quinta-feira, 7 de abril de 2022

Considerações sobre a Teoria da Aparência


Autor: Sergio Luiz Pereira Leite

 

Muito longe de pretender exaurir a matéria, estas considerações pretendem traçar as linhas gerais da chamada "teoria da aparência", tão em voga nos tempos atuais e que nasce de interpretações jurisprudenciais, albergadas que foram na nova legislação substantiva civil.

No estudo do Direito Civil, uma das figuras mais relevantes, dentre muitas outras, é a da tradição, no que concerne ao "direito das coisas".

Como nos ensina o sempre lembrado professor e eminente jurista Washington de Barros Monteiro, em seu Curso de Direito Civil (Direito das Coisas- página 194), o cerne dessa figura jurídica está na entrega da coisa ao adquirente, transferindo-lhe a posse (e posteriormente e se o caso) do domínio, em virtude da translação da propriedade de bem móvel.

Como nos ensina Silvio Rodrigues, em seu livro "Direito Civil" (vol. 5 - pág. 209) que, no direito pátrio, o contrato de transferência da propriedade não é o bastante para o translado do domínio, sendo necessária, pois, sua complementação, através da tradição, em se tratando de coisas móveis. Logo, com a tradição transforma-se o direito pessoal do adquirente, traduzido pelo contrato, em direito real, na medida em que passa a deter - a um só tempo - a propriedade e a posse.

Portanto, há um vínculo evidente entre a eficácia ou ineficácia dessa transmissão, pois se a avença que transferiu a propriedade for invalidada, não eficaz se mostrará a tradição acontecida. 

Quanto a esta, ela pode ser efetiva ou real, simbólica e ficta, distinguindo-se pela forma de sua consecução.  Real ela será quando materialmente ocorrida; simbólica, quando se aperfeiçoa pela entrega ao comprador de algo que represente a coisa alienada, sendo o exemplo mais comum, o da transferência das chaves de um automóvel vendido; será, por fim, de natureza ficta, em decorrência do denominado constituto possessório, isto é, quando o alienante remanesce na posse da coisa alienada a outro título, como locatário ou comodatário, para exemplificar.

Apenas à título de elucidação complementar, devemos lembrar que o constituto possessório é um instituto presente na modalidade de garantia do penhor, explicitando o novo Código Civil, no seu artigo 1.431, § único, que em algumas espécies de penhor, entre elas, o mercantil, o rural e o industrial, a coisa empenhada continua "em poder do devedor, que as deve guardar e conservar". A origem do constituto, nesse caso, advém do artigo 274 do velho Código Comercial que estipula que a entrega do penhor "pode ser real ou simbólica".

A denominada teoria da aparência foi objeto de cogitação dos Tribunais, em maior número de julgados, abordando a questão das citações e intimações de pessoas jurídicas, versando sobre sua validade ainda que recepcionadas por pessoas que não detinham poderes para tanto, mas, aparentavam possuí-los.

Como subsídio, podemos afiançar que a linha jurisprudencial, nesse sentido, estipula o seguinte:

 

"Citação. Pessoa jurídica. Efetivação na pessoa de um dos diretores. Estatuto social que preconiza a validade da citação quando feita em conjunto na pessoa dos dois diretores. Oficial de justiça que não tem o dever de inteirar-se das exigências unilateralmente postas. Aplicação na espécie do princípio da aparência". (JTA 84/33). E mais, "Citação. Pessoa Jurídica, Representante legal. Condições para receber a citação. Verificação que ao oficial de justiça não cabe fazer. Aparência criada, ao aceitar a citação, que a ela conferiu regularidade". (JTA 88/50).


A nova codificação civil, em seu artigo 1.268 incorporou a teoria da aparência de forma expressa (Nota: 11), oferecendo nova redação ao que dispunha, no "codex" de 1916, o artigo 622, como segue:


Art. 1.268 - Feita por quem não seja proprietário, a tradição não aliena a propriedade, exceto se a coisa (...) for transferida em circunstancias tais que, ao adquirente de boa-fé, como a qualquer pessoa, o alienante se afigurar dono.


Comparativamente, o artigo 622 do Código Civil anterior, só continha a parte inicial, relativa a não alienação da propriedade na transferência efetivada por quem não a detém, complementando-se com a "revalidação" da tradição, caso presente a boa-fé do adquirente, o alienante, após a transmissão, viesse - de direito - adquirir a propriedade.

Válido destacar que no novo Código Civil a hipótese de revalidação da tradição, com a posterior aquisição da propriedade pelo vendedor, figura - em idênticos termos da codificação anterior - como o § 1º do artigo 1.268. No § 2º se repete a disposição sobre não valer a transferência, para efeitos de transmitir o domínio, se originada de ato jurídico nulo.

Logo, o Código Civil atual abraça a teoria da aparência, consagrando a construção da jurisprudência. São três os requisitos exigidos para caracterizar a aplicação da teoria da aparência.

O primeiro deles, que o adquirente, comprovadamente, esteja agindo de boa-fé, ou seja, ignora, de modo efetivo, que o transmitente não detenha a propriedade da coisa que está alienando (posse e domínio); o segundo, que concorram circunstancias que conferem ao vendedor a aparência de dono, não somente a quem compra, mas, às pessoas em geral.

Exemplo que podemos tomar como característico deste segundo requisito é a presença de circunstancias justificadoras da incidência da teoria da aparência, quando se refere à compra de um veículo feita no interior de uma concessionária, impelindo o adquirente à conclusão de que o vendedor era - de fato - o proprietário do bem (Resp 369.971/MG.

O terceiro elemento, afinal, é - por evidente - afigurar-se o transmitente como o dono, isto é, praticando atos e comportando-se como se o fosse.

Estas em singelas e rápidas pinceladas as considerações que faço sobre a teoria da aparência, com as lições aprendidas na sabedoria do ilustre advogado Cássio M.C. Penteado Júnior, na análise profunda que faz aos ditames do artigo 1.268 do Código Civil, em cuja fonte inspiradora encontramos a maioria dos subsídios para este artigo.

*SERGIO LUIZ PEREIRA LEITE


-Advogado militante nas áreas cível e criminal na Comarca de Tietê, Estado de São Paulo,onde já foi, por duas vezes, presidente da 134ª Subseção da OAB e que, na atual gestão, participa como vice-presidente.

 




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