quinta-feira, 16 de maio de 2019

O Fim do "Casamento Infantil"




Autora: Daniela Medeiros(*)


O casamento é uma entidade familiar constituída formal e solenemente, através de um vínculo que produz consequências jurídicas diversas.


O legislador, através do artigo 1517 do CC estipulou a capacidade núbil, ou seja, a idade mínima para que a pessoa possa casar, qual seja, 16 (dezesseis anos) de idade.


Vale ressaltar, no entanto, que se a pessoa tiver menos que 18 anos, ela só poderá casar se tiver autorização de ambos os pais, ao menos que o outro genitor: a) seja falecido; b) tiver sido declarado ausente; c) estiver destituído do poder familiar.

Se um dos pais ou ambos não quiserem conceder a autorização judicial, será possível iniciar um procedimento de jurisdição voluntária pedindo o suprimento judicial do consentimento, o qual poderá ser formulado pelo (a) filho(a) que não foi autorizado por seus pais; pelo outro nubente que quer casar com ele(a); ou pelo Ministério Público.

Entendendo o juiz que a recusa da autorização do casamento pelos pais foi injusta, ele irá autorizar o casamento, expedindo um alvará judicial que será juntado no procedimento de habilitação no cartório de registro de pessoas naturais.

Antes da nova redação dada pela Lei 13.811/2019, o artigo 1520 do CC, previa hipóteses autorizadoras do casamento mesmo que a pessoa ainda não tivesse atingido a idade núbil. Vejamos:
Art. 1.520. Excepcionalmente, será permitido o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil (art. 1517), para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez.
Com relação a previsão "a fim de evitar imposição ou cumprimento de pena criminal”, destaque-se que os incisos VII e VIII do art. 107 do Código Penal previam que, se a vítima de um “crime contra os costumes" (leia-se: crime contra a dignidade sexual), casasse com o autor do delito, o agente poderia ter a sua punibilidade extinta (hipóteses previstas nos incisos VII e VIII do art. 107 do CP).

Em outras palavras, alguém que mantivesse relação sexual com uma criança ou adolescente com idade inferior a 14 anos, e depois se casasse com ela, não responderia criminalmente por estupro (o qual era presumido, mesmo que houvesse consentimento da menor).

No entanto, destaque-se que a Lei nº 11.106/2005, revogou tais incisos (VII e VIII do art. 107 do CP).

Diante disso, o trecho do art. 1.520 do CC ("para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal") foi tacitamente revogado ou, no mínimo, perdeu aplicabilidade prática considerando que, a partir da supramencionada lei, o casamento da vítima do crime sexual não interfere em nada no delito ou na pena aplicada, respondendo a pessoa por crime contra a dignidade sexual da mesma forma.

Não obstante, alguns legisladores passaram a discutir que o casamento com o autor do crime poderia ser tido como uma forma de abrandar o problema de uma gravidez indesejada. Citavam o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente (best interest of the child), bem como a função social da família.

Assim, passou-se a entender que na hipótese da ocorrência da gravidez de pessoa menor de idade, a vontade da vítima em se casar, deveria ser levada em consideração.

Nesse sentido o Enunciado n. 138 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na I Jornada de Direito Civil, previa: "A vontade dos absolutamente incapazes, na hipótese do inc. I do art. 3º, é juridicamente relevante na concretização de situações existenciais a eles concernentes, desde que demonstrem discernimento bastante para tanto".

Ocorre que, a Lei Penal nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, a fim de colocar pá de cal no debate anterior, passou a prever não ser mais possível o casamento da menor com aquele que cometeu o crime antes denominado como de estupro presumido, em hipótese alguma. Isso porque o Código Penal, ao tratar dos crimes sexuais contra vulnerável, passou a prever em seu art. 217-A que é crime "ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos".

Ainda, a Lei n. 13.718/2018 incluiu um novo parágrafo no art. 217-A do Código Penal, prevendo que "As penas previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime" (§ 5 º).

Desta forma, independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime, aplica-se as penas de estupro àquele que com ela manteve relações sexuais. 

No entanto, ainda assim havia a discussão de que por mais que o agente respondesse criminalmente por ter mantido relações sexuais com menor de idade (havendo desse fato resultado ou não gravidez), se haveria uma remota hipótese de autorização de casamento, caso fosse vontade externada pela "vítima".

A fim de que não pairassem dúvidas, a Lei nº 13.811/2019, alterou o art. 1.520 do CC e agora não é mais possível, em nenhuma hipótese, o casamento de pessoa menor de 16 anos (ou seja, nem mesmo em caso de gravidez).

Vejamos a nova redação do art. 1.520 (dada pela Lei 13.811/2019):

Art. 1.520. Não será permitido, em qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a idade núbil, observado o disposto no art. 1.517 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 1.318/2018).

Desta forma, depois da Lei nº 13.811/2019, se for realizado casamento de pessoa menor de 16 anos (seja em hipótese de gravidez e/ou em qualquer outra hipótese) este casamento será anulável, nos termos do art. 1.550, I, do CC:

Art. 1.550. É anulável o casamento:
I - de quem não completou a idade mínima para casar.

Há apenas duas hipóteses em que o casamento infantil poderá ser mantido: a) se ninguém suscitar a anulação, depois de completar a idade núbil, confirmar seu casamento (artigo 1553 CC); b) o casamento de que resultar gravidez (artigo 1551 CC). 

Por último e não menos importante, ressalta-se não ser possível utilizar-se da união estável como forma de consolidar a situação, uma vez que, por analogia, para sua constituição devem ser observados os mesmos critérios do casamento.
                                   
REFERÊNCIAS: 

TARTUCE, Flávio. Primeiras reflexões sobre o casamento do menor de 16 anos após a Lei 13.811/2019. In: <https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/691263658/primeiras-reflexoes-sobre-o-casamento-do-menor-de-16-anos-apos-a-lei-13811-2019>.

* DANIELA COSTA QUEIRÓZ MEDEIROS
















-Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa(2010)
-Advogada em Queiróz Medeiros Advocacia e Consultoria Jurídica;
-Especialista em Direito e Processo Contemporâneo pela Faculdade de Telêmaco Borba(2012); e
 -Especialista em Direito Público pela Faculdade Damásio(2018).

Nota do Editor:

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