terça-feira, 24 de março de 2020

Cláusula de retenção em contratos Imobiliários e outras avenças





Nos tempos atuais com as facilidades para aquisição de imóveis através de inúmeras parcelas e com a negociação direta entre comprador e vendedor, muito tem se discutido sobre as questões legais envolvendo esse tipo de contrato e suas consequências.

Precisamos nos atentar a questões pontuais e que devem ser enfrentadas na análise preliminar dos contratos, as quais serão objeto de discussão em uma ação judicial.

Primeiro temos que a discussão da legalidade das cláusulas contratuais sempre será o norte no processo; a possibilidade de devolução em parcela única ou não; o percentual de retenção nos casos de atraso na entrega do imóvel, a rescisão por parte do comprador e por fim a responsabilidade das obrigações acessórias do imóvel, tais como IPTU, condomínio, associação, entre outras.

A questão consumerista que se coloca em pauta é que os contratos de compra e venda, seja ele de loteamentos ou imobiliários em geral, são típicos contratos de adesão, onde as cláusulas podem estar eivadas de abusividade, ilegalidade, colocando o adquirente em clara posição de desvantagem. Esse é o primeiro ponto a ser enfrentado e que costumeiramente são declaradas nulas pelos juízes e tribunais.

Após isso temos a discussão da forma de devolução dos valores pagos e os percentuais de retenção devidos, haja vista que não há nenhum julgamento repetitivo sobre tais questões e, portanto, aqueles são fixados livremente pelos juízes e tribunais de justiça de nossa federação.

Há alguns anos o STJ fixou Súmula nos seguintes termos:

"Súmula 543: Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador – integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento."

O mesmo entendimento foi fixado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo:

"Súmula 1: O Compromissário comprador de imóvel, mesmo inadimplente, pode pedir a rescisão do contrato e reaver as quantias pagas, admitida a compensação com gastos próprios de administração e propaganda feitos pelo compromissário vendedor, assim como com o valor que se arbitrar pelo tempo de ocupação do bem.
Súmula 2: A devolução das quantias pagas em contrato de compromisso de compra e venda de imóvel deve ser feita de uma só vez, não se sujeitando à forma de parcelamento prevista para a aquisição."

Portanto temos que a devolução deverá ser em parcela única e o percentual será fixado entre 10 a 25% de retenção devida. Lembrando que nas ações judiciais, os valores das parcelas serão corrigidos e atualizados a partir de cada desembolso.

Ressalte-se que de acordo com a nossa experiência a alegada despesa administrativa faz direta relação com as despesas de cartório, as notificações, e as despesas para adjudicação do imóvel e custas de leilão extrajudicial - o que será um tema à parte – frisando-se que enquanto estava adimplente o vendedor não teve ônus, e a partir da inadimplência começaram a correr os gastos administrativos deste.

Importante deixar consignado ainda que o comprador deverá notificar extrajudicialmente o vendedor  informando-o sobre a vontade de rescisão do contrato e devolução das parcelas.

Porém, o vendedor sempre se debaterá para a majoração da parcela de retenção em patamar máximo, isto é, 25%. Mas por que isso? Porque em alguns julgamentos o STJ mencionou tal percentual e a partir daí abriu uma brecha para essa discussão se arrastar até a Terceira Instância. Porém, a rotina nos faz crer que caso tenha sido fixado nas instâncias inferiores o STJ não revolve essa matéria fática, alegando a tão conhecida Sumula 7 do C. Tribunal, senão vejamos:

"COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. IMÓVEL. RESCISÃO DO NEGÓCIO. PLEITO INDENIZATÓRIO. CASO TÍPICO DE ARREPENDIMENTO DO ADQUIRENTE. ATO QUE CAUSA PREJUÍZO À CREDORA. PENA PARA O DESCUMPRIMENTO QUE DEVE SER FIXADA, PARA QUE NÃO IMPORTE EM INCENTIVO AO INADIMPLEMENTO.
DEVOLUÇÃO LIMITADA A 80% DOS VALORES ADIMPLIDOS. JUROS DE MORA.
TERMO INICIAL. TRÂNSITO EM JULGADO. TENDO O ADQUIRENTE DADO CAUSA AO DESFAZIMENTO DO NEGÓCIO, E POSTULANDO O RESSARCIMENTO DE VALORES DE MANEIRA DIVERSA DO QUE FORA CONVENCIONADO, É APENAS O TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO CONDENATÓRIA QUE TEM O CONDÃO DE CONSTITUIR, E LIQUIDAR, O CRÉDITO DE QUE SERÃO TITULARES. PRECEDENTES DO STJ.
FORMA DE PAGAMENTO DO VALOR A RESSARCIR. PARCELA ÚNICA. AINDA QUE SE POSSA COGITAR DA POSSIBILIDADE DE PARCELAMENTO DA RESTITUIÇÃO, OU DE SEU DIFERIMENTO NO TEMPO, RELATIVIZANDO INCLUSIVE A ORIENTAÇÃO FIRMADA PELA SÚMULA 2 DO TJSP, TAL ESTÁ A DEMANDAR PROVA ESPECÍFICA DA PARTE INTERESSADA ACERCA DA IMPOSSIBILIDADE DE EFETUAR O PAGAMENTO DE PRONTO, DE UMA SÓ VEZ. AUSÊNCIA, TODAVIA, DE PROVA EM TAL SENTIDO. DESPESAS 'PROPTER REM'. REPASSE EXPRESSAMENTE PREVISTO EM CONTRATO. DESCABIMENTO, POIS, DA PRETENSÃO AO SEU RESSARCIMENTO.
AÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. RECURSO DA RÉ PARCIALMENTE PROVIDO, IMPROVIDO O DO AUTOR.
O acórdão recorrido fixou em 20% o percentual de retenção das parcelas pagas pelo promitente comprador, em favor da recorrida, o que está em consonância com a jurisprudência do STJ, atraindo-se a incidência da Súmula 83/STJ quanto ao ponto.
Com efeito, a Segunda Seção do STJ, ao julgar o REsp 1.723.519/SP, DJe 2/10/2019, concluiu que, não havendo peculiaridade alguma no caso concreto, na apreciação da razoabilidade da cláusula penal estabelecida em contrato anterior à Lei 13.786/2018, deve prevalecer o parâmetro estabelecido pela Segunda Seção no julgamento dos EAg 1.138.183/PE, DJe 4.10.2012, sob a relatoria para o acórdão do Ministro Sidnei Beneti, a saber o percentual de retenção de 25% (vinte e cinco por cento) dos valores pagos pelos adquirentes, reiteradamente afirmado por esta Corte como adequado para indenizar o construtor das despesas gerais e desestimular o rompimento unilateral do contrato.
Concluiu-se também, que tal percentual tem caráter indenizatório e cominatório, não havendo diferença, para tal fim, entre a utilização ou não do bem, prescindindo também da demonstração individualizada das despesas gerais tidas pela incorporadora com o empreendimento.
(...)Ademais, quanto às despesas condominiais, o Tribunal de origem assim dispôs:
Como já bem observara, e de maneira percuciente, a Magistrada a quo, o repasse da responsabilidade sobre tais obrigações foi livremente pactuado em contrato, a teor de sua cláusula 17.3:
(...)Como venho sempre sustentando em hipóteses análogas, em matéria de contrato, o princípio da boa-fé objetiva, como corolário direto da autonomia da manifestação de vontade das partes deve ser sempre observado, sob pena de, com base no Código de Defesa do Consumidor, criar-se um verdadeiro direito não escrito e não pactuado, ao sabor das interpretações subjetivas das partes e do próprio Poder Judiciário.
Com base no Código do Consumidor, o que não se deve permitir, e que é bem diferente, é apenas a presença de cláusulas dúbias, omissas ou abusivas; não a previsão expressa, como no caso concreto, de repasse de despesas previamente conhecidas, e a partir de data certa. Se o demandante não leu referida cláusula quando subscreveu o instrumento, certamente tal omissão só lhe pode ser imputada.
A revisão dessas conclusões é providência que esbarra no óbice das Súmulas 5 e 7/STJ. A propósito:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DANOS MORAIS.
ATRASO. INDENIZAÇÃO. DESPESAS CONDOMINIAIS. POSSE. IMÓVEL. PREVISÃO CONTRATUAL. SÚMULAS NºS 5 E 7/STJ. VALOR DA INDENIZAÇÃO. INOVAÇÃO RECURSAL.
[...]Nos termos do art. 85, § 11, do CPC/15, majoro em 10% (dez por cento) a quantia já arbitrada a título de honorários em favor da parte recorrida, observados os limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º do mesmo artigo”. (Brasília (DF), 09 de dezembro de 2019. MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI Relatora. AREsp 1590993. Data da publicação 18/12/2019)."

No mais e para finalizarmos temos as obrigações "propter rem". Bem de acordo com entendimento pacífico de nossos Tribunais, essas obrigações serão devidas até o transito em julgado da ação por parte dos compradores, tendo em vista que são obrigações inerentes aos proprietários, possuidores e usufrutuários.

Portanto, devemos ter em mente que o CDC aplicar-se-á nos contratos imobiliários, com a inversão do ônus da prova, e que somente o percentual de retenção ainda não foi fixado em sede de recurso repetitivo, havendo uma oscilação entre os percentuais de 10% a 25%. 

*STELLA  SIDOW CERNY 













-Advogada graduada pela FMU(1997);

-Especialização em Direito Imobiliário;
-Pós-graduanda em Direito Previdenciário;e

Atuando na Cerny Advocacia nas áreas de planos de saúde, cível, consumidor e previdenciário.
Nota do Editor:

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