sábado, 10 de setembro de 2016

A quem interessa o analfabetismo no Brasil?


“A nação não sabe ler. (...) Não saber ler é ignorar o Sr. Meireles Queles, é não saber o que ele vale, o que ele pensa, o que ele quer, nem se realmente pode querer ou pensar. 70% dos cidadãos votam do mesmo modo que respiram: sem saber por que nem o quê. Votam como vão à festa da Penha, por divertimento. A constituição é para eles uma coisa inteiramente desconhecida. Estão prontos para tudo: uma revolução ou um golpe de Estado.” 

As palavras acima são de Machado de Assis em meados do século XIX e é atual por refletir a intencionalidade de perpetuar o analfabetismo no Brasil. Além da utilização do analfabetismo para motivos eleitorais, Anibal Ponce, escritor e filosofo argentino, nos ajuda nesta reflexão quando afirma que: o Estado necessita de “um povo manso e resignado, respeitoso e discreto, um povo para quem os patrões sempre tenham razão. (...) Só um povo ‘gentil e meditativo’ é que poderia suportar sem ‘discussão’ a exploração feroz. E esse povo de que o Estado necessita é o que a escola se apressa em preparar”. Esse mesmo povo que para as classes dominantes não precisa aprender a ler e escrever, também precisa acreditar que não sabe nada. 

A sociedade Brasileira necessita de políticas de inclusão e qualificação, para ensinar a ler e escrever aos pequenos aprendentes e àqueles que não aprenderam na idade própria. O analfabetismo é uma expressão descrita como “processos de exclusão sociocultural, uma vez que não saber ler e escrever não afeta a competência intelectual ou o discernimento moral dos sujeitos”, porém, causa uma incompletude cultural que abarca todos os fazeres do ser humano. Preocupar-se com essa incompletude é relevante para todos que querem um país sem amarras. 

Em 1872, quando se realiza o primeiro censo nacional, o índice de alfabetizados é apenas de 17,7% entre pessoas de cinco anos e mais. Segundo os dados do CEALE (Centro de Alfabetização Leitura e Escrita da UFMG) a partir do século XX, esse índice vai sempre progredir, embora permaneça, até 1960, inferior ao índice de analfabetos, que constituem 71,2% em 1920, 61,1% em 1940 e 57,1% em 1950. Em 1960, pela primeira vez, conseguimos inverter a proporção: contamos então com 46,7% de analfabetos. A partir de então as taxas caem sucessivamente, 1970 a 2000, para 38,7%, 31,9%, 24,2% e 16,7%. 

Os analfabetos funcionais também estão na casa dos milhões, eles são a prova do fracasso do nosso oneroso sistema escolar. São também a prova de como a propaganda do Estado é precisamente para esconder o fracasso econômico e político do país e mostrar que há crescimento e igualdade para todos. Mesmo assim, os dados não conseguem esconder o problema do analfabetismo. Em última pesquisa realizada pelo IBGE é revelado que um em cada cinco brasileiros são analfabetos funcionais, o INAF (Instituto Nacional de Analfabetismo Funcional) fala em 75% da população brasileira. 

Um século após as palavras de Machado de Assis, o entusiasta da educação - Darcy Ribeiro incomodado com o fracasso escolar, expõe: “O fracasso educacional não se explica, obviamente, pela falta de escolas – elas aí estão, numerosíssimas – nem por falta de escolaridade, uma vez que estão repletas de alunos, sobretudo na primeira série, que absorve quase metade da matrícula. Muitos fatores contribuem para este fracasso. (...) A razão causal verdadeira não reside em nenhuma prática pedagógica. Reside, isto sim, na atitude das classes dominantes brasileiras para como o nosso povo. (...) A criança das classes abonadas que têm em casa quem estude com ela, algumas horas extras, enfrenta galhardamente esse regime escolar em que quase não se dá aulas. Ele só penaliza, de fato, a criança pobre oriunda de meios atrasados porque ela só conta com a escola para aprender alguma coisa. Aqui está o fulcro da questão: nossa escola fracassa por seu caráter elitista. (...) O pequeno favelado comendo pouco e mal, cresce raquítico. (...) Toda sua inteligência está voltada para a luta pela sobrevivência autônoma, em esforços nos quais alcança uma eficácia incomparável” 

Quem são os milhões de analfabetos produzidos pelo sistema de ensino brasileiro? São os pobres que necessitam vender sua força de trabalho desde muito cedo. Garantir o acesso à instrução escolar é uma dívida histórica com os milhões de cidadãos privados deste direito. O processo de desenvolvimento da sociedade brasileira não tem dado suporte para que as condições mínimas de sobrevivência das classes populares sejam garantidas. Juntamente com questões básicas, como alimentação, moradia, trabalho, lazer está a instrução escolar. 

Mais uma vez, recorremos à Darcy Ribeiro para encerrar essa reflexão: “Uma classe dominante feita de senhores de escravos ou de descendentes deles é uma classe enferma que carrega em si, a herança hedionda dos gastadores de gente. Para este patronato, o negro, o escravo e, por extensão, o preto forro e ainda todo povo, é uma mera força de trabalho, é uma massa energética desgastável, um carvão humano que se queima na produção. (...) Seu destino e suas aspirações não lhes interessa, porque o povo, gente comum, os trabalhadores, são uma mera força de trabalho, destinada a ser desgastada na produção.”

Referências:

ASSIS, Machado de. História de 15 dias. In: COUTINHO, Afrânio (org). Machado de Assis, obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar S.A., 1997, p.344;

CEALE, Orientações pra a organização do Ciclo inicial de Alfabetização, número 1, Belo Horizonte, 2004;

FERRARO, Alceu Ravanello - Analfabetismo e níveis de letramento no Brasil: o que dizem os censos? Educação e Sociedade, Campinas, vol.23,n.81,p.21-47, dez.2002;

PONCE, Aníbal. Educação e luta de classes. São Paulo, Cortez; 1996; e

RIBEIRO, Darcy. O livro do CIEPs, Rio de Janeiro, Governo do Estado; 1986.

Por ANA PAULA SANTANA


















-Graduada em Pedagogia e Psicopedagogia pela Universidade do Estado de Minas Gerais;
-Participou da implementação do Programa Brasil Alfabetizado/MEC/FNDE em Belo Horizonte, atuando com o planejamento das ações, coordenação de turmas e formação de professores alfabetizadores;
-Coordenou a implementação de turmas de alfabetização de trabalhadores da construção civil em conjunto com movimentos sociais no Estado de Minas Gerais;
-Ministra formação de professores visando implantar estratégias para o ensino de jovens e adultos e
-Integra a Associação Mineira de Psicopedagogia e compõe o quadro de diretores do Centro Integrado de Apoio ao Trabalhador.

2 comentários:

  1. o Brasil é um barco que ainda não afundou por sorte!ou milagre!

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  2. O objetivo das classes dominantes nunca muda, é proibido ensinar o povo a pensar. Não é por acaso que o oprimido aplaude o opressor. A palavra de ordem é analfabetismo e desigualdade muito triste.

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