terça-feira, 4 de abril de 2023

A regularização de imóveis através do Direito Real de Laje


 Autora: Beatriz Mastrange(*)

A era da industrialização prometeu atrair a migração de pessoas em busca de empregos e melhores condições de vida. É inegável que esse fato colaborou para a verticalização das cidades de modo irregular. 

A construção de "puxadinhos", ou melhor, de lajes é comum em áreas de comunidades e subúrbio. As famílias se perpetuam em terrenos, que anos antes abrigavam apenas uma casa simples composta por um pavimento. 

Nesse sentido, ao apontar o fenômeno da verticalização se entende que não se trata de um condomínio edilício, mas sim de construções compostas por acessos independentes, bem como água, esgoto e luz individualizados para cada residente. 

Desse modo, sob um ponto de vista particular, o "puxadinho" é uma característica cultural suburbana que ganhou força na voz do povo e foi aceita goela abaixo pelo Estado, uma vez que esse tem o poder para a regularização urbana e cobrança de impostos. 

Sendo assim, o Direito Real de Laje foi reconhecido pela Medida Provisória 759/2016 e, posteriormente, inserido pela Lei 13.465/2017 no Código Civil. O legislativo foi forçado a reconhecer essa forte cultura suburbana em uma tentativa de cumprir o disposto no Art. 6º, caput da Constituição Federal, que estabelece que o ser humano tem direito a moradia.

No que pese a edição não mais recente do dispositivo que versa sobre o Direito Real de Laje, a prática ainda se traduz em passos lentos para reconhecimento e declaração desse direito de propriedade. 

O povo de nacionalidade brasileira possui um costume passado de geração em geração de construir patrimônio para que se perpetuem a filhos e netos. Assim, cada vez mais tem sido uma realidade a regularização dessas construções junto ao Ofício de Registro de Imóveis, afinal, a máxima é "só é dono quem registra". 

Diante disso, o procedimento para regularização da laje se performa com a averbação da construção sobreposta ou sotoposta na matrícula do imóvel principal e, após, com a abertura de nova matrícula e remissão da construção-base, consoante dispõe o Art. 176, §9º da Lei de Registros Públicos.

Por conseguinte, a lei é clara ao afirmar que a laje somente poderá ser reconhecida se a construção principal estiver devidamente regular junto ao Cartório de Registro de Imóveis competente.

Desse modo, se considerar que esses imóveis estão localizados em áreas em que a renda é baixa, a informação acerca da segurança jurídica é precária e os custos para regularização são elevados, é evidente que tampouco a construção principal estará regular, o que demanda uma declaração da propriedade de forma conjunta.

No entanto, a laje possui uma forma de aquisição derivada, uma vez que se trata de um contrato bilateral; porém, pelos fatores acima relacionados, a maior parte desses contratos são realizados de modo verbal, o que não descaracteriza a validade do negócio.

E, muito embora seja inequívoca a validade, a regularização da propriedade judicial ou extrajudicial são absolutamente formais e exigem o mínimo de comprovação acerca do acordo celebrado, o que é, sem dúvida, um obstáculo para o procedimento de regularização. 

Considerando esse óbice, os juristas editaram o Enunciado 627 da VIII Jornada de Direito Civil para declarar a possibilidade de Usucapião para o Direito Real de Laje, em uma certeira tentativa de tornar a regularização da construção independente da prévia regularização do imóvel principal. 

Acontece que, na prática, o juízo ainda é cético quanto a essa possibilidade e vem impedindo que a regularização da laje e da construção principal sejam distribuídas em conjunto e, tampouco entendem que existe um interesse de agir e legitimidade se o sujeito pretende distribuir uma ação para regularização somente da laje, alegando que por ser uma forma de aquisição derivada, uma Cessão de Direitos seria a solução. 

Ora, um instrumento de Cessão de Direitos Aquisitivos claramente não possui a segurança jurídica que o posseiro deseja alcançar quando ele manifesta o interesse em ajuizar uma ação para ter o seu direito de propriedade garantido.

E esse obstáculo prático apenas perpetua um problema que já existe em nossa sociedade há anos acerca da irregularidade urbanística e também se traduz em prejuízo aos Municípios, que não possuem controle acerca do crescimento das cidades; da segurança na construção nas mais diversas áreas; e da possibilidade de cobrança de imposto. 

Por fim, o Direito Real de Laje merece ser mais explorado por atuantes e militantes do Direito Civil para que o acesso à justiça seja possível àqueles que desejam obter o direito de propriedade e, assim, desenvolva ainda mais as cidades e a habilitação urbanística. 

Referências:

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13465.htm https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6015compilada.htm https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/1210

* BEATRIZ ANTUNES MASTRANGE BASTOS

























Advogada inscrita na OAB/RJ 226.047, 
Graduada 
Pós- graduação em
  -Direito do Consumidor pela UNESA(2020); 
   -Direito de Família e Sucessões pela UNISC,
(2021) e 
   -Direito Imobiliário, Registral e Notarial pela UNISC(2020) 

Site: www.beatrizmastrange.com

Instagram: @beatriz_mastrange

Nota do Editor:

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