domingo, 12 de janeiro de 2020

“Ou isto ou aquilo”




Autora: Ana Flávia Santos(*)


Cecilia Meireles escreveu poeticamente sobre isso. Em seu texto "Ou isto ou aquilo", discorre sobre o par de opostos, que inclui a difícil tarefa de escolher, posto que "É uma grande pena que não se possa estar ao mesmo tempo em dois lugares!". "Quem sobe nos ares não fica no chão , Quem fica no chão não sobe nos ares.". Ou isto ou aquilo. Escolher é também perder isto ou aquilo e até outras coisas mais...

Se, por um lado, subir nos ares não deixa ficar no chão, por outro, não significa que, quem quer subir, não queira também ter seus pés firmes nesse chão. Ainda que nos encontremos imersos em um modelo de pensamento binário que implica exclusão, ou isto ou aquilo, quando tratamos da mente humana, em particular nossos pensamentos, ideias, sentimentos e emoções, essa exclusão não dá conta do dinamismo do nosso funcionamento psíquico.

Da ordem da chamada ambivalência, compreende a presença concomitante daquilo que é contraditório e conflitante, isto E aquilo, que se encontram imbricados de modo indissociável. 

Pensemos, a título de ilustração, nos rituais de fim de ano. Quantas promessas firmadas, compromissos pessoais retificados e ratificados, que, muitas vezes não se sustentam no espaço e tempo do ano novo... Não que se não quisesse mudar; querer, até queria. Mas também não se queria, como um jogo de forças, um caldeirão fervente de emoções opostas e conflitantes. Isso porque, dentro do espaço interno, pode-se ocupar dois lugares, duas emoções opostas podem coabitar ao mesmo tempo.

É incomum se admitir que, se quero algo, também pode haver um movimento oposto e conflitante do não querer. Isso porque este, de certa forma, boicotaria o próprio desejo, o que, a princípio, não pareceria lá muito coerente. Mas cobrar coerência da mente seria exigir um funcionamento lógico ao qual, no fim das contas, o dinamismo psíquico não poderá atender. Inaugura-se, pois, o conflito psíquico, entre o discurso que é consciente e as motivações inconscientes. Afinal, nem tudo se passa no nível do que percebemos, nem tudo é apenas o que parece.

Abrigar e acolher o paradoxo e o contraditório pode ser uma forma de gestar e fazer algo novo nascer, posto que considera diferentes determinações e forças. Forças essas nem únicas nem excludentes, sempre presentes. Em dado momento, para algo acontecer - já diria as leis da Física -, uma precisa superar a outra, ser mais forte que a outra, e esta, que nem desaparece nem é englobada pela primeira, permanece como à espreita. Em outras palavras, por exemplo, o "querer algo" precisa superar o terror que esse mesmo algo desperta, tal qual o desejo da mudança e o terror que ela provoca. 

A ambivalência - ambas as valências/forças - querer/não querer, prazer/desprazer, bom/ruim, amor/ ódio - faz parte da vida e das relações humanas. Reconhecer ambas as forças opostas presentes pode ser um caminho potente no sentido de se evitar esperar uma atitude devotada em apenas uma direção para só então escolher, por exemplo; ou então de não se esperar um sentimento puro como apenas amor por alguém. 

E quão libertador pode ser reconhecer que, lado a lado, os pares de opostos coexistem, além de ser uma experiência mais integradora e mais real também. Afinal, seria por demais idealizado acreditar que algo, como um desejo, é uma ou outra coisa somente, isto ou aquilo; quem quer voar, também quer ter os pés no chão posto que, havendo a realidade, é preciso voltar. Ou então como bem apontou Kundera a respeito da vertigem. Associada comumente ao medo de cair, conteria, em si, também o desejo de cair, "contra o qual, aterrorizados, nos defendemos". Mas essa já é outra história...


 *ANA FLÁVIA DE OLIVEIRA SANTOS

-Psicóloga - CRP 06/90086 (FFCLRP-USP);
-Mestre em Ciências
–Área:Psicologia(FFCLRP-USP)e Especialista em Psicologia Clínica (CFP), Professora, Supervisora e Diretora de Ensino do Instituto de Estudos Psicanalíticos de Ribeirão Preto – IEPRP. 

Atende criança, adolescente e adulto. Consultório em Batatais e Ribeirão Preto – SP – tel.: 98812-5043.



Nota do Editor:


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