terça-feira, 15 de agosto de 2023

Contencioso Estratégico


 Autor: Rodolfo Amadeo(*)

Em razão da proximidade do dia 11 de agosto e no mote da dupla comemoração dos 25 anos de formatura da nossa turma da Velha e Sempre Nova Academia e dos 30 anos de fundação do nosso escritório, hoje denominado Huck Otranto Camargo, quero compartilhar neste breve post algumas das lições que aprendi com os mestres deste caminho que venho trilhando: o contencioso estratégico (*uma versão mais completa dessas reflexões está no nosso recente artigo "Contencioso estratégico: a arte da advocacia contenciosa do Dr. Fabio Lilla”, in Ligia Moura Costa, Paulo Eduardo Lilla (orgs.), Lições da advocacia empresarial : estudos em homenagem a Fabio de Campos Lilla. – Rio de Janeiro: FGV, 2023, pp. 249/261).


Bem sabem os advogados do contencioso estratégico que, na advocacia contenciosa, tanto judicial, quanto arbitral, o Direito e o interesse do cliente estão em constante risco, pois a sua realização no caso concreto depende da atuação concertada de vários agentes, muitos dos quais com interesses divergentes, quando não opostos.

Barbosa Moreira assim descreve a atividade da advocacia contenciosa: "as partes fazem aos advogados narrativas lacunosas dos fatos; os advogados equivocam-se na valoração do material, ou não são bastante hábeis, ou bastante diligentes, e deixam de usar algum argumento que talvez fosse o decisivo; documentos perdem-se, acham-se, tornam a perder-se; testemunhas esquecem o que viram ou ouviram, omitem-se, desaparecem; à atenção do juiz passa despercebido tal ou qual subsídio probatório, à sua memória não acode a norma legal que na verdade se deveria aplicar à espécie."("A eficácia preclusiva da coisa julgada material no sistema do Processo Civil Brasileiro", Temas de Direito Processual Civil – Primeira Série, São Paulo: Saraiva, 1977, p. 99).

É exatamente por isso que, no contencioso estratégico, não basta ao advogado simplesmente conhecer o Direito. É preciso, como já advertia Piero Calamandrei, saber "jogar o jogo" e estar atento às oportunidades que surgem e se ocultam rapidamente no caso concreto para aproveitá-las tão logo se apresentem (cf. "O processo como jogo", trad. Roberto B. Del Claro, RePro, n.º 23, jan/mar de 2003, p. 191).

Pode-se  dizer que a visão estratégica do contencioso consiste em identificar claramente o objetivo que se almeja alcançar em determinado caso concreto, verificar os elementos de que se dispõe para atingir tal objetivo e, por fim, formular e executar um plano para alcançar este objetivo com a utilização destes elementos. Na formulação e na execução desse seu plano, há quatro relações que o advogado do contencioso sempre precisa ter em mente: a relação com o cliente, com sua equipe, com o julgador e com o advogado da parte contrária.

Quanto à relação com o cliente, relembro a preciosa lição do Professor José Ignacio Botelho de Mesquita em sua última aula do nosso curso de bacharelado, dedicada à análise dos Mandamentos do Advogado, de Eduardo Couture: "curiosa é a escolha do advogado pelo cliente. É comum o advogado ser escolhido pela sua fama de brigador, capaz de usar qualquer recurso pelo cliente, os que se pode usar e os que não se pode (...) É importante que os Srs. sejam independentes em relação ao cliente. Sabendo que o advogado não é instrumento para vingança, não é instrumento para castigo. Que o processo não é lugar para se dar lições a ninguém. O advogado deve ser um instrumento para a realização do Direito. Ele tem que saber o que fazer em cada caso, ele não tem que fazer a vontade do cliente. Ele tem que usar o seu conhecimento e a sua sensibilidade para defender o cliente do modo que ele ache melhor. (...) O advogado deve pensar com sua cabeça, escrever o que acha que deve escrever, nada para agradar um cliente. Ele é um técnico, um artista, ele serve o cliente não da maneira que o cliente quer, mas da maneira, que ele acha que o cliente deve ser servido. Ser leal como cliente é isto." (Aula de Encerramento do Curso de Processo Civil no 5º Ano Noturno da Turma de 1998, inédito).

Quanto à relação com sua equipe, o advogado do contencioso precisa saber despertar o interesse dos advogados e dos estagiários pelo caso concreto, estimulando a discussão da estratégia a ser seguida e deixando aflorar as melhores ideias. E, nesse ponto, é necessário se destacar a riqueza da formação de equipes marcadas pela diversidade, integrando também, se possível, “advogados não contenciosos” de setores como o societário, ambiental, de propriedade intelectual ou o imobiliário, se o caso versar sobre os ramos cada vez mais especializados do Direito Material. Além disso, é fundamental que o advogado do contencioso estratégico fomente nos integrantes de sua equipe o interesse pelo contínuo aprendizado do Direito, não descumprindo o 1º mandamento de Eduardo Couture: "Estuda. O Direito está em constante transformação. Se não o acompanhas, serás cada dia menos advogado." (Os Mandamentos do Advogado, Porto Alegre: Fabris, 1979, p. 21).

Quanto à relação com o julgador, vale lembrar a lição Piero Calamandrei: "defenda as causas com zelo, mas sem exagerar. O excesso de doutrina, a excepcional ostentação de citações de autores, o refinado virtuosismo dialético cansam o juiz. Se você escreve demais, ele não lê; se você fala demais, ele não ouve; se você é obscuro, ele não tem tempo para tentar compreendê-lo. Para ganhar as causas, é necessário empregar argumentos medianos e simples, que ofereçam ao juiz o fácil caminho da menor resistência. (...) Os juízes gostam dos advogados discretos e lacônicos, os clientes os querem verbosos e prepotentes; os juízes têm horror dos engenhosos fabricantes de sofismas, os clientes consideram a fertilidade com que se inventam os sutis expedientes o dom mais conspícuo do engenho advocatício; os juízes preferem os defensores que, ao expor sua tese, contam com a qualidade objetiva dos argumentos e não com a imposição de sua autoridade pessoal (...). Que quer dizer ‘grande advogado’? Quer dizer advogado útil aos juízes para ajudá-los a decidir de acordo com a justiça, útil ao cliente para ajudá-lo a fazer valer suas razões. Útil é aquele advogado que fala o estritamente necessário, que escreve clara e concisamente, que não entulha a audiência com sua personalidade invasiva, não aborrece os juízes com sua prolixidade e não os deixa suspeitosos com sua sutileza – exatamente o contrário, pois, do que certo público entende por ‘grande advogado’." (Eles, os Juízes, vistos por um Advogado, 1ª ed., 5ª tiragem, trad. Eduardo Brandão, São Paulo: Martins Fontes, 2000, pp. 104, 131, 132).

Por fim, quanto à relação com o advogado da parte contrária, vale trazer a lição do Professor José Ignacio Botelho de Mesquita, ao analisar outro dos Mandamentos de Eduardo Couture: "E o adversário? O processo, Srs., é uma luta. Mas não é um duelo pessoal. Podem surgir atritos entre os advogados, mas entre o que se está se discutindo no processo... Pode haver censura ao que ele disse; se ele mente, se ele deturpa um texto jurisprudencial ou doutrinário. Mas o processo não é um duelo em que vamos buscar um defeito pessoal do outro colega e fazer que, com isto, ele caia perante o juiz. Daí a necessidade de ser leal com o colega, ainda que ele não seja leal conosco."” (Aula de Encerramento do Curso de Processo Civil no 5º Ano Noturno da Turma de 1998, inédito). Nesse ponto, precisamos ter em mente que, no contencioso estratégico, não devemos medir esforços na defesa dos interesses do cliente, mas certamente alcançaremos melhores resultados se tal defesa for feita dentro dos limites da ética e da boa educação, sem desrespeitar o advogado da parte contrária.

Eram essas as lições dos mestres do contencioso estratégico que eu gostaria de compartilhar com os colegas neste momento de múltiplas celebrações.

*RODOLFO COSTA MANSO REAL AMADEO










-Graduado  em Direito  pela Universidade de São Paulo (1998);

-Mestrado em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo( 2005);
-Doutorado em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo (2010);
-Professor dos Programas de Pós-Graduação da Fundação Getúlio Vargas e da Universidade de São Paulo; e
-Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAR), da Dispute Resolution Board Foundation (DRBF), do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), do Centro de Estudos Avançados de Processo (CEAPRO) e do Instituto Brasileiro de Estudos do Direito da Energia (IBDE).

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