sábado, 28 de setembro de 2019

Fazer para Aprender ou Aprender para Fazer?


Autor: Luiz Eduardo Corrêa Lima(*)


Sobre a Educação, Aristóteles disse que: "é fazendo que se aprende a fazer aquilo que se deve aprender a fazer" (Gutiérrez & Salgado, 2008). Embora, em certo sentido, isso seja uma verdade, obviamente, eu tenho que concordar com a afirmativa. Entretanto, eu não acredito que aquilo que se quer efetivamente seja apenas fazer aquilo que se deve aprender a fazer.

Na verdade, eu penso que o ser humano quer e precisa aprender a fazer muito mais em benefício da humanidade e de si mesmo, do que apenas fazer aquilo que se deve aprender a fazer. Acredito que existam coisas que, embora não se queira ou não se precise primariamente aprender, acabam sendo fundamentais a própria existência humana, por isso acho pouco fazer apenas o que se deve, até porque foi fazendo coisas não devidas, porém significantes, que se acabou descobrindo várias outras coisas, que se tornaram importantes e que se mostraram necessárias posteriormente.

Por outro lado, quando John Dewey disse que: "sendo a educação o resultado de uma interação, através da experiência, do organismo com o meio ambiente, a direção da atividade educativa é intrínseca ao próprio processo da atividade. Não pode haver atividade educativa, sem direção, sem governo, sem controle. Do contrário, a atividade não será educativa, mas caprichosa ou automática (Dewey, 1978). Tenho a impressão de que esta é uma ideia muito mais real e verdadeira da educação, pois indica um direcionamento, mas não o considera esse mesmo direcionamento como um fim, até porque, eu entendo que a educação não tem um fim em si mesma.

Assim, meu pensamento vai mais de encontro ao de Dewey, pois entendo que a educação tem que ter uma diretriz e não pode ser mera ocorrência fortuita que leva a uma prática na expectativa de um resultado pré-estabelecido e essa diretriz, pode mesmo, se superar e ultrapassar quaisquer dos limites pensados. A Educação é um mundo novo e as possibilidades nesse mundo novo são ilimitadas. Obviamente, que as expectativas têm que ter um ponto de partida, entretanto não precisam absolutamente de um ponto definido de chegada. 

Deste modo, o resultado deve ser uma grande interrogação, que só se descobre após a conclusão, ou melhor, quando se alcança um resultado, se é que realmente se alcança. Porém, quando se alcança, certamente aquele não deve ser o único resultado possível, embora esse resultado possa até satisfazer a nossa necessidade como sendo um resultado esperado, mas certamente ele abre caminho para novas tarefas e oportunidades.

Em outras palavras, eu quero dizer que de tudo que se espera e que se atinge um objetivo, sempre pode se esperar e se obter mais objetivos e cada vez mais diversificados, que também podem suprir aquelas necessidades iniciais e outras anteriormente não pensadas.

O limite somos nós que estabelecemos, mas na verdade, não existe limite. Nossa visão caolha (limitada) nos permite ir até um determinado momento e vislumbrar apenas parte do todo, porque vivemos apenas preocupados com o presente e com as soluções a curto prazo, mas a vida continua e lá na frente, alguém se aproveita do nosso roteiro para criar e fazer um caminho diferente. Assim ocorrem as descobertas e assim caminham as ciências, pari passu com as necessidades próximas. Raramente acontecem saltos significativos e quando acontecem eles são obviamente surpreendentes e produzem as grandes reformas no pensamento humano.

Popper nos afirma no seu trabalho clássico "a lógica do pensamento científico", que esse tipo de pensamento, além de ter que ser testado, tem que ser necessariamente paulatino e gradual (Popper, 2013). Se isso é verdadeiro, então algumas das atividades e ocorrências grandiosas da ciência acabam não sendo científicas, até porque, seus resultados não são esperados, sendo apenas situações ocasionais e não são consequências efetivas do método científico. 

Isso quase contraria radicalmente a ruptura epistemológica de Bachelard, porque o resultado inesperado é quase um atributo não científico, pois embora tenha sido conduzido pelo método científico, resultou numa condição anômala e inesperada para o cientista e para a ciência como um todo (Bachelard,2008). Se pararmos para avaliar as grandes descobertas da humanidade, feliz ou infelizmente, teremos que atribuir valores metafísicos (sobrenaturais) para quase todas elas, porque muitas delas não são explicadas dentro do método científico. 

Por outro lado, a educação não tem e nem deve ser científica, ao menos a priori, porque a educação é uma necessidade social próxima, mais relacionada a convivência comum entre os seres humanos. 

Enquanto a ciência é uma atividade obrigatoriamente formal a educação não precisa ser, pois ela resulta apenas do convívio e da vivência entre as pessoas. Embora haja uma formalidade no processo educacional convencional, a escola, também há uma informalidade no processo educacional, vida. Mas, em ambas situações, se aprende e se educa. Porém, na ciência, só se aprende pesquisando, conduzindo, dirigindo o pensamento e perseguindo um objetivo e, por isso mesmo, é que o ato mirabolante não pode ser considerado científico, pois ele é uma aberração na ciência.

Na educação, as respostas inesperadas são inúmeras e muito mais comuns, porque essas respostas quase nunca seguem um modelo metodológico proposto ou um princípio organizacional previamente definido e tampouco podem ser previstas por esse modelo.

Desta maneira, quero entender que quando alguém fala em aprender fazendo, só pode estar falando em experiências pessoais e não em conhecimento humano generalizado. Obviamente, algumas dessas experiências pessoais efetivamente podem ser transformadas em conhecimento humano abrangente e generalizado, mas certamente a maioria delas é perdida, porque não há, nem a curto e principalmente a longo prazo, processo de tentativa de esclarecimento sobre elas, por parte de quem tentou e conseguiu obter aqueles resultados obtidos através dessas respectivas experiências. 

Aqui cabe uma outra consideração que reputo como muito importante: a educação é processo que se atribui ao indivíduo ou a comunidade?

Se for considerado o indivíduo apenas, o aprendizado individual pode ser um qualificativo interessante para soluções localizadas. 

No entanto, esse aprendizado só terá valor agregado se puder ser cumulativo e se distribuir dentro da comunidade. Isto é, se gerar cultura. Assim, eu quero entender e parto do suposto que o ato educacional pode ser individual, mas o ganho cultural oriundo desse ato deve ser coletivo, do contrário não se traduz num padrão educacional. Mas, é claro que estou ciente que esse é um assunto bastante controverso e que essa é uma questão que talvez precisasse ser mais discutida, entretanto, aqui não é o local e nem é o momento para tal discussão.

Como eu já disse acima, considero que a educação é um processo que pode ser consagrado, assumido e repetido comunitariamente ao longo do tempo, gerando cultura e assim pode se modificar em outros interesses por sobreposição, ou mesmo ser superado e consequentemente abandonado. Ao contrário da ciência, não há regras rígidas efetivas de procedimento e muito menos de continuidade lógica na educação, há apenas uma aglutinação de conhecimentos, que passam a gerar novos conhecimentos, alguns confluentes com o interesse primário e outros discordantes.

Desta maneira, a lógica Aristotélica para a educação, não é assim "tão lógica", ou melhor, a lógica aristotélica não se enquadra (não se aplica) ao contexto educacional, pois o contexto trata, algumas vezes, com questões em que não se pode considerar uma atividade efetivamente lógica, pois não existe lógica sem explicação metodológica plausível. Mas, certamente, pode existir educação sem metodologia específica, porque o aprendizado se faz de várias maneiras.

A educação, em certo sentido, contraria Aristóteles e sua lógica, assim como os "saltos científicos", porque ambos são ilógicos e inesperados, acontecendo muitas vezes por obra do acaso. Entretanto, por outro lado, a educação é corroborada claramente com o pensamento de Dewey, quando o autor deixa claro que a educação necessita de uma orientação básica que justifique sua existência, mas não que descreva o seu procedimento e muito menos que explique o seu resultado.

Em suma, é por conta disso que eu acredito que não se pode pensar em fazer sem entender, porque só é possível fazer sem entender aquilo que não se pensa, ou melhor, que não se pretende trabalhar de forma lógica e cognitiva (Lima,2016). Em outras palavras, se não existe um plano sequencial, não há um resultado formal encontrado e assim na verdade, "não se aprende" (não se entende) aquilo que se está realizando. 

Além do mais, admitindo que isso fosse possível, dependendo de quem fosse o autor dessa façanha, ela também, muitas vezes, não poderia ser explicada, porque o nível de esclarecimento (conhecimento) do autor não permitiria descrever o processo desenvolvido, até porque não houve uma metodologia pré-definida. Desta maneira, o próprio processo não teria como ser descrito, porque ele não seria (não é, não foi e não será) desenvolvido de maneira lógica e convencional, isto é, de uma maneira metodológica.

Os seguidores da crença do aprender fazendo pecam, a meu ver, principalmente, quando fazem desse pensamento um modelo educacional, porque esse argumento não se sustenta e nem tem condições reais de se apresentar como algo que manifeste aprendizado ou um conhecimento sistematizado. Na verdade, isso está mais para um empirismo, uma tentativa e erro, sem nenhum critério estabelecido anteriormente que possa projetar qualquer possibilidade real de resultado. 

As escolhas, assim como o resultado acabam sendo fortuitas e acontecem sem nenhum plano e a educação, neste caso, assim como a ciência, necessita de planos formais que a demonstre como uma atividade cognitiva e metodológica dos diferentes grupos sociais humanos. Na verdade, antes do fazer propriamente é preciso querer fazer ideologicamente e essa condição requer alguma reflexão e algum conhecimento básico do assunto, ou mesmo uma simples experiência anterior, porque é impossível se criar algo a partir do nada.

A educação, de certa forma, sempre existiu, mas a ciência só começa a existir, de fato, quando a humanidade é capaz de justificar o porquê daquilo que faz. Assim, a formalidade da educação está na condição da estrutura social e familiar das comunidades humanas nos clãs, vilas, núcleos urbanos e cidades e a formalidade da ciência está na observação e na experimentação clara e objetiva das questões que podem ser propostas e dos mecanismos programáveis que determinam os seus respectivos desenvolvimentos. 

Aprender a fazer o que precisa é uma necessidade momentânea que a prática empírica leva a buscar, mas a educação é um devaneio, uma utopia, que não busca nada diretamente, apenas aprender. É óbvio que nada impede que o aprendizado inicial possa estar ligado às necessidades, entretanto a posteriori, essa ligação inexiste e as consequências do conhecimento adquirido são imensuráveis. Por outro lado, se aquela experiência, mesmo individual, que foi aprendida tem valor de significância para a comunidade, certamente ela será repetida e progressivamente melhorada.

Em suma, quero concluir afirmando que não consigo encontrar nenhuma base teórica para se falar em aprender fazendo, porque aprender (adquirir conhecimento) é uma atividade que necessita obrigatoriamente de uma ação cognitiva, que só é possível dentro de padrões sensitivos, que são manifestados exclusivamente de maneira educacional, através do aprendizado. 

O fazer por fazer não leva a aprendizado, quando muito leva a resolução de situações pessoais pontuadas, que não refletem conhecimento verdadeiro, porque são isentas de sensibilidade, de argumentação e principalmente de justificativas que lhes sustentem e de resultados que lhes traduzam como significantes. 

Desta maneira, eu insisto e me manter cético ao "aprender fazendo", ainda que não possa contrariar totalmente a ideia de Aristóteles e de seus atuais seguidores. Assim, até para tentar me aproximar mais do pensamento aristotélico, eu prefiro achar que ele tenha dito que: "é aprendendo que se faz aquilo que se deve aprender a fazer".

Referências

BACHELARD, G., 2008. A Formação do Espírito Científico, Contraponto, Rio de Janeiro;

DEWEY, J. 2002. Educação e Democracia, Cortez, São Paulo;

GUTIÉRREZ, J.M.G. & SALGADO, M.O., 2008. Lógica Aristotélica, Dykinson, Madrid;

LIMA, L.E.C., 2016. Aprender Fazendo: uma Premissa Perigosa, www.profluizeduardo.com.br, 17/09/2016 e

POPPER, K. 2013. A Lógica da Pesquisa Científica, Cultrix, São Paulo.

*LUIZ EDUARDO CORRÊA LIMA

-Biólogo, Professor, Pesquisador, Escritor e Ambientalista e
-Presidente da Academia Caçapavense de Letras (ACL)
-Professor Titular de Biologia  UNFATEA/Lorena/SP;
-Monitor de Educação Profissional – SENAC Guaratinguetá/SP e
-Professor de Biologia do Ensino Médio – DAMASCO/Caçapava/SP.



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