terça-feira, 2 de julho de 2019

Um Júri Folclórico


Autor: José Luiz Taliberti(*)

Na década de 50 do século passado, aconteceu em Natal, RN, um júri que julgava um crime bárbaro ocorrido naquela cidade.

Um cidadão de bem do local, ao descobrir a traição de sua mulher com uma pessoa local, simplesmente, munido de uma arma de fogo descarregou todas as suas balas em sua mulher e, ainda em fúria, tomou o seu veículo e atropelou-a por duas ou três vezes, sem qualquer cerimônia.

Ato contínuo dirigiu-se à delegacia e se entregou dizendo-se terrificado com o crime cometido. Por relevante observar que referido cidadão tinha um passado exemplar.

Tinha uma vida simples, pacata e nunca havia sido processado, cível ou criminalmente, dono de um pequeno comércio, com filhos exemplarmente educados.

O inquérito policial transcorreu normalmente, com toda a diligência possível, com o cidadão e testemunhas depondo de forma a deixar qualquer dúvida sobre o crime cometido de forma tão cruel e horripilante.

O indiciado transformou-se em réu e foi a júri.

O advogado por ele indicado para a sua defesa era um causídico que residia na cidade há muito tempo mas não era nascido nela.

Ele era natural de uma cidade do interior de Pernambuco mas que havia mudado para Natal ainda nos tempos de sua juventude.

Em Natal veio a estudar e lá mesmo havia se formado em direito, advogado por muitos anos de forma simples mas puramente escorreita, tendo criado seu nome em v torno de um cidadão respeitável, além de um causídico honesto e confiável por sua retidão.

Iniciado o júri e tendo transcorridos os trabalhos com a oitiva de várias testemunhas e depoimento pessoal do acusado, não restava qualquer dúvida sobre sua condenação, ainda que seu passado o revelasse a boa pessoa e cidadão que sempre havia sido.

Na sequência, lá pelas tantas da noite, em sua tréplica final o advogado tomou da palavra e passou a fazer a sua última peroração, acrescentando:

-------Os senhores do júri haverão de compreender a razão pela qual este réu deve ser inocentado;

------- Todos os senhores do júri sabem que eu não nasci nesta magnífica cidade de Natal;

------- Ao senhores sabem que nasci nos grotões de Pernambuco e, ainda em tenra idade para cá me mudei;

-------- Aqui fiz meu curso ginasial, colegial e cursei a portentosa faculdade de Direito daqui, me formando com louvor;

-------- Fiz desta cidade a minha cidade natal, na qual me casei, tive meus filhos e meus netos;

-------- Entretanto, caso este réu seja condenado, amanhã cedinho eu tomo da minha charrete e, com minha mulher, meus filhos e meus netos, sumo daqui e parto para qualquer outro lugar, uma vez que

EM TERRA DE CORNO EU NÃO VIVO NÃO !!!!

Resultado da votação do júri depois de 10 minutos de seus componentes terem se retirado para a decisão, por total unanimidade:

INOCENTE !!!!!!!

Observem, senhores, que este fato verídico ocorreu na década de 50 do século passado, quando a traição de uma mulher era raríssima e altamente condenável.

O homem tinha o direito de ter várias amantes e nada lhe era cobrado ou imputado.

Por vezes, o sinal de falta de amantes era visto de forma oblíqua pela sociedade machista e até mesmo pela mulheres da cidade.

Amante era sinal de fortaleza, firmeza e capacidade masculina que, por muitas vezes sustentavam dois ou mais lares.

Filhos bastardos eram comuns. Investigações de paternidade abundavam, mas tão somente depois da morte do indigitado e suposto pai.

Quem diria, nos tempos atuais, narrar esta história em um centro feminista. Linchamento do narrador.

JOSÉ LUIZ TALIBERTI

- Bacharel pela Faculdade de Direito da USP(1974);

-Foi membro ativo perante a Ordem dos Advogados de São Paulo, atuando por diversos anos nas comissões de estágio e exame de ordem e na de prerrogativas; 
-Foi Diretor jurídico e de Recursos Humanos do Jockey Clube de São Paulo e
-Atua principalmente nas áreas de direito de família, cível, empresarial e imobiliário.

Nota do Editor:

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