domingo, 12 de abril de 2020

Crise de Ansiedade: Alguns Apontamentos Práticos









Autora: Ana Carolina Cabral(*)


Estimado leitor, neste momento faço um convite. Simplesmente imagine que... de repente e sem qualquer motivo aparente, você comece a ter vertigens, tonturas, palpitações… seu coração acelera, e sua transpiração é notória assim como a sensação de falta de ar. Depois de perceber isso, identifica que partes do seu corpo formigam, especialmente seu braço esquerdo, e então você sente calafrios. A ideia de que seu corpo está fora de seu controle é inevitável, pois é certo que não é possível resistir a tudo que está o consumindo agora... A incerteza acerca do seu corpo só reforça a ideia de que você não é capaz de controlar esta situação e tampouco a si próprio.

Peço perdão pelo convite a um cenário e cena tão desagradáveis, porém, tais episódios são tão recorrentes em nossa população, que não podem ser ignorados. Ainda que possuam tratamento médico e psicológico eficazes, nem sempre seus portadores estão familiarizados com a realidade de que podem vencer esta crise. 

Sim, estes episódios se enquadram no que a saúde mental nomeou de "crise de ansiedade" ou também "crise de pânico". 

Sua frequência é tão expressiva que muitos estudos a comprovam, como por exemplo, o Estudo Epidemiológico Nacional de Saúde Mental realizado em Portugal. Este foi o primeiro estudo a avaliar a epidemiologia dos problemas de Saúde Mental numa amostra adulta em Portugal, e evidenciou que 1 em cada 5 dos indivíduos apresentava um problema de Saúde Mental, sendo o grupo das perturbações de ansiedade aquele que apresenta uma prevalência mais elevada. Logo, este é uma pequena amostra exemplar do quão grande é a demanda para os tratamentos dos distúrbios de ansiedade, dentre eles, aqueles que apresentam as crises. E é por isso que este artigo vem chamar atenção para alguns aspectos deste tão perturbador distúrbio.

Cabe aqui, um breve enquadre. Primeiramente, a intenção deste artigo é elucidar acerca do que realmente se trata de uma crise de ansiedade, bem como exemplificar possibilidades para o manejo das crises de pânico, como um recorte dentro dos transtornos de ansiedade. Aqui não será abordada a fundamentação teórica dos transtornos ansiosos, que muitas vezes podem não ser acompanhados de crises. Pretende-se explorar acerca das crises de pânico em si e das opções de cuidado e manejo.

Uma crise de ansiedade recebe diversas nomeações. É chamada de crise de ansiedade, crise de pânico, ataque de pânico etc, e, talvez isto se deva a intensidade de seu incômodo, ou ainda porque ela pode aparecer como sintoma de uma patologia e, também, por ser esporádica e pontual.

No entanto, sempre em uma crise deste tipo, tem-se sintomas psicofísicos que perduram por, aproximadamente 10 minutos (ou menos), todavia outras vezes podem desenvolver-se, de forma gradual, durante um período de vários minutos ou horas, de qualquer maneira finalizam sempre com uma intensa sensação de cansaço ou esgotamento físico. Numa crise, tem-se o aparecimento súbito e inesperado de sintomas de medo intenso ou terror, acompanhados da sensação de morte iminente. Em seu desenrolar, é presente o medo de perder o controle, enlouquecer, desmaiar ou sofrer um enfarte. E esta presença do medo, que é predominante, pode mudar ao longo da evolução da perturbação.

Existem 3 tipos de crise de pânico principais que se diferenciam em função da forma em que se iniciam e a presença ou ausência de desencadeadores ambientais, são elas:

 a) Crise de pânico inesperada não relacionada com estímulos situacionais: aparecem sem motivo, em situações consideradas como seguras pelo sujeito (enquanto dorme, vê TV...). A crise é desencadeada pela percepção de sensações corporais internas que são consideradas como ameaça;
b)Crises de Pânico situacionais desencadeada por estímulos ambientais: a crise aparece imediatamente depois da exposição a um estímulo ambiental determinado. (utilizar o elevador, viajar de avião, estar num restaurante...); e
c)Crises determinadas por situações em que existam maiores probabilidades de aparecer (intenso dia de conflitos no trabalho). Nestes casos podem aparecer várias horas ou dias depois ou, simplesmente, não aparecer.

Dentro dos modelos denominados de Cognitivos ou psicológicos, um dos mais reconhecidos é o de Clark e Salkovskis de 1987. De acordo com este modelo, estímulos são percebidos como ameaçadores e então geram medo.

Dentre os diversos estímulos internos, podem ser uma recordação, uma imagem, uma sensação fisiológica etc, e quanto aos estímulos externos, podem ser temperaturas altas, concentração de muitas pessoas, etc. 

Não se trata, obviamente, do estímulo em si, mas sim da maneira que a pessoa percebe, reconhece, significa, interpreta o estímulo. Fato é que, este medo se manifesta numa série de sensações corporais normais que constituem uma resposta de ansiedade: aceleração do ritmo cardíaco, sensação de ter um nó na garganta...Tais sensações são interpretadas de uma forma catastrófica pela pessoa, e aliciam novos pensamentos catastróficos, e assim sucessivamente. 

Um ciclo vicioso se instala, numa espiral de ansiedade, que culmina numa crise ansiosa. O fim desta crise se dá quando um mecanismo fisiológico específico restaure o equilíbrio fisiológico, ou quando o sujeito utilize alguma estratégia para reduzir a ansiedade.

Os estudos demonstram que existe um chamado ciclo do pânico. A primeira crise de pânico pode surgir de repente. No entanto, se a pessoa experimenta um ou mais episódios imprevisíveis de pânico, passa a experimentar o denominado Ciclo do Pânico. Este ciclo apresenta 4 fases:

1.Ansiedade antecipatória A simples ideia de passar por uma situação similar pode produzir sensações condicionadas e pensamentos assustadores;
2.Crise de pânico A pessoa pode experimentar quase ou na totalidade a crise como foi descrita anteriormente;
 3.Fuga e alívio Quando ocorre uma crise de pânico, a frase mais frequente é: “Tenho que sair daqui”. A fuga daquela situação parece ser sua única saída. Porém, tal fuga só reforça o medo; e
4.Desmoralização Com o fim de todo processo é experimentada a sensação de impotência em relação ao acontecido. A pessoa sente-se fragilizada, desmoralizada, descrente de si própria. 
De acordo Salkovskis e Clark (1987), a manutenção da perturbação se deve, para aqueles que já desenvolveram a tendência de interpretar de forma catastróficas sensações, a dois processos:

I. Devido ao medo destas sensações, o sujeito torna-se hipervigilante o que lhe permite reconhecer mudanças fisiológicas no seu organismo que passam despercebidas à maioria das pessoas. Estas sensações físicas são interpretadas como prova de doença mental ou física grave. Isto explica que o pânico possa aparecer mesmo em situações seguras, já que os estímulos que as desencadeiam são muitas vezes internos, adotando a falsa aparência de crise espontânea. II. Os comportamentos de evitação reduzem ou eliminam a curto prazo a ansiedade, mas constituem, na realidade, o principal fator de manutenção da perturbação.

Tratamento



Sabe-se que a causa da crise de pânico é multifatorial, ou seja, envolve fatores bioquímicos, fisiológicos, psicológicos e de personalidade.


O principal objetivo do tratamento será fazer com que o sujeito enfrente os seus medos. Tecnicamente, diz-se que se faz necessário desenvolver ou aprimorar o repertório de enfrentamento do estímulo percebido como ansiógeno. Por este motivo o tratamento dirige-se também a controlar os pensamentos e emoções disfuncionais, equivocadas, que dificultam tal enfrentamento.

Nesse sentido, e porque pensamos que este problema decorre de mecanismos cerebrais, biológicos e emocionais, defendemos que a perturbação de pânico deve ser objeto de um tratamento, geralmente medicamentoso e psicoterapêutico, cuja eficácia tem sido demonstrada cientificamente.


À medicação cabe para restabelecer o equilíbrio físico e ou controle dos sintomas, e à psicoterapia o entendimento acerca de funcionamento cognitivo e comportamental que sustenta a crise, bem como o desenvolvimento de formas de manejo das crises e daquilo que as fundamenta. Ou seja, compreender e adequar o modo como se pensa, seus desdobramentos naquilo que se sente, e na forma como se comporta.


Qualquer situação produz automaticamente pensamentos sobre ela. Numa dada situação,se eu penso que estou em perigo, sinto medo; se penso que vai acontecer uma coisa positiva, fico animado. Assim, qualquer sentimento é sempre causado por algum tipo de pensamento.

Logo, uma estratégia para enquadrar a ansiedade e trabalhar para a estabilização do quadro é o trabalho de adequação dos pensamentos inadequados e disfuncionais, especialmente os catastróficos.

Segue aqui alguns exemplos de pensamentos catastróficos e assustadores que acompanham as sensações físicas durante uma crise :

• "Não estou a conseguir respirar";
• "Vou sufocar";
• "Estou a ponto de ficar desorientado" 
• "Vou desmaiar"; 
• "Estou prestes a ter um ataque cardíaco"; 
• "Estou prestes a ter um AVC (acidente vascular cerebral)";
• "Vou morrer a qualquer momento"; e
• "Estou enlouquecendo".

O tratamento envolve fases. Muitas vezes elas podem se sobrepor, de acordo com as características de cada pessoa, e também dentro da demanda de conflito desta pessoa. O psicólogo, enquanto profissional habilitado para tal, irá expor pouco a pouco seu paciente a cada fase do tratamento:

1) Fase PsicoEducativa:
 A informação que costumam possuir os pacientes é muitas vezes atravessada pelas ideias do senso comum, sejam regras, crendices etc. Conseguir uma adequada informação do problema costuma produzir alguma melhoria e motiva o paciente para o tratamento; 
2) Treino em Respiração e Relaxamento:
 A maior parte dos pacientes com crises, realiza hiperventilação. Por este motivo é especialmente indicado realizar treinos de respiração lenta;
3)Treino em Técnicas de Distração:
Estas técnicas podem ser aplicadas tanto a sensações corporais como aos pensamentos catastróficos. Dentre as principais técnicas de distração destacam–se:
a)Externalização simples: consiste na distração através da descrição pormenorizada de algum estímulo do lugar onde o indivíduo se encontre;
 b) Exercícios mentais: Consiste em realizar alguma atividade mental que exija bastante atenção por parte do sujeito (por exemplo: contar para atrás de 3 em 3), esta técnica não está indicada em pacientes com traços obsessivos; 
c) Atividades Absorventes: consiste na realização de alguma atividade da sua vida cotidiana que requeira atenção (conversar com alguém, ler um livro...);
4)Técnicas de controle cognitivo: 
Reestruturação cognitiva
A reestruturação cognitiva é uma das mais significativas estratégias técnicas da terapia cognitivo comportamental e, resumidamente, implica em rever, contestar e readequar a interpretação, significação, percepção e conceituação que a pessoa faz daquilo que vivencia. Uma vez que se trata da percepção de eventos ou estímulos como ameaçadores, faz -se necessário aprender a lidar com a ansiedade, e algumas estratégias para embasar a adequação dos pensamentos podem ajudar. Abaixo algumas estão listadas: 

 a) Aceite a sua ansiedade:
 Aceitar que você está reagindo a algo que, a princípio, lhe parece ameaçador, não é ruim, ao contrário, é agir com naturalidade com você mesmo. Mesmo que lhe pareça absurdo, aceite as sensações que aparecem no seu corpo. Lutar contra as sensações não funcionará. Ao resistir estará a prolongar e intensificar o seu desconforto;

 b)Seja acolhedor com você mesmo:
 Deixe acontecer com o seu corpo o que ele quiser que aconteça, sem julgamento: nem bom nem mau. Seja apenas observador;
           c) Não fuja!:      Ao fugir, a sua ansiedade vai diminuir mas o seu        medo vai aumentar;

d) Reaprendendo a respirar:
 Procure o ritmo ideal da sua respiração, inspirando ar pelo nariz e expirando suavemente pela boca. Simplesmente mudando a forma da respiração, podemos reduzir significativamente as sensações desconfortáveis de uma crise de ansiedade. A respiração adequada é um remédio quando de uma crise. Uma dica é: prendendo o ar, conte até três na inspiração, outra vez até três na expiração. 






A maioria dos sintomas da síndrome do pânico é na verdade causados pela hiperventilação.

A hiperventilação, ao contrário do que muita gente pensa, é uma falta de dióxido de carbono consequente de uma respiração rápida demais e profunda demais. Seu corpo, na verdade, precisa de dióxido de carbono para funcionar, e sem ele os sintomas da crise aumentarão. 

Vale lembrar que, quando você hiperventila, seu corpo passa pelo o que é conhecido como efeito paradoxo, ele faz você se sentir como se não estivesse puxando oxigênio suficiente, assim você tenta respirar mais fundo, o que só piora a hiperventilação.

A hiperventilação causa sintomas como coração acelerado, falta de ar, dores no peito, suor nas mãos e nos pés, tontura e muito mais. A respiração adequada pode cadenciar sua respiração, e é por este motivo que reaprender a respirar é crucial para estabilizar o quadro. Note que é muito difícil parar completamente a hiperventilação depois de ter começado, portanto não espere se curar completamente somente através da respiração, mesmo ela sendo muito útil para diminuir a intensidade da crise.
e)Lembre-se: apenas está ansioso(a): Apesar de desagradável, mas isso não é perigoso;
f) Reflita racionalmente Converse com você em seu raciocínio, e submeta os seus pensamentos às seguintes perguntas: (1)quais são as provas que o meu pensamento é verdadeiro?(2) que outras possibilidades existem? (3) Imagine o que diria a um amigo seu se ele estivesse a passar pela mesma situação…;
g)Tente pensar em algo diferente com o objetivo de se distrair, não negar a realidade;
h) Não abuse da medicação ou de substâncias como o álcool para ultrapassar as situações ameaçadoras. Elas podem agravar os sintomas;
i)Cuidado com as crenças disfuncionais, especialmente acerca de você mesmo. Especialmente as que iludem você com promessas de que você necessita ser amado ou aprovado pelas pessoas que conhece. Não tem de ser absolutamente competente em todos os aspectos possíveis da sua vida para se considerar com valor. Não é terrível nem catastrófico quando as coisas não são à sua maneira;
j) Lembre-se de que não é possível viver com saúde sem a ansiedade. Ela é um sentimento, é necessária e faz parte da vida. É o nosso "mecanismo de defesa". Ela poderá ocorrer no futuro e estará em melhor posição para lidar com ela; e
k)Lembre- se ainda que a crise tem fim. Ela não é eterna.

Esta última recomendação é de extrema importância. Sim, a crise não é eterna, é passageira. Também ela é uma reação sintomática que não pode ser desconsiderada. Ela significa sua dificuldade em lidar com algo ou alguma coisa. Ela não significa quem você é, não representa seu padrão geral de conduta, mas mostra que você está com dificuldade para lidar com algo. É preciso escutar e acolher esta demanda, entender o que ela está trazendo à tona, qual conflito está em questão. Mas não se confunda: ter um conflito não é ser um conflito. Ainda, lembre-se de que um conflito pede estratégias de ação para solução. Para isso, trace com os profissionais que o apoiam uma estratégia. Mãos à obra.

REFERÊNCIAS
  • American Psychiatric Association (1996) Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais; 
  • Lisboa: CLIMEPSI Eds.Belloch, A., Sandín, B., y Ramos, F. (1995) Manual de Psicopatología;
  • Madrid:McGraw-Hill.Botella, C. y Ballester, R. (1997)
  • Transtorno de pánico: evaluación y tratamiento;
  • Barcelona: Martínez Roca Botella, C.; Baños, R. y Perpiñá, C. (comp.). (2003). Fobia social. Avances en lapsicopatologia, la evaluación y el tratamiento psicológico del transtorno de ansiedadsocial; 
  •  Barcelona : PaidósCaballo, V.E (Dir.) (1998) Manual para el Tratamiento Cognitivo-conductual de losTrastornos Psicológicos. Vol.1: Trastornos por Ansiedad, Sexuales, Afectivos yPsicóticos;
  • Madrid, Siglo XXI. Cap: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 12.Echeburúa, E. (1993).Ansiedad crónica: evaluación y tratamiento;
  • .Madrid : EudemaHeimberg, R, G, et al (2000)  Fobia Social: Diagnóstico, evaluación y tratamiento 
  • Barcelona, Martínez Roca.Marks, I (1991). Miedos, fobias y rituales: Los mecanismos de la ansiedad 
  • Barcelona : Martinez Roca
* ANA CAROLINA QUEIROZ CABRAL













-Psicóloga formada pela UNIMEP; 
-Mestre em psicologia pela PUCCAMP leciona tanto na graduação como na pós graduação desde 2007 ; 
- Estudiosa da terapia racional emotiva (REBT); 
-Foco de trabalho junto aos alunos e pacientes: funcionamento psíquico do ser humano; 
-Foco de estudo: 
  - A relação mãe e filho e os seus desdobramentos psíquicos, especialmente no que tange ao stress e ao sentimento de raiva; 
 -Professora e supervisora de Terapia Comportamental Cognitiva; 
- Atualmente atua no atendimento individual e em grupo de seus pacientes há mais de 13 anos, independente das mais variadas demandas, seguindo como base teórica a Teoria Racional Emotiva de Albert Ellis.

Nota do Editor:

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