quarta-feira, 30 de novembro de 2022

A ilegalidade do TOI unilateral


 Autor: Magnus Rossi (*)

O objetivo do presente artigo é chamar atenção ao inadequado procedimento adotado pelas concessionárias de energia elétrica, isto é, na sistêmica aplicação dos Termos de Ocorrência de Inspeção "TOI" responsabilizando seus clientes/usuários por eventuais irregularidades constatada por seus prepostos, sem os devidos procedimentos legais e garantias estabelecidas. Para tanto, necessário abordar alguns aspectos, como o prévio conhecimento da inspeção pelo consumidor, o método adotado pela concessionária, a aferição do equipamento por órgão competente, e, principalmente, os parâmetros para análise e conclusão da responsabilização.

Em que pese o artigo 167 da Resolução n.º 414/2010 (ANEEL, 2010), da Agência Nacional de Energia Elétrica, impor a responsabilização do consumo não registrado e/ou perdido, ao titular do serviço, tal norma não pode ser um instrumento de aplicação desmedida, em razão das peculiaridades de cada caso e, principalmente, em respeito aos preceitos constitucionais e consumeristas.

Frise-se que, o Direito do Consumidor possui sua designação como direito fundamental na legislação brasileiro, previsto no artigo 5.º, XXXII da nossa Magna-Lex (CONSTITUICÃO FEDERAL, 1988).

Além disso, evidente o desequilíbrio na ralação entre a concessionária de serviço público e o usuário, razão pela qual a Lei nº 8.078/1990 (BRASIL, 1990) reconhecer a vulnerabilidade do consumidor.

O usuário da energia elétrica possui enquadramento legal no, caput, do artigo 2.°, da Lei supracitada, já que fica caracterizada a relação como consumidor, posto que, pessoa física e jurídicas, independente dos seus aspectos de econômicos.

Portanto, a Lei nº 8.078/1990 elaborada para dar estabilidade e igualdade nas relações de consumo criou o instituto da inversão do ônus da prova, artigo 6.º, inciso. VIII. Logo, a concessionarias de energia elétrica são empresas que dispõe do conhecimento e suporte técnico que lhes possibilita todos os meios e formas de defesa, com pessoal e material especializado, ao passo que o consumidor é pessoa comum, geralmente limitada em sua defesa.

Neste sentido, a inversão do ônus probandi possibilita que a disparidade existente entre consumidores e fornecedores seja reduzida, impondo a quem tem mais poder a obrigação de provar os fatos.

Assim, o refaturamento originado de um procedimento unilateral de irregularidade, sem contraditório e ampla defesa, viola os princípios da transparência e informação estabelecidos na legislação consumerista, de onde se extrai que somente os serviços efetivamente prestados podem ser cobrados do usuário.

Isto posto, o artigo abordará aspectos relacionados ao uso inadequado de procedimentos unilaterais, pelas concessionárias de energia elétrica, na recuperação e/ou refaturamento do consumo, em total descompasso com a legislação consumerista.

2. DO PROCEDIMENTO UNILATERAL

Sem dúvida, a concessionaria de energia elétrica tem o legítimo direito de inspecionar a rede de distribuição de seus clientes, entretanto, tal procedimento previsto no artigo 129, da resolução nº 414/2010 da ANEEL, não pode ser praticado de forma unilateral, sem conhecimento de consumidor.

Desse modo, a inspeção que realizada sem as formalidades devidas, bem como, sem qualquer outra testemunha e/ou órgão competente (INMETRO e/ou outros), restará fragilizada como um ato unilateral e sem o crivo do contraditório.

Na hipótese de mau funcionamento do medidor, a determinação de quem deu causa à falha, bem como se houve falha mecânica, será indispensável para justificar a correta recuperação de consumo não faturado. Deve-se ter em mente que o medidor eletromecânico, ou mesmo, o eletrônico, como todo equipamento, também pode apresentar defeitos, independentemente de qualquer intervenção humana. A presunção em contrário implica, necessariamente, a presunção de um crime, o que não se pode admitir em um Estado Democrático de Direito.

Ademais, a concessionaria de serviços públicos tem a obrigação de, periodicamente, verificar a possível falha/defeito/inconsistência/irregularidade quanto à variação de valores, se existirem, para, imediatamente, substituição do equipamento.

Nesse cenário, tornou-se recorrente a judicialização pelo consumidor, como última trincheira contra a imposição de refaturamento originado de procedimento unilateral.

3. DO MEDIDOR ELETRÔNICO DO TIPO CHIP

Num cenário de novas tecnologias, nos últimos anos, as concessionárias iniciaram um processo de substituição dos medidores eletromecânicos por dispositivos eletrônicos, de melhor controle, eficiência e desempenho, na aferição do consumo.

Assim, como todo equipamento eletrônico está sujeito aos mais variados problema, ensejando novas discussões.

Em algumas localidades, adotou-se o sistema de medição eletrônicos, por chip, acondicionados em compartimentos (caixa de distribuição), no alto de um poste, em via pública.

Tal sistema de medição possibilita o livre acesso aos técnicos habilitados pelas concessionárias, fato que transfere totalmente a responsabilidade a concessionária, pela manutenção e segurança dos medidores.

Ademais, o referido sistema de medição possibilita, também, o acesso remoto pela concessionária, ou seja, medição, interrupção e ligação.

Desse modo, a nova tecnologia aumenta o controle na medição e acesso aos medidores pela concessionária e, ao mesmo tempo, dificulta o contato do dispositivo ao consumidor.

Contudo, mesmo com chips instalados no alto de um poste, em via pública, acondicionado em uma caixa de distribuição lacrada, persistem imputações relacionadas irregularidades de forma unilateral.

Além disso, o nosso ordenamento brasileiro não admite a cobrança de multa e recuperação de consumo alicerçada em prova produzida unilateralmente, em desrespeito aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, sendo que o ônus da prova acerca da veracidade dos dados inscritos no TOI compete à concessionária, não podendo presumir-se a má-fé do consumidor.

4. DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

A legislação consumerista (Lei nº 8.078/1990), no artigo 22, estabelece que:

Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionária ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros enquanto aos essenciais, contínuos.
Portanto, a concessionária de serviço público submetida às disciplinas do artigo 175 da Constituição Federal c/c artigo 22 da Lei 8.078/1990 que rezam sobre o tratamento das relações entre poder concedente e o usuário do serviço, assumindo o dever do legislador em fomentar a organização e melhoria dos serviços públicos e sua adequada, eficaz e contínua prestação ao consumidor, na pronúncia dos artigos 4.º, VII, 6.º, X, e 22, todos do Código de Defesa do Consumidor.

Posteriormente, o legislador disciplinou o regime de concessão e permissão de serviços públicos, Lei n.º 8.987/1995 (BRASIL (1995).

Ademais, a própria Lei n.º 7.783/1989 (BRASIL (1989)) , em seu artigo 10, inciso I, já estabelecia como essencial o serviço de energia elétrica.

Trata-se de uma evidente relação de consumo, devendo ser regida pelos princípios e normas estabelecidas na Lei nº 8.078/1.990.

Além disso, a relação jurídica entre o usuário e a concessionário é de consumo, já que estão presentes seus requisitos subjetivos, consumidor e fornecedor (artigos 2.º e 3.º da Lei 8078/90) e objetivos, produto e serviço (§§ 1.º e 2.º do artigo 3.º da mesma lei).

Por fim, a responsabilidade civil do fornecedor é de natureza objetiva, salvo se comprovar que o defeito inexistiu ou que decorre de culpa exclusiva do consumidor ou de fato de terceiro, conforme estabelecido no artigo 14, § 3.º, I e II da lei consumerista.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente artigo podemos afirmar que, a indiscriminada lavratura de Termo de Ocorrência de Inspeção, usualmente conhecido como "TOI", procedido por concessionárias de serviços públicos de energia elétrica, alicerçado, unicamente, em resoluções da ANEEL, violam princípios constitucionais e consumeristas.

Por sua vez, o estudo demonstrou a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, em razão da natureza contratual entre o usuário do serviço e a concessionária de energia, portanto, perfeitamente enquadrada nos artigos 2.º e 3.º §§ 1.º e 2.º da Lei Consumerista.

A partir daí surge o questionamento ao procedimento adotada pela concessionária, quando da lavratura de um "TOI" unilateral e sem o devido formalismo, visto que ignora a vulnerabilidade do consumidor, bem como, a possibilidade de inversão do onus probandi, estabelecido no artigo 6.º, inciso VIII da Lei n.º 8.078/1.990, tendo em vista a desproporcional capacidade técnica e econômica.

O estudo, também, abordou os impactos positivos e negativos da tecnologia na aferição do consumo, por medição eletrônica, não podendo representar tal equipamento um meio que dificulte e/ou prejudique o consumidor na apuração de eventual origem da falha e/ou desgaste natural do medidor.

Portanto, os regramentos estabelecidos pelas Resoluções da Agência Nacional de Energia Elétrica têm papel relevante quando da aplicação do Termo de Ocorrência de Inspeção, entretanto, tais procedimentos, em eventual demanda judicial, poderão ser declarados nulos, quando ignorados os princípios constitucionais e as normas da legislação consumerista.

* MAGNUS ROSSI











Advogado militante no Rio de Janeiro;

https://magnusrossi.com.br

Formado em Direito pela Universidade do Grande Rio - RJ (2000);

Pós-graduado em Direito do Consumidor e Responsabilidade Civil pela Universidade Cândido Mendes - RJ (2021) e

Pós-graduado em Direito Médico e da Saúde pela Faculdade Legale - SP (2022)

 Nota do Editor:


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