quinta-feira, 5 de março de 2020

O Direito ao Afeto: Direito de Visitas dos Avós





Sumário: I) introdução; II) Evolução Do Direito De Visitação No Brasil; III) Direito De Visitação E A Convivência Familiar; IV) Direito De Visitação Dos Avós; V) Conclusão; Referências

I) INTRODUÇÃO

Um dos assuntos mais sensíveis no que diz respeito ao direito de família é a regulamentação de visitas. Por diversas vezes, no fim de um relacionamento, as crianças e adolescentes são privadas da convivência com o outro genitor, o que pode trazer prejuízos incalculáveis a sua vida.
O Direito a convivência é garantido constitucionalmente e deve ser respeitado quando trata-se da convivência de um filho com seu pai.

Mas e como fica a questão do avô ou avó que deseja conviver mais ativamente com seu neto mas encontra obstáculos na vontade de um dos pais da criança em não garantir este acesso por motivos variados? Este é o tema a ser tratado neste artigo que tem como objetivo demonstrar ao leitor a importância do Direito de Convivência e esclarecer acerca do direito de visitas dos avós. 

II) EVOLUÇÃO DO DIREITO DE VISITAÇÃO NO BRASIL

O Direito evolui conforme o tempo se esvai. As mudanças sociais são fatores essenciais que implicam diretamente na forma em que o direito se desenvolve. Assim também ocorre no Direito de Família que é um ramo em frequente evolução e, assim, consequentemente, o próprio conceito de família sofre alterações.
Até meados do século XX, a única forma de constituição de uma família legítima, e assim, detentora de proteção estatal, era através do casamento, que era indissolúvel, ou seja, não existia forma de encerrar o vínculo conjugal. O ordenamento jurídico então vigente (Código Civil de 1916) refletia os valores constitucionais da época (Constituição Federal de 1967) trazendo o homem como chefe da família.

A família, até então, tinha o papel de produção e reprodução ficando a convivência, a comunhão de vidas, o afeto e todo sentimento envolvido em segundo plano e isso pode-se perceber no fato de haver diferenciação entre filhos havidos dentro do casamento e os filhos havidos fora dele, seja em relações concubinárias seja em sendo filho de pais solteiros.
A Lei criou espécies distintas de filiação, sendo os filhos distinguidos em: 1) legítimos; 2) ilegítimos ; 3) legitimados; e 4) adulterinos ou concubinários.

Como ensina Dias (2016, p. 154) "[...] a lei ainda consignava que o casamento criava a família legítima e reconhecia como legítimos os filhos comuns (CC/1916 229)", ou seja, legítimos eram os filhos comuns do casal, ou seja, aqueles que adivinham do casamento. 

Por sua vez, filhos ilegítimos eram subdivididos em categorias, como ensina Dias (2016, p. 628):

"Os ilegítimos, por sua vez, eram divididos em naturais ou espúrios. Os filhos espúrios se subdividiam em incestuosos e adulterinos. Essa classificação tinha como único critério a circunstância de o filho ter sido gerado dentro ou fora do casamento, isto é, se os genitores eram ou não casados entre si."

Pode-se dizer que ilegítimos são os filhos havidos fora do casamento e poderiam ser considerados como naturais ou espúrios. Os naturais são os filhos de pais solteiros enquanto os espúrios, que podem ser incestuosos ou adulterinos, são os frutos de relacionamentos que, legalmente, não seriam permitidos. Incestuosos são os filhos tidos entre irmãos ou entre pais e filhos. Adulterinos são os frutos de relações onde um dos pais era casado.

No caso dos filhos naturais, estes poderiam ter sua paternidade reconhecida a qualquer tempo e, se os pais casassem, poderiam tornar-se legitimados gozando de todos os direitos dos filhos tidos como legítimos.

O contrário acontecia dos os tidos como espúrios, prevendo o Código Civil de 1916 em seu art. 358, ipsis literis: "Os filhos incestuosos e os adulterinos não podem ser reconhecidos". 

No que tange ao Direito de visitas, como não havia reconhecimento de outras entidades familiares a não ser o casamento, nem sequer mencionava-se acerca de um regime de visitas uma vez que apenas este legitimava um filho e garantia todos os direitos advindos da paternidade e, por sua vez, era indissolúvel.

Apesar de a lei ser rígida quanto à formação da família, casos diversos de pais não casados e que abandonavam seus filhos, requerendo, em regra, as mães que os direitos dos filhos fossem reconhecidos batiam as portas do Poder Judiciário. Com a evolução da sociedade, o princípio da dignidade da pessoa humana, promulgado pela Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU, 1948), passa a ser o princípio fundamental adotado no Brasil. Neste sentido, valido mencionar o disposto no art. 1 da referida Declaração: "Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade". 

Baseado neste fato, a família deixou de ser uma unidade de reprodução para ser reconhecida como base da sociedade e baseada totalmente no afeto. A Constituição Federal de 1988 reconhece, em seu art. 226, que a família, como base da sociedade, merece proteção especial do Estado e isto foi refletido no Código Civil de 2002.

O casamento, além de passar a ser dissolúvel pelo divórcio, deixou de ser a única entidade familiar existente, dando lugar a múltiplos modelos de entidades familiares. No meio desta diversificação é claro que as crianças e adolescentes não poderiam ficar sem amparo.
Quando há a dissolução de um casamento, união estável ou a formação de uma família com apenas um dos pais e o filho, há de se manter o direito à convivência do filho com ambos os pais e, por este motivo, dispôs o Código Civil de 2002 que:

"Art.1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.

III) DIREITO DE VISITAÇÃO E A CONVIVÊNCIA FAMILIAR

Como explica Gonçalves (2017, p. 377):

"O cônjuge que não ficou com a guarda dos filhos menores tem o direito de visitá-los. Dispõe o art. 1.589 do Código Civil: “O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação”. Se não houver acordo dos pais, caberá ao juiz a regulamentação das visitas."
Dias (2016, p. 866) faz uma pontual observação sobre o tema ao afirmar que

"Escassa, para não dizer inexistente, é a regulamentação do direito de convivência, que todos insistem em chamar de direito de visitas, expressão de todo inadequada, pois os encargos inerentes ao poder familiar não se limitam a assegurar ao genitor o direito de ter o filho em sua companhia em determinados períodos de tempo. A locução de visitas evoca uma relação de índole protocolar, mecânica, como uma tarefa a ser executada entre ascendente e filho, com as limitações de um encontro de horário rígido e de tenaz fiscalização."

A ideia derivada do termo "direito de visitação" faz com que seja implantada a ideia de ser dever do pai e direito do filho a regulamentação de uma tarefa a ser cumprida, limitando-se horários, datas, locais, entre outras limitações, podendo ser considerado mais correto o termo direito de convivência. É válido ressaltar que é direito da criança e do adolescente que lhe seja assegurado o direito à convivência familiar, nos termos do art. 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.

Sobre a regulamentação do direito de convivência, ainda, é importante ressaltar que os termos judiciais tem a função de garantir que o mínimo de convivência com os genitores, essencial para toda criança e adolescente em fase de desenvolvimento, será garantido, já que muitos pais, de forma lamentável, acabam por usar os filhos como forma de vingança e impedem que haja a convivência.

É importante mencionar que apenas em casos excepcionais, provando-se o risco que a convivência com um dos pais geraria a criança, o direito de convivência da criança é afastado como forma de defesa. Fora isso, a convivência deve ser estimulada.

Ademais, tratando-se de colocação da criança em família substituta, válido mencionar o que ensinam Farias e Rosenvald (2017, p. 680):

"A outro giro, a guarda também pode servir como uma modalidade de colocação de criança ou adolescente em família substituta, regulamentada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, art. 28). Nessa hipótese, afasta-se por completo dos interesses relativos aos pais. Sequer há necessidade de existência de um litigio pela posse de um filho menor de idade. Aliás, não se exige, nem mesmo, que os pais estejam dissolvendo a relação de casamento ou de união estável. A guarda estatutária, como é conhecida é concedida em favor de terceira pessoa, que, juntamente com os pais, prestará assistência moral e material a uma criança ou adolescente. Não é um substitutivo do poder familiar, coexistindo harmonicamente com ele. Trata-se de mecanismo de maximização de proteção infantojuvenil, conferindo a um terceiro a obrigação de prestar assistência moral e material a uma criança ou adolescente. Por isso, o guardião assume obrigações de manutenção do menor, podendo se opor a terceiros, inclusive aos pais (que continuam a exercer o poder familiar). E, por idêntica fundamentação, os pais continuam a exercer o poder familiar sobre os filhos inclusive no que tange à visitação."

O importante é que a convivência familiar deve ser mantida, em todo caso, visando o desenvolvimento saudável da criança e do adolescente, sendo imperioso que esta convivência seja facilitada e incentivada ao máximo. 

IV) DIREITO DE CONVIVÊNCIA OU VISITAÇÃO DOS AVÓS

Um fato comum a quase todo término de um relacionamento onde houve como fruto um filho é a discussão no que tange ao direito de visitação. Contudo, este fato não está presente apenas nas discussões entre o casal mas pode envolver até mesmo os avós das crianças. 

Fato comum no Judiciário é a propositura de ação de guarda pelos avós que são impedidos de ver seus netos pelos motivos mais variados (desde discussões entre o genro ou nora com os sogros, até divórcios conturbados, etc) que influem na relação com os pais da criança. 

Até o advento da Lei 12.398/11 a regulamentação da convivência entre avós e netos dependia muito do entendimento do intérprete da lei, mesmo sendo claro em lei ser direito da criança a convivência familiar. Sobre este aspecto, ensina Gonçalves (2017, p. 382) que

"[...] mesmo sem norma positiva expressa, nosso sistema jurídico assegurava aos avós o salutar direito de visitas aos netos, mediante acordo com os pais ou por regulamentação afeta ao prudente arbítrio do juiz, em razão dos princípios maiores que informam os interesses da criança e do adolescente e para que se preserve sua necessária integração no núcleo familiar e na própria sociedade."

A Lei em questão acrescentou ao art. 1589 do Código Civil o parágrafo único que estabelece:

"Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação. Parágrafo único. O direito de visita estende-se a qualquer dos avós, a critério do juiz, observados os interesses da criança ou do adolescente."

O objetivo da Lei foi claramente o de beneficiar as crianças e adolescentes ao reafirmar a importância do Direito à Convivência Familiar, podendo ser, inclusive, utilizado como fundamento a outros familiares que desejam ter o direito de convivência com a criança ou adolescente assegurado.

Desta forma, há de se observar que, havendo qualquer forma de empecilhos quanto a convivência dos avós com a criança por parte de qualquer um dos pais, pode o ascendente lesado acionar a justiça, ajuizando ação de Regulamentação de Visitas.

V) CONCLUSÃO

Faz-se necessário e extremamente importante que o Direito de Convivência Familiar das crianças e adolescentes seja cada vez mais observado sob pena da ocorrência de inúmeros prejuízos ao desenvolvimento saudável da criança. 

Percebe-se que, ao evoluir do Direito, o Poder Judiciário tem expandido cada vez mais a proteção à infância e a juventude, garantindo que a dignidade das crianças e adolescentes seja respeitada.

Aos avós, que muitas vezes demonstram ter mais afeto pelas crianças que os próprios pais, deve ser garantido o acesso cada vez mais ativo e sem empecilhos aos seus netos, garantindo a eles e aos netos o direito de conviverem, o que é fundamental para o completo desenvolvimento destes.

REFERÊNCIAS

BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>; Acesso em: 26 Fev. 2020;

BRASIL. LEI N. 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. DF, 13 jul. 1990; Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>;  Acesso em: 26 Fev. 2020;

BRASIL. LEI N. 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Código Civil Brasileiro. Brasília, DF, 10 jan. 2002; Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>; Acesso em: 26 Fev. 2020;

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias [livro eletrônico]. 4. Ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016;

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: famílias; 9. ed. rev.e atual - Salvador: Ed JusPodlvm, 2016;

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 6 : direito de família; 14. ed. – São Paulo : Saraiva, 2017. 

*ERICK GONÇALVES CARRASCO


-Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Sete Lagoas – UNIFEMM9@018); -Advogado inscrito nos quadros da OAB/MG. -- Atualmente atua nas áreas do Direito Civil (Família, Sucessões, Contratos) e Direitos do Consumidor.



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