quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

O Inadimplemento Substancial Antecipado na Entrega de Imóveis


Autora: Laísa Brito(*)


A inadimplência contratual, ou seja, o descumprimento do contrato, por alguma das partes é um motivo que permite o desfazimento do contrato e o retorno ao status quo ante, o estado anterior à celebração do contrato. 

No caso específico de inadimplemento de construtoras na entrega de imóveis que foram comprados na planta, uma das consequências da rescisão contratual, por culpa do fornecedor, é a devolução pela construtora dos valores que foram pagos ao consumidor adquirente.

Conforme já afirmado pelo STJ na SÚMULA 543:

"Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento."(Súmula 543/STJ, Segunda Seção, DJe 31/08/2015) 
Ocorre que o consumidor não precisa sempre esperar o vencimento do prazo de entrega do imóvel, posto que o atraso exacerbado no andamento da construção, de tal modo que se pode prever a impossibilidade de cumprimento do prazo estipulado em contrato, configura-se inadimplemento por parte da construtora. É o chamado inadimplemento substancial antecipado.

Ou seja, quando já é possível prever de forma clara a inadimplência, torna-se possível a resolução do contrato por culpa da construtora. Portanto, trata-se de uma causa de resolução antes da exigibilidade da entrega do imóvel, posto que o descumprimento já é assumido como real. Assim, o consumidor não precisa delongar os prejuízos que sofre pelo atraso na obra até o vencimento do prazo. 

O inadimplemento substancial antecipado tem suas bases no Parágrafo único do Art. 395 do Código Civil, conforme será explicado posteriormente, e já é reconhecido pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e por Tribunais Estaduais. Vide: 

"RECURSO ESPECIAL Nº 1.294.101 - RJ (2011/0229036-1) RELATOR : MINISTRO RAUL ARAÚJO RECORRENTE : GAFISA S/A ADVOGADO : DAURO FRANCISCO VILLELA SCHETTINO E OUTRO(S) RECORRIDO : GEORGE SOARES SOLON DE PONTES E OUTRO ADVOGADO : RENATA CUNHA PINTO E OUTRO(S) EMENTA RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. CÓDIGO CIVIL DE 2002, ART. 421. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 282 E 356 DO STF. CÓDIGO CIVIL DE 2002, ART. 395. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO.
1. A regra do art. 395 do CC/2002 responsabiliza o devedor em mora e possibilita ao credor rejeitar a prestação que, devido à mora, tornou-se para si inútil, exigindo indenização. Na hipótese, a inutilidade da prestação consulta o interesse do credor, levando em conta elementos objetivos, relacionados às normas contratuais e à natureza da prestação, e elementos subjetivos, relativos à necessidade do credor e sua legítima expectativa. 
2. Em decorrência da mora, tem-se, na espécie, o inadimplemento substancial. O v. acórdão recorrido fez a correta subsunção da norma inserta no art. 395, parágrafo único, do CC/2002 ao caso, entendendo que a mora ensejou o desfazimento do negócio, caracterizando inadimplemento definitivo, pois considerou que o objeto do contrato tornou-se inútil aos recorridos. 
3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido. "



Ainda, em referência à citada decisão (REsp 1.294.101/RJ), o e. Ministro Raul Araújo, relator do recurso, explica: 

"Apesar de a demanda ter sido promovida antes do escoamento do prazo fatal para conclusão da empreitada, incide a teoria do inadimplemento antecipado, visto ser incontroverso o atraso das obras, que o apelante anuiu ao imputá-lo a casos fortuitos, sem comprova-los, contudo. O documento juntado em grau recursal, em 27 de outubro de 2010, só vem corroborar o retardo da construção, pois demonstra que se findou 1 ano após a data limite para o seu término, estando pendente do 'habite-se'. Com efeito, quando as partes fixam o momento para o cumprimento das prestações, mas as condutas praticadas por uma delas revelam que não será adimplente ao tempo convencionado, adianta-se o remédio resolutório como espécie de antecipação do inadimplemento, concedendo ao prejudicado a possibilidade imediata de desconstituição da relação, em vez de aguardar pelo desenlace avisado e sofrer prejuízo ainda mais amplos."
Portanto, a culpa exclusiva da construtora no atraso da obra autoriza o desfazimento do negócio jurídico, e torna indevida a retenção dos valores pagos pelos autores. 

Este também é o entendimento adotado pelo e. TJDFT: 

"APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL NA PLANTA OU EM CONSTRUÇÃO. PEDIDO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C DEVOLUÇÃO DE VALORES. ATRASO SUBSTANCIAL DA OBRA. SUSPENSÃO NO PAGAMENTO DAS PARCELAS PELO ADQUIRENTE. IRRELEVÂNCIA. INADIMPLEMENTO ANTECIPADO DO FORNECEDOR. CAUSA RESOLUTIVA DO NEGÓCIO JURÍDICO. RETORNO DAS PARTES AO STATUS QUO ANTE. RESTITUIÇÃO DE TODAS A QUANTIAS DESEMBOLSADAS. REEMBOLSO DA COMISSÃO DE CORRETAGEM A TÍTULO DE DANO EMERGENTE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 
1. A rescisão contratual antes do vencimento da prestação principal (entrega do imóvel) é direito que assiste ao consumidor, se no decorrer da execução de contrato de promessa de compra e venda, as circunstâncias indicarem a inviabilidade ou impossibilidade de cumprimento da obrigação contraída pela incorporadora. Aplicação da teoria do inadimplemento antecipado. 
2. A mora ou o inadimplemento na entrega do imóvel, é fato bastante e suficiente para fundamentar a resolução da promessa de compra e venda de imóvel pelo consumidor. 
3. Se a resolução da promessa de compra e venda do imóvel ocorre por culpa do incorporador, as partes devem ser restituídas ao status quo ante e a devolução dos valores desembolsados pelo adquirente deve ser integral (Súmula 543/STJ). 
4. Não se mostra cabível a retenção de qualquer percentual do montante desembolsado pelo promissário comprador, porquanto a multa é a prefixação das perdas e danos, imputável a quem der causa à resolução do contrato. Seria um contrassenso admitir sua exigência pelo incorporador, cuja culpa é razão da resolução do negócio jurídico. 
5. Diante da rescisão do contrato por culpa exclusiva da promitente vendedora, o reembolso dos valores pagos a título comissão de corretagem e parcelas do financiamento compreende a reparação dos danos emergentes, consequência lógica do retorno das partes ao status quo ante. 
6. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 
(Acórdão n.1071676, 20160710100783APC, Relator: LUÍS GUSTAVO B. DE OLIVEIRA 4ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 31/01/2018, Publicado no DJE: 05/02/2018. Pág.: 436/438) "
No caso em comento, de atraso exacerbado na obra, o consumidor, via de regra, não busca a rescisão contratual simplesmente por desistência na aquisição do imóvel, mas pelos infortúnios causados em razão do inadimplemento da construtora, restando claro que a construtora é quem deu causa à rescisão. 

O art. 395 do Código de Processo Civil prevê com relação à mora: 
"Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado. 
Parágrafo único. Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos. "
Assim, a mora da construtora pode tornar inútil aos credores a satisfação da obrigação, pois, o consumidor pode não ter interesse em receber o imóvel com absurdo atraso, vez que o imóvel pode ter sido adquirido como um investimento, com o intuito de capitalizar sua verba, para citar apenas um exemplo. Portanto, o atraso nas obras causado pelo fornecedor fere a legítima expectativa dos consumidores de receber o imóvel no tempo previsto, e pode fulminar o interesse deles em receber o imóvel. 

Portanto, podem os consumidores que adquiriram imóveis na planta e que têm a construção com atraso exacerbante, requer a rescisão contratual por culpa exclusiva da construtora, pugnando pela imediata devolução de todas as parcelas pagas, corrigidas monetariamente a partir do desembolso de cada parcela e, ainda, a incidência de juros mensais, a partir da citação, e até o efetivo pagamento. 

Quanto à incidência da cláusula penal, o artigo 408 do Código Civil prevê: 

"Art. 408. Incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que, culposamente, deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora." 
Como já amplamente demonstrado, os fornecedores são devedores no caso em comento, posto que culposamente deixaram de cumprir sua obrigação contratual, incorrendo, portanto, na cláusula penal. Ressalta-se, ainda, que a cláusula penal independe da comprovação de prejuízo, conforme previsão do art. 416 do Código Civil. 

Portanto, caso haja previsão de cláusula penal por inadimplemento da construtora prevista no contrato, os consumidores podem requer a reversão da cláusula penal em desfavor dos fornecedores. 

Com relação a esta matéria, em decisão recente do STJ, em julgamento de Recursos Repetitivos, foi decidido pela possibilidade de inversão da cláusula penal em desfavor da construtora pelo inadimplemento, posto que abusiva a prática de estipulação de uma penalidade em desfavor do consumidor somente: 

"RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL NA PLANTA. ATRASO NA ENTREGA. NOVEL LEI N. 13.786/2018. CONTRATO FIRMADO ENTRE AS PARTES ANTERIORMENTE À SUA VIGÊNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. CONTRATO DE ADESÃO. OMISSÃO DE MULTA EM BENEFÍCIO DO ADERENTE. INADIMPLEMENTO DA INCORPORADORA. ARBITRAMENTO JUDICIAL DA INDENIZAÇÃO, TOMANDO-SE COMO PARÂMETRO OBJETIVO A MULTA ESTIPULADA EM PROVEITO DE APENAS UMA DAS PARTES, PARA MANUTENÇÃO DO EQUILÍBRIO CONTRATUAL. 
1. A tese a ser firmada, para efeito do art. 1.036 do CPC/2015, é a seguinte: No contrato de adesão firmado entre o comprador e a construtora/incorporadora, havendo previsão de cláusula penal apenas para o inadimplemento do adquirente, deverá ela ser considerada para a fixação da indenização pelo inadimplemento do vendedor. As obrigações heterogêneas (obrigações de fazer e de dar) serão convertidas em dinheiro, por arbitramento judicial. 
2. No caso concreto, recurso especial parcialmente provido. "

Portanto, caso haja atraso exacerbado no andamento das construções de imóveis que foram adquiridos na planta, os consumidores não precisam sofrer os prejuízos até o fim do prazo contratual para a entrega do imóvel, podendo requerer em juízo a rescisão contratual com base no inadimplemento substancial antecipado.

*LAÍSA BRITO DE SOUSA

-Formada em Direito pelo UniCeub;
-Pós-Graduanda pelo Instituto de Direito Público - IDP em
 -Advocacia Empresarial,
-Contratos, 
-Responsabilidade Civil  
-Com experiência nas questões afetas à Vara Cível, de Família e Órfãos e Sucessões; 
-É sócia no Escritório Henrique de Sousa & Advogados.
Contato pelo telefone: (61) 99982-7343

Nota do Editor:

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