segunda-feira, 2 de abril de 2018

Lula pode ir para a prisão?


Em que pese o feriado cristão da Páscoa trazer a reflexão sobre o perdão, um dos assuntos centrais da semana que o segue é o julgamento do Habeas Corpus preventivo em nome do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva – candidato já anunciado do Partido dos Trabalhadores. 

Além de toda uma certa volúpia em encarcerar, para usar os termos da sustentação de Battochio, o evento traz à tona uma das discussões que torna a eleição de 2018 um mosaico de inusitadas possibilidades a serem apreciadas pela Justiça Eleitoral. Sobre estas, e uma em especial, trataremos num artigo posterior. 

Ocorre que na quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal irá decidir pela concessão ou na da ordem do remédio constitucional que, em pouco tempo, pelo o que está sendo arguido, modificará um recente julgado acerca da prisão antes do trânsito em julgado de sentença condenatória, entendimento da súmula n° 122 do TRF-4ª região que, frise-se, contraria expressamente comando constitucional – mas assim também entendeu o STF, pelo menos até quarta feira. 

Entretanto, em que pese esta ser a "quaestio iuris" tão trabalhada e discutida pelos juristas desde a mudança de entendimento do Supremo, em especial por conta do julgamento de Lula, sendo inclusive o arguido pelo ex-ministro Sepúlveda Pertence no STJ, ao passo que foi negado já que "este Tribunal não decide sobre a Constituição, e se assim entende o STF, não temos competência para tal". 

Mas para além desta discussão – a ser decidida na quarta – o ex-presidente Lula poderia ser encaminhado para uma prisão? Façamos uma análise legal e jurisprudencial. O Princípio da Reserva Legal dispõe sobre o que não está proibido, apontando para uma clareza da definição legal, especialmente no âmbito aqui trabalhado[1]. Fosse este aplicado à pretensão executória do Estado frente ao indivíduo, teríamos como sua manifestação os diplomas que disciplinam tal relação, começando pela Constituição Federal. 

Neste sentido, proibe-se o tratamento desumano ou degradante, assim como a tortura (Art. 5º, III), vedando-se as penas de morte (salvo em caso de guerra declarada), de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e as crueis ( Art. 5º, XLVII). A Constituição, em suas disposições primárias sobre o castigo pautado pelo contrato, assegura aos presos o respeito à integridade física e moral (Art. 5º, XLIX) e dispõe por quais meios as penas se darão (Art. 5º, XLVI). 

É importante notar a importância da sistematização destes dispositivos, para o que concerne neste trabalho, no seu caráter constitutivo da pena legal, que correlaciona o exercício hermenêutico de "tratamento desumano ou degradante", "tortura" e "cruéis", com o "respeito à integridade física e moral". Para além de interpretações pontuais, caso a caso, que flexionem a taxatividade legal por conta da individualização da pena, operando em único sentido possível, a saber, o mais benéfico, encontrar o que não seria uma pena dos termos do inciso III e XLVII e que ao mesmo tempo respeite o disposto no inciso XLIX é o mesmo que localizar no concreto exercício executório da pena, no mínimo, o disposto em toda a legislação de garantias individuais e execução penal. 

Desta feita, não só o disposto na Constituição e na Lei de Execuções Penais, como nas Resoluções do CNPCP – Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária[2], nas portarias do DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional[3] e do CNJ – Conselho Nacional de Justiça[4], assim como portarias interministeriais, como é o caso das do Ministério da Saúde[5]. O sentido hermenêutico é o mesmo no caso das normas internacionais, haja vista a prevalência dos Direitos Humanos (Art. 4°, II) e equivalência de emendas constitucionais a tratados e convenções internacionais sobre Direitos Humanos assinados pelo Brasil (Art. 5º, LXXVIII, §3º) dispostos na Constituição Federal. 

Assim, como delineadores da pena legal, incorrem também o descrito na Declaração Universal dos Direitos do Homem[6], nas Regras Mínimas para Tratamento de Reclusos da ONU[7], no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos da ONU[8], na Convenção Americana de Direitos Humanos[9], no Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão da ONU[10], nos Princípios Básicos para o tratamento de reclusos da ONU[11], na Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes da ONU[12] e a Convenção Interamericana para prevenir e punir a tortura da OEA[13]

Para além desta arquitetura legal, a jurisprudência mais recente do Supremo, como o julgamento liminar da ADPF 347[14] dá conta do Estado de Coisas Inconstitucional, em outras palavras, sistemática ilegalidade em todo o sistema carcerário brasileiro, fato notório – desta maneira, nem Lula, nem ninguém, poderia estar acautelado em qualquer uma das unidades prisionais do país,haja vista a ilegalidade da prisão, no que tange à execução penal, sendo a prisão domiciliar a única hipótese possível dentro dos limites da Lei. 

Isto posto, o julgamento de quarta-feira, que em muito trará animosidade para o cenário político do país, e as eleições deste ano não estão de fora disso, para além de por a prova o próprio Supremo acerca de sua mudança de pensamento quanto à presunção de inocência, colocará, também, a aplicabilidade de sua própria jurisprudência, frise-se, unânime e comemorada pela Corte – dentro deste mosaico, qual será a escolha dos guardiões da Constituição?
REFERÊNCIAS

[1] Sobre isto, em especial à normas penais, v. Princípio de Estrita Legalidade em FERRAJOLI, Luigi. 

[2] Todas as Resoluções disponíveis em http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/cnpcp-1/resolucoes/resolucoes acessado em 30/03/2018. 


[4] Portarias, assim como seus respectivos programas e publicações disponíveis em http://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario-e-execucao-penal acessado em 30/03/2018. Sobre a matéria, ver em especial o Plano de Gestão para o funcionamento de Varas Criminais e de Execução Penal, disponível em http://www.cnj.jus.br/images/programas/justica-criminal/plano-gestao-varas-criminais-cnj.pdf acessado em 30/03/2018. 

[5] Nesse sentido, v. Portaria que institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) disponível em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2014/pri0001_02_01_2014.html acessado em 30/01/2017 e a 2ª edição do Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário, disponível em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/plano_nacional_saude_sistema_penitenciario_2ed.pdf acessado em 30/03/2018. 

[6] Disponível em http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf acessado em 30/01/2017. 








[14] STF, ADPF 347 MC, Rel. Min. Marco Aurélio, J. 09.09.2015, Dje 18.02.2016.” CUSTODIADO – INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL – SISTEMA PENITENCIÁRIO – ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL – ADEQUAÇÃO. Cabível é a arguição de descumprimento de preceito fundamental considerada a situação degradante das penitenciárias no Brasil. SISTEMA PENITENCIÁRIO NACIONAL – SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA – CONDIÇÕES DESUMANAS DE CUSTÓDIA – VIOLAÇÃO MASSIVA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS – FALHAS ESTRUTURAIS ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL – CONFIGURAÇÃO.

POR FERNANDO HENRIQUE CARDOSO NEVES













-Advogado;
-Professor;
-Colaborador no InEAC/UFF e
-Mestrando no PPGSD/UFF, e Pós-Graduando em Direito Eleitoral.

Nota do Editor:


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Um comentário:

  1. Caríssimo professor, somos leigos e mortalmente preguiçosos quanto a leitura, mas penso que degradante e desumano é o que vemos no Brasil, policiais mortos, dias sim e outros também, balas rasgando os céus e almas inocentes, nossos sistema de saúde onde morremos todos os dias, nosso sistema prisional caótico, nossas estradas esburacadas, tudo devido ao fato de termos leis e interpretes que mudam seus entendimentos de acordo com o cliente.

    No caso desta alma desonesta, nunca antes tivemos um oportunidade de termos tudo alinhado para nos alçar ao crescimento, mas devido a sua má índole e a certeza da impunidade garantida tanto pelas leis como pelas togas escolhidas a dedo, essa desgraça não só roubou como deixou roubar.

    Lula enganou o Brasil e o mundo com suas falácias e bravatas, hoje ele está colhendo o que plantou; presunção de inocência no caso dele é presunção de mau caratismo dequem julga e de quem defende...

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