segunda-feira, 23 de março de 2020

A Faca




Na seção "Retratos do Cotidiano," à qual fui convidada a escrever para o Blog do  Werneck, ocorreu-me a ideia de compartilhar histórias que ouço. Eu as escrevo mais para matar as horas, do que por pretensão de ser escritora. Muitas dela são cômicas, outras dramáticas, outras tantas... nem sei discriminá-las. Deixo assim, ao leitor, a empreitada de lhes dar o sentido que lhes aprouver.

THE FIRST

A FACA




Diariamente percorremos um bom pedaço de chão para chegarmos na escola em que trabalhamos. Para tanto, partilhamos um automóvel, mais pela economia que pelo conforto. Juntos viajávamos eu e meus nobres colegas da profissão. Eventualmente achávamos sempre uma maneira de amenizar o cansaço causado pelas difíceis condições de nossas viagens.

Em um dia desses, embarcou conosco uma moça, nova na idade e na profissão, que dali para frente passaria a fazer parte de nosso harmonioso grupo. Ela trouxe o charme jovem e meigo de professora nova e um olharzinho atento aos nossos modos de veteranos. De início ela era tímida, depois ...era tímida também.

Acontece que o tempo é fantástico. Ele traz um certo refresco para as nossas relações. E assim não foi diferente com a bela protagonista. Devagar, ela foi fazendo parte de nós nas coisas da escola e nas da vida também. Uma querida de todos!

Práticos que somos, examinávamos sempre uns meios de driblarmos nosso desconforto diário. Nossa fé era que, entretido o grupo, suportável seria o nosso trajeto. Para tanto, compartilhávamos fatos que diziam mais da nossa vida do que da vida dos outros propriamente.

Deu-se que um dia, a novata decide falar de si também. Aliás, nosso grupo era bom na arte de rir de si mesmo e de encorajar os novatos a fazer o mesmo. Ela então, toda comovida, e para o nosso deleite, compartilha conosco uma de suas confusões. 

Ela conta, que numa manhã estressante pela pressão da corrida vida de professora, estava ela a preparar uma rápida refeição para a família. As crianças corriam para lá e para cá numa personificação da ingenuidade e muito alheias ao sufoco da mãe. 

O marido, que cuidava do bar da família, àquela altura já conferia se a hora do relógio da parede batia com os roncos do seu estômago. Ela, multifuncional que é, limpava, molhava, secava, esquentava, esfriava e ... picava a carne com uma faca que só por Deus.

No meio dessa agitação toda o telefone chama insistentemente, e ela, indecisa se corta a carne ou atende a chamada, decide-se pela última opção. Simpática que é, não deixou transparecer sua correria e tampouco a interlocutora entendia sua urgência em encerrar aquela injusta ligação.

Findada a trivial conversa, a calma moça corre para acudir o arroz já caramelizado e volta para a carne que já deveria estar na panela.

Mas aí... " Oh, não! Que raiva! Cadê a minha faca!". É que o abençoado do marido tinha o costume de pegá-la em hora inapropriada. Aí, dessa vez, ela decidiu não deixar aquilo barato. 

Obstinada, sem olhar para os lados, e cuspindo vespas, saiu furiosa para dar a bronca no coitado. Chegando no bar, que àquela altura estava lotado de fregueses bebericando os costumeiros aperitivos, chega a raiva em pessoa, dentes trancados, encolhida, pronta para o ataque. Ali mesmo, do meio da rua, ela gritara hiperbolicamente com toda fúria de esposa para marido teimoso: "Eu já te falei um milhão de vezes para não pegar a minha faca de cozinha!!! ... Você faz isso de propósito para infernizar o meu dia. Me dá essa faca agooora!".

E a freguesada não ia perder uma vírgula daquele momento de insanidade da pobre moça. Hipnotizados, saíram todos numa onda silenciosa para assistir o ataque de ira da mulher e o provável linchamento do horrorizado dono do bar. Motoristas que por ali passavam, esticavam seus pescoços para assistirem ao desfecho do caso.

Mas acontece que às vezes a sorte muda de lado. E para a perplexidade da plateia a falta de sorte foi cruel com a exasperada mulher.

Passado o estado de choque, o marido, lentamente, aproxima-se da esposa com um sorriso, era daquele sorrisinho de canto de boca, aquele de vingança mesmo, sarcástico, triunfante. Calmamente, valorizando cada segundo, ele se aproxima dela retira a faca que tinha um cabo enorme ... que estava ali, tendo todos como testemunhas, presa embaixo do braço da coitadinha. 

Atônita com a humilhação pública, evidenciada nas maças do rosto, a embaraçada colega dispara para casa. Naquele dia a casa não almoçou, o bar fechou e o marido foi dormir no sofá da mãe. A freguesada? Se alguma graça achou, foi rir a quilômetros dali!


* VALDIRENE FERREIRA

-Graduada em Letras pela FENORD - Fundação Educacional Nordeste Mineiro- Teófilo Otoni - MG;
 - Apaixonada por escrever;
-Cronista e contista







Nota do Editor:


Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

2 comentários:

  1. Kkkkk amei amiga ficou ótimo... Relembrei tudo aq como se fosse aquele dia ,morri de rir aqui kkkk...

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