais, tornando a infância uma fase da vida que merece ser vista, debatida e valorizada.

Nesse sentido, a Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959), da qual o Brasil é signatário, prevê que, devido à imaturidade física e mental, eis que indivíduos em desenvolvimento, a criança e o adolescente necessitam de proteção e de cuidado especial, devendo, ainda, serem amparados por uma legislação especializada e apropriada.

Com a Constituição Federal de 1988 e, logo em seguida, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), o Brasil passou a aplicar o princípio da proteção integral, objetivando proteger a criança e o adolescente, de forma prioritária.

Outro avanço de proteção significativo é a Convenção sobre os Direitos da Criança, Decreto n° 99.710 de 21 de novembro de 1990, que prevê em seu artigo 2.1 o direito à igualdade das crianças e adolescentes, proibida qualquer distinção entre eles. Já o art. 2.2, visa protegê-los de qualquer forma de discriminação ou castigo, assegurando o exercício de atividades, a manifestação de suas opiniões, dentre outros direitos e garantias. Conforme inserto no art. 3, todas as ações realizadas por instituições públicas ou privadas que, porventura, envolvam crianças ou adolescentes devem levar em conta, primordialmente, os interesses destes. O art. 4 além de agregar os direitos e deveres dos pais, tutores ou responsáveis, também prevê o direito à proteção e ao cuidado que obrigatoriamente estes deverão ter com a criança ou adolescente que estiverem sob sua responsabilidade.

Ademais, a Convenção sobre os Direitos da Criança, em seu art. 12, expressa de forma clara o direito da criança e do adolescente em poder manifestar livremente o seu ponto de vista, principalmente em relação a questões que os envolvem, devendo a sua opinião ser considerada de acordo com a sua idade e maturidade.

O art. 13 assegura-lhes a liberdade de expressão. Já o art. 14 prevê o exercício do direito à liberdade de pensamento, de consciência e de professar a sua crença religiosa; proibindo interferências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada (art. 16). O art. 27, por sua vez, assegura à criança e ao adolescente o direito ao pleno desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social; no art. 28 vai ressaltado o direito ao acesso à educação de qualidade, enquanto o art. 31 traz à baila o direito ao descanso, ao lazer e à diversão.

Vale observar que a Convenção, além de prever os direitos das crianças e adolescentes, obriga os países signatários a proteger estes direitos, impondo medidas tanto administrativas quanto legislativas para que estes desfrutem das garantias previstas na Convenção - devendo os países, inclusive, fazer uso da cooperação internacional caso não tenham recursos suficientes, e, por conseguinte, prestarem contas à Organização das Nações Unidas (ONU).

Nesse sentido, é percebida a influência da Convenção sobre os Direitos da Criança na proteção dos direitos humanos de crianças e adolescentes, e a sua influência na aplicação da doutrina da proteção integral, contribuindo para que as crianças e adolescentes sejam reconhecidos como indivíduos detentores de direitos e garantias fundamentais.

* MELISSA TELLES BARUFI

























-Advogada graduada pela Faculdade Luterana do Brasil - (Canoas/RS) - 2005;

- É fundadora do Escritório que leva seu nome, tem sua matriz no Centro Histórico de Porto Alegre (RS)e é  especializado em demandas relacionadas com à advocacia Familiarista, incluindo o Direito Internacional, com parceiros nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Tocantins e Distrito Federal;

- Melissa entende que trabalhar com os diversos núcleos Familiares, principalmente com o Parental é, sem dúvida, lidar com a parte mais sensível do ser humano – o afeto.

Nota do Editor:

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