terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Cuidados Jurídicos nas Primeiras Fases de Desenvolvimento das Startups




O Brasil entrou na rota da inovação e consolida-se cada vez mais como um país com grande potencial de desenvolvimento de empresas inovadoras. A cada dia surgem mais empresas voltadas para a inovação e tecnologia. Em quatro anos, de 2015 até 2019, o número de Startups passou de 4.151 para 12.727 segundo censo realizado pela Associação Brasileira de Startups (ABStartups). Desse total, nove são "unicórnios" (empresas avaliadas em mais de US$ 1 bilhão)[1].

O que diferencia uma Startup de uma empresa Tradicional? A primeira definição de Startup na legislação brasileira advém da Lei complementar 167, de 24 de abril de 2019, a qual dispõe sobre a Empresa Simples de Crédito (ESC) e entre outras alterações, também incluiu artigos na lei do Simples Nacional e institui o Inova Simples em seu artigo 65-A, Lei complementar 167[2]:

“Art. 65-A. É criado o Inova Simples, regime especial simplificado que concede às iniciativas empresariais de caráter incremental ou disruptivo que se autodeclarem como startups ou empresas de inovação tratamento diferenciado com vistas a estimular sua criação, formalização, desenvolvimento e consolidação como agentes indutores de avanços tecnológicos e da geração de emprego e renda.
§ 1º Para os fins desta Lei Complementar, considera-se startup a empresa de caráter inovador que visa a aperfeiçoar sistemas, métodos ou modelos de negócio, de produção, de serviços ou de produtos, os quais, quando já existentes, caracterizam startups de natureza incremental, ou, quando relacionados à criação de algo totalmente novo, caracterizam startups de natureza disruptiva.
§ 2º As startups caracterizam-se por desenvolver suas inovações em condições de incerteza que requerem experimentos e validações constantes, inclusive mediante comercialização experimental provisória, antes de procederem à comercialização plena e à obtenção de receita.

RIES (2011, p. 26)[3], autor do Best-Seller A Startup Enxuta, por sua vez, conceitua Startups como:

"Uma instituição humana designada a entregar um novo produto ou serviço sobre condições de extrema incerteza."

Assim, voltando à resposta da pergunta anterior, o que diferencia uma Startup de uma Empresa Tradicional é a capacidade de crescer de forma escalável em um ambiente de grandes incertezas. Enquanto em uma empresa tradicional, há uma aproximação entre o crescimento das receitas e das despesas, em uma Startup, o crescimento da receita pode aumentar em ritmo exponencial em poucos anos, sem que as despesas cresçam no mesmo ritmo.

Dessa forma, o grande diferencial dessas novas empresas/projetos também é apresentar algumas características comuns, tais como, inovação, empreendedorismo, validação de um modelo de negócios, potencial de crescimento, ambiente de incertezas e risco.

Quais são os principais cuidados que os fundadores de uma Startup devem ter no início do negócio?
De forma didática, os estágios de crescimento de uma Startup são separados em 4 (quatro) fases:



Se considera Startups as duas primeiras fases e quando a Startup entra na fase de Negócios/Tração ela é chamada de Scale Up (conhecida como as duas últimas fases na qual a Startup possui rápido e grande crescimento)

a)   FASE de IDEAÇÃO: Na primeira fase, quando os fundadores ainda estão analisando hipóteses, buscando soluções e dando os primeiros passos para desenvolver o modelo de negócios da futura empresa, os cuidados jurídicos são menores. Nessa fase, a principal preocupação é com os fundadores/futuros sócios.

Nessa fase é comum que algum dos fundadores saia do projeto tendo em vista que o negócio ainda é uma ideia a ser desenvolvida e provavelmente não há recursos a serem distribuídos entres futuros sócios.

Nessa fase, a saída de um fundador pode gerar um conflito irremediável e acabar com o negócio antes mesmo dele se tornar realidade.

Quais sãos os principais cuidados nessa fase? O principal cuidado nessa fase é com os próprios fundadores. Uma forma de evitar ou ao menos reduzir conflitos é através da assinatura de um contrato de intenções entre os fundadores antes mesmo de constituírem a empresa. Esse documento chama-se Memorando de Entendimentos.

O que é isso? É um contrato assinado entre os empreendedores com as características do futuro negócio, direitos e obrigações e um esboço dos objetivos da empresa. Ou seja, o Memorando de Entendimentos é uma primeira fase, pré-formação da Startup, na qual as partes decidem como serão tomadas as decisões até a formalização do negócio. Nesse documento também é importante estabelecer os percentuais que cada fundador terá quando a Startup for formalizada e será utilizado como base para no futuro ser assinado o Acordo de Cotistas.

O que deve constar no Memorando de Entendimentos?
  • Definição do percentual de cada fundador
  • Papel de cada fundador/tarefas
  • Remuneração
  • Propriedade Intelectual
  • Confidencialidade
  • Eventual saída de um fundador
  • Resolução de conflitos

Assim, é fundamental estabelecer regras claras desde o início para evitar conflitos e dúvidas no futuro.

b)      FASE de VALIDAÇÃO

Na segunda fase da Startup surgem novos desafios, tais como tirar o negócio do papel e ir para o mercado.
Essa fase é uma das mais importantes, pois a validação significa desenvolver um Produto Mínimo Viável (MVP) e ir para o mercado obter respostas tais como: O meu produto faz sentido? O mercado quer o meu produto? Dessa forma, o desafio é testar o produto e conquistar os primeiros clientes.

Quais são os principais cuidados jurídicos nessa fase? Pode-se dividir em dois: 

I.       SOCIEDADE

Normalmente a Startup inicia suas atividades no CPF de um dos fundadores até que surge o momento de formalizar a atividade.  Em geral, nas fases iniciais, as startups iniciam suas atividades na informalidade até efetivamente serem constituídas formalmente como empresas. É comum que na segunda fase que os fundadores precisem criar um CNPJ. Dessa forma, à medida que ocorre a validação do negócio e surgem os primeiros clientes, chegará o momento de emitir as primeiras notas fiscais e com isso, a necessidade de análise do momento adequado para a formalização.

Aí surge a dúvida: Qual é o tipo societário mais adequado para formalizar a Startup? Em geral, a Sociedade Limitada é o tipo empresarial mais indicado. A lei da liberdade econômica (Lei número 13.874, de 20 de setembro de 2019) trouxe a possibilidade da criação da Limitada Unipessoal. Assim, mesmo que a Startup seja constituída por apenas um fundador, também poderá ser uma limitada. Após a Startup receber investimentos e os investidores ingressarem no quadro social, ela será transformada em uma Sociedade Anônima.

Nesse momento também surgem os primeiros cuidados com a propriedade intelectual, através do registro da marca no INPI. Além disso, é importante que os arranjos contratuais prevejam a cessão dos direitos autorais para a empresa, seja dos sócios ou da equipe.

II.            EQUIPE

a)    Formação da Equipe:

Com relação à equipe surgem diversos cuidados que devem ser analisados. Principalmente no que se refere à formação da equipe.
É comum que no início a Startup não tenha recursos para a contratação de funcionários, como por exemplo, um desenvolvedor. Surge aí a utilização do Contrato de Vesting que nada mais do que oferecer um percentual da empresa para atrair um sócio que é fundamental para o desenvolvimento do negócio. O Vesting está sendo amplamente utilizado no ecossistema, mas inspira muitos cuidados, principalmente nas esferas trabalhista e tributária.

b)    Cuidados trabalhistas:

Caso a Startup opte por contratar um prestador de serviços PJ é fundamental cuidar para não haver uma relação de emprego disfarçada. Ou seja, o prestador de serviços não pode ser tratado como um verdadeiro funcionário nos termos do artigo 3º, da CLT, tendo Subordinação, Pessoalidade e Habitualidade.

c)    Acordo de cotistas

Com relação aos sócios, é nesse momento que surge a necessidade de aproveitarem o Memorando de Entendimentos e transformá-lo no Acordo de Cotistas.

CONCLUSÃO

Por fim, é importante salientar que ao longo de sua trajetória, a Startup irá enfrentar diversos desafios. Nas fases seguintes será necessário criar contratos para atender os clientes, além de termos de uso e políticas de privacidade. Além disso, nas fases seguintes (Negócio e Escala) surgem rodadas de investimentos profissionais, tais como Fundos e Equity Crowdfunding, necessitando assim, de maior atenção das questões jurídicas pelos sócios.

Ocorre que muitas vezes os sócios focam apenas no crescimento da empresa, na captação de clientes, no aumento das vendas e relegam as questões jurídicas para segundo plano. Alguns cuidados básicos podem fazer toda a diferença, principalmente com relação aos sócios, aos aspectos trabalhistas e tributários.





REFERÊNCIAS

[1] https://economia.uol.com.br/empreendedorismo/noticias/redacao/2019/10/08/crescimento-numero-startups-pais-unicornios.htm
[2] BRASIL. Lei complementar 167 de 24 de abril de 2019.
[3] RIES, Eric. A Startup Enxuta. Leya Editora, São Paulo, 2011, p. 26.

*ALEXANDRE CAPUTO

 Advogado, sócio do escritório Caputo Assessoria Jurídica com sede em Porto Alegre-RS, pós-graduado em Contratos, Direito Imobiliário e Responsabilidade Civil pela PUCRS, pós-graduado em Direito Público pelo IDC; pós-graduando em Direito Societário pelo EBRADI. Head de Projetos na Associação Gaúcha de Startups; Membro da Comissão de Direito da Tecnologia e Inovação da OABRS. Atua na área empresarial com ênfase em Startups, Contratos e Societário. Palestrante em direito, tecnologia e inovação, também participa de programas de mentoria para Startups (ajuda empreendedores a aperfeiçoar seus modelos de negócios e desenvolver suas habilidades). www.caputoadvogados.com.br



Nota do Editor:

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