terça-feira, 12 de agosto de 2025

O trabalho invisível dos Cuidadores


 

@ Ana Celina Ribeiro Ciancio Siqueira


Cuidar, verbo transitivo direto, tem, entre os seus diversos sentidos, o de "ter cuidado, tratar", sentido que o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa ilustra com as seguintes citações: "A velha tapuia Rosa já não podia cuidar da pequena lavoura que que lhe deixara o marido" (Inglês de Sousa, Contos Amazônicos, p. 3); "elas lavam, cozinham, passam roupa. Cuidam das crianças da casa" (Ana Elisa Gregori, Os Barões de Candeias, p.5)

O cuidado é necessário. Crianças têm direito ao cuidado parental efetivo, assumido por pais e mães ou por outros cuidadores; pessoas com doenças e outros agravos à saúde têm direito ao cuidado especializado e suporte emocional que favoreça a cura e o bem-estar; idosos têm direito ao cuidado indispensável ao envelhecimento saudável. O trabalho de cuidado é fundamental para o bem-estar das pessoas em todas as fases da vida, desde a infância até a velhice, promovendo a saúde física e mental, o desenvolvimento social e a autonomia.

Todas as atividades e relações que envolvem o cuidar de outras pessoas, incluindo tarefas domésticas, assistência a crianças, idosos e pessoas com deficiência, além das que promovem o bem-estar e o desenvolvimento humano estão abrangidas no conceito de "trabalho de cuidado". Esse trabalho, que é essencial para a sociedade, muitas vezes é invisível, desvalorizado e recai desproporcionalmente sobre as mulheres. Observe-se, a propósito, que as transcrições constantes do Aurélio explicitam que são "elas" as responsáveis pelas atividades descritas.

E assim é. No mundo todo, mulheres e meninas são as principais responsáveis pelo trabalho de cuidado, dedicando muito mais tempo e esforço a esses misteres do que os homens e frequentemente trabalhando sem nenhuma retribuição de cunho pecuniário ou, quando há, mediante pagamento inferior ao salário mínimo. Estima-se que elas realizem 76% do trabalho de cuidado não remunerado. A sobrecarga de trabalho de cuidado impacta na vida dessas meninas e mulheres, reduzindo suas oportunidades de educação, emprego e renda.

Sob o ponto de vista econômico, o trabalho de cuidado, especialmente o não remunerado, é ignorado pelas politicas públicas e pela economia, sendo visto como um "não trabalho" ou um custo, em vez de um investimento. No entanto, ele tem um valor econômico significativo, contribuindo para a economia global. Relatório da Oxfam estima que o trabalho de cuidado realizado por mulheres e meninas corresponde a pelo menos US$ 10,8 trilhões por ano, mais de três vezes o valor da indústria de tecnologia mundial.

Quando se trata do trabalho de cuidado, são desafios a serem enfrentados reconhecer e valorizar o trabalho de cuidado, tanto o remunerado quanto o não remunerado, como um trabalho essencial para a sociedade e para a economia, redistribuir a responsabilidade pelo trabalho de cuidado entre homens e mulheres, o setor público e o privado, para garantir que ele não seja uma barreira para a igualdade de gênero e para a participação das mulheres na economia, implementar políticas públicas que apoiem o trabalho de cuidado, como creches acessíveis e de qualidade, licenças remuneradas para cuidado de crianças e idosos, e serviços de apoio para pessoas com deficiência.

O enfrentamento desses desafios é condição para a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável propostos pela ONU, compromisso assumido pelo Brasil de forma a tentar diminuir os problemas que o mundo enfrenta, como as desigualdades sociais, a fome, a pobreza, além de outros.

O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 8 - "Trabalho Decente e Crescimento Econômico" – faz parte da Agenda 2030 da ONU e visa promover um crescimento econômico sustentável, inclusivo e produtivo, além de garantir emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos. Este objetivo reconhece a importância do crescimento econômico como um meio para melhorar as condições de vida e a redução da pobreza, mas também enfatiza a necessidade de que este crescimento seja sustentável e inclusivo, garantindo que os benefícios sejam distribuídos de forma justa entre todos.

Para que o trabalho de cuidado seja um trabalho de decente, a OIT propõe a adoção do "Marco dos Cinco Erres": 

1) Reconhecer: retirar o trabalho de cuidado da invisibilidade, fazer com que seja enxergada sua importância e dimensão;

2) Reduzir: atuar pela diminuição da desigualdade de gênero na distribuição dessas atividades; 

3)Redistribuir:atuar pela coletivização dessa responsabilidade, o que pode ser feito mediante benefícios sociais quanto pela instituição de serviços públicos de apoio; 

4) Recompensar: estabelecer patamares legais para os trabalhadores e trabalhadoras que atuam profissionalmente na área de cuidado, inclusive com pagamento de remuneração digna; e

5) Representar: incentivar e apoiar a participação das mulheres para que os problemas possam ser vistos em perspectiva de gênero.

Alguns países pelo mundo tentam compensar as mulheres pela realização do trabalho invisível. Aposentadoria antecipada, creches públicas, apoio a idosos e licença parental são políticas adotadas na economia do cuidado, mas ainda não se reconhecem direitos trabalhistas às pessoas que trabalham nessas condições de invisibilidade. Essa pauta também precisa ser incluída nas discussões que tratam do desenvolvimento econômico da sociedade como um todo.

Em resumo, o trabalho de cuidado é tema central para a igualdade de gênero, o desenvolvimento econômico e o bem-estar social. É preciso reconhecer a sua importância, redistribuir a responsabilidade por ele e implementar políticas públicas que o apoiem, garantindo que ele seja, também, uma modalidade de trabalho decente.

ANA CELINA RIBEIRO CIANCIO SIQUEIRA















-Graduação em Direito  pela Faculdade de Direito da USP (1973);

-Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 2a.Região (1993);

-Secretária - Geral Judiciária do TRT da 2a.Região (2004);

 - Secretária do Tribunal Pleno do TRT da 2a Região (2004); e

- Comendadora da Ordem do Mérito Judiciário do Trabalho da 2a.Região (2005)

Nota do Editor:

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