domingo, 25 de setembro de 2016

Distorcendo a realidade




As distorções da realidade são muito mais comuns do que se imagina. Tais distorções não se restringem àqueles que romperam com a sanidade mental. Esta habilidade, ao contrário, é inerente ao ser humano. Não é aprendida, necessariamente. Distorcer cognitivamente a realidade é quando se pensa de acordo com normas e padrões oriundos aos eventos da vida, e que, portanto, nem sempre contam com a percepção, raciocínio e consciência adequados. 

Logo, as distorções cognitivas são basicamente maneiras erradas de processar uma informação, ou seja, interpretações erradas do que ocorre em redor, gerando múltiplas consequências negativas. As pessoas que sofrem de depressão, por exemplo, têm uma visão da realidade na qual as distorções cognitivas exercem um papel principal. Em maior ou menor medida, todos os seres humanos apresentam, alguma vez na vida, algum tipo de distorção cognitiva, e saber detectá-las e analisá-las ajuda a ter a mente mais clara, desenvolvendo atitudes mais realistas e, acima de tudo, positivas. 

No entanto, as distorções da realidade convergem para o sofrimento psíquico, e isto é inevitável ou a quem distorce a realidade, ou àquele que sofre a consequência desta distorção. Isto porque, diante de uma distorção cognitiva da realidade, como consequência, o indivíduo desenvolve complicações emocionais que afetarão suas atitudes frente às mais variadas situações.


Segundo Epicteto, já no século 1 d.C, “A PERTURBAÇÃO EMOCIONAL NÃO É CRIADA PELAS SITUAÇÕES, MAS PELAS INTERPRETAÇÕES DESSAS SITUAÇÕES”. Isto é tão atual que explica o fato da tendência humana a cometer erros constantes em seu pensamento. Com frequência, há uma tendência sistemática negativa no processamento cognitivo dos pacientes que sofrem de um transtorno psiquiátrico (Beck, 1976), por exemplo. Embora alguns pensamentos automáticos sejam verdadeiros, muitos são falsos ou apenas possuem algumas parcelas de verdade.

Abaixo são apresentadas as distorções cognitivas mais frequentes, descritas nas seguintes categorias:

  • Inferência arbitrária: (conjunto de respostas) refere-se ao processo de se chegar a uma conclusão específica na ausência de provas para sustentá-la, ou quando as provas são contrárias à conclusão.

  • Maximização ou minimização: (conjunto de respostas) refletem-se em erros, na avaliação do significado ou magnitude de um acontecimento, grosseiros a ponto de se constituírem em distorções.

  • Pensamento dicotomizado ou absolutista: (conjunto de respostas) manifesta-se na tendência a colocar todas as experiências em uma de duas categorias opostas, por exemplo, perfeito ou defeituoso, imaculado ou imundo, santo ou pecador. Na descrição de si mesmo o paciente seleciona a categorização negativa extrema.

  • Hipergeneralizações: (conjunto de respostas) refere-se ao padrão segundo o qual formulam-se regras ou conclusões gerais na base de um ou mais incidentes isolados, e se aplica o conceito em espectro amplo, a situações relacionadas e não relacionadas ao(s) incidente(s).

  • Personalização: (conjunto de respostas) diz respeito à propensão do paciente a relacionar ocorrências externas a si mesmo, quando não existe base para estabelecer essa relação.

  • Abstração seletiva: (conjunto de estímulos) consiste em focalizar um detalhe retirado do contexto, ignorando outros aspectos mais salientes da situação e conceituando a totalidade da experiência com base nesse fragmento.


Segundo Abert Ellis, fundador da Terapia Racional Emotiva Comportamental (TREC), aspectos das psicopatologias são resultados de processos de pensamento disfuncional. Para este autor, os desvios cognitivos são crenças irracionais. 


As crenças irracionais podem ser classificadas em:
  1. Afirmações aterradoras: exageram as consequências negativas;
  2. Obrigações, deveres e necessidades: demandas irrealísticas;
  3. Afirmações de avaliação do valor humano, ou de si próprio ou dos outros (um ter mais valor que os outros);
  4. Afirmações de necessidade: exigências arbitrárias para a felicidade e sobrevivência.


As crenças podem sofrer modificação, apesar de esta não ser uma tarefa fácil. A Terapia Racional Emotiva Comportamental (TREC), fundada por Abert Ellis, é um processo de tratamento que ajuda os pacientes a modificarem crenças e comportamentos que produzem certos estados de humor. As estratégias terapêuticas da abordagem cognitivo-comportamental envolvem trabalhar três fases:

1) foco nos pensamentos automáticos e esquemas referentes à suposta patologia;
2) foco no estilo da pessoa relacionar-se com outros; e
3) mudança de comportamentos, a fim de obter melhor enfrentamento da situação problema.


A TREC se baseia no pensamento realista, isto é, na extensão em que se pode conhecer a realidade. Uma das vantagens da TREC é o caráter de participação ativa do paciente no tratamento, de modo que ele (ou ela) é auxiliado a:

a) identificar suas percepções distorcidas;  
b) reconhecer os pensamentos distorcidos e buscar pensamentos alternativos que reflitam a realidade mais de perto;  
c) encontrar as evidências que sustentam os pensamentos distorcidos e os alternativos; e  
d) gerar pensamentos mais acurados e dignos de crédito associados a determinadas situações em um processo chamado reestruturação cognitiva.


Assim, o paciente é ensinado a identificar os pensamentos, fazer o teste de realidade e corrigir os conteúdos distorcidos e as crenças disfuncionais subjacentes. 

As estratégias de reestruturação cognitiva visam ensinar o paciente as seguintes modificações: 

  1. Observação e controle dos pensamentos irracionais e negativos;
  2. Exame das evidências contrárias e favoráveis aos pensamentos distorcidos;
  3. Correção das interpretações tendenciosas por interpretações calcadas na realidade, o que geralmente resulta na redução sintomática.

Esta reavaliação e correção das cognições distorcidas permite ao paciente perceber que na grande maioria das vezes estava hipervalorizando negativamente uma situação e desvalorizando sua capacidade de enfrentamento (Hofmann, 2004). 

A técnica da Reestruturação Cognitiva procura desafiar diretamente as crenças irracionais ou disfuncionais, modificando-as ou substituindo-as por outras mais adaptativas. (Taylor, Woody, Koch, McLean & Anderson, 1997). Contudo, também se deve à natureza psicoeducacional da TREC, que promove o automonitoramento, a autorregulação (PatelisSiotis, 2001), o aumento da auto-eficácia (Mansell, Colom, & Scott, 2005), a adesão à farmacoterapia, previne recaídas (Colom et al., 2003) e modifica estilos cognitivos, tornando-os adaptados, mesmo na vivência de eventos estressantes (Colom et al., 2003; Patelis-Siotis, 2001).

A TREC é uma das maneiras de se exercitar e promover a saúde psíquica. Existem diversas abordagens para isso. No entanto, através desta breve explicação sobre o funcionamento psíquico, o que se pretendeu aqui é desmistificar o próprio funcionamento quando dos seus entraves, tão corriqueiros no cotidiano. Ainda, outra proposta é o convite a que se faz ao exercício constante para a promoção de saúde. Vamos à terapia?


Por ANA CAROLINA CABRAL










- Psicóloga formada pela UNIMEP; 
- Mestre em psicologia pela PUCCAMP leciona tanto na graduação como na pós graduação desde 2007 ; 
- Estudiosa da terapia racional emotiva (REBT); 
- Foco de trabalho junto aos alunos e pacientes: funcionamento psíquico do ser humano; 

- Foco de estudo: 

- A relação mãe e filho e os seus desdobramentos psíquicos, especialmente no que tange ao stress e ao sentimento de raiva; 
- Trajetória profissional : 
- Por 6 anos na psicologia das organizações, e mais especificamente, na área de recursos humanos aonde trabalhou nas adaptações do homem no que tange as relações laborais; 
- Após esses anos migrou para a área clínica e mantém –se nesta até hoje; 
- Professora e supervisora de Terapia Comportamental Cognitiva; 
- Atuou por 5 anos como psicóloga hospitalar em uma unidade básica de saúde no município de Campinas e nesta atuação, acolhia as demandas daquela específica população junto ao grupo de profissionais ali também atuantes, realizando, além da psicoterapia individual, muitos projetos e atividades de terapia grupal: grupos de gestantes, para controle do tabagismo, para adolescentes em situação de risco, de crianças e de aconselhamento familiar, além de atuar na contenção de crises; e 
- Atualmente atua no atendimento individual e em grupo de seus pacientes há mais de 13 anos, independente das mais variadas demandas, seguindo como base teórica a Teoria Racional Emotiva de Albert Ellis.

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