segunda-feira, 13 de maio de 2019

A Agonia de Envelhecer no Brasil


Autora: Beatriz Ramos(*)

Voltei para a terapia, pressionada pelas dores de, aos 61 anos, estar desempregada em um país hostil, incapaz de assegurar aposentadoria justa a quem trabalhou e contribuiu para o INSS durante a vida inteira. 

Só quem já passou por isso sabe como é devastador procurar emprego, mês após mês, socando o ar contra o preconceito pelos que já passaram dos 60; contra a crise econômica e a falta de vozes que defendam nossos interesses. Conhece a dor de reunir documentos que comprovem o tempo mínimo de contribuição, solapado por gente desonesta que deixou de recolher sobre seu trabalho, contando com a fiscalização deficiente do sistema. 

Ninguém fala pelos velhos no Brasil, e uma prova dessa afirmação é o arremedo de reforma da Previdência em tramitação no Congresso Nacional, que ameaça manter privilégios de uma elite cevada pelos nossos impostos, e acabar estourando no lombo dos mais fracos, nós. 

Acho que a transição entre a fase ativa e a aposentadoria é delicada em qualquer lugar, mas a incerteza – quando não crueldade - que cerca o processo por aqui, agrega sofrimento desnecessário ao que já não é fácil. 

Venho presenciando casos dolorosos durante minha peregrinação ao INSS: pessoas com Alzheimer perambulando pela sala, sem direito a atendimento prioritário; a moça que chegou às 5:40 na fila do atendimento que abre às 7h, contrariando ordens médicas de repouso absoluto e a mãe de um bebê de nove meses que ainda não recebeu o auxílio-maternidade e está com as contas atrasadas são apenas alguns deles. 

Outros exemplos chegam pelas redes, como o da aposentada que teve seu benefício por invalidez retirado, mesmo após passar por várias cirurgias para conter o câncer. A moça havia conseguido um emprego leve para complementar a renda escassa e foi avisada de sua ‘desaposentadoria’ sem qualquer perícia, pouco antes de nova operação. 

Segundo o relato de uma amiga comum, a doente está "toda recortada no peito, com os braços inchadíssimos e amarrados a umas talas horrendas, que travam os movimentos". Obviamente pediu exame de perícia. O que não foi óbvio foi o parecer da perita, que rejeitou a queixa porque, "com a ponta dos dedos esquerdos dava muito bem para ela digitar"! 

Enquanto nós, brasileiros de segunda classe, integrantes do setor privado da Previdência, sofremos os efeitos de um sistema quebrado, entregue a ‘barnabés’ despreparados, a elite continua esperneando para entregar os anéis, incapaz de entender que a conta de anos de corrupção e assalto aos cofres públicos precisa ser paga por todos. 

Da previdência dos militares, não se fala mais, as negociações se darão no Congresso, sem que a opinião dos escravos modernos que sustentam a pirâmide seja levada em consideração. 

No site da VEJA leio que nova emenda garante a aposentadoria dos atuais parlamentares, e penso que essa iniciativa, além de imoral, é uma traição a seus eleitores. É revoltante que legislem em causa própria, não é para isso que estão no Congresso. 

Economizar em todas as frentes deveria ser a meta principal de políticos privilegiados, que se acham no direito de exaurir em seu favor recursos destinados a servir a todos. Longe disso. Notícias recentes mostram que, para nossas classes dominantes, é mais importante garantir a própria lagosta e vinho do que o feijão com arroz no prato dos mais pobres. 

Temos a elite que merecemos, porque é nosso o voto que a mantém encastelada – e são os que elegemos que chancelam indicações espúrias para as mais altas cortes do Judiciário, em uma troca de favores infindável. E nossa é a apatia que nos impede de lutar para mudar o que não suportamos mais viver. É preciso gritar, exigir retorno em serviços públicos para os impostos pagos a duras penas. 

A hora é agora, porque se hoje sou eu a enfrentar a aposentadoria injusta que alguém decidiu por mim, amanhã será você, e depois seus filhos. A idade chega para todos, a segurança para conviver com a velhice, não. Até quando? 

* BEATRIZ RAMOS




















-Cronista; e
Publicitária 
Trabalha com mídias sociais 

NOTA DO EDITOR :

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

2 comentários:

  1. Em outros lugares envelhecer é uma dádiva e muito aguardado. No Brasil a insegurança e incerteza nos leva a ter medo de envelhecer e padecer nesse lugar

    ResponderExcluir
  2. Olá Beatriz,

    Eu com 71 anos estou também nessa classe. Sujeita a perder a aposentadoria e a que tenho não dá para os remédios e plano de saúde. Tenho muitas sindromes e dores, mas se você falar nisso, até seus amigos saem de perto de você. Quando o curriculo é aprovado numa seleção e vamos para a entrevista, os próprios triadores, jovens, nos desclassificam, em prol de um jovem sem experiência, porém jovem, e com diploma de doutor. A sociedade é injusta com os idoso em todos os sentidos, inclusive os prestadores de serviços que vem a nossa casa e cobram o olho da cara para arrumar um vazamento. Os remédios só aumentando e os médicos só pedindo exames. As perícias que faço nem olham para nossa cara.
    Enfim... Qual motivo para um idoso sorrir?
    Você nem vê mais idosos nos eventos. Nem são mais convidados para as festas.
    Enfim.

    ResponderExcluir