quarta-feira, 18 de abril de 2018

Venda Casada É Mala Despachada?




O Poder Constituinte Originário trouxe para a Constituição Federal de 1988, Constituição Cidadão, que o Estado promoverá, na forma da Lei, a defesa do consumidor, nos termos do inciso XXXII, Art. 5º, no título dos Direitos e Garantias Fundamentais.

Procurando regulamentar o dispositivo constitucional, o legislador derivado, o Congresso Nacional, decretou e a Presidência da República, sancionou a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, que traz em seu bojo a proteção e a defesa do consumidor.

Face o introito legal e histórico trazemos à baila no campo da hipótese, ainda que a realidade não seja diversa, uma dada situação em que compramos um bilhete ou passagem aérea para um destino qualquer, Rússia talvez, por motivo de férias, trabalho ou jogos da copa do mundo, enfim, independentemente dos motivos iremos viajar.

Determinado o destino não esqueçamos que ao tratarmos de viagem in tese reportamos às bagagens que são dimensionadas a depender do itinerário a ser percorrido ou do tempo dispendido e, é nessa hora! Quando elas estão arrumadas que deparamos com uma segunda compra, casada? Veremos!, mas que no mínimo constrange e onera o consumidor, bem como retira seu direito de escolha já que sua bagagem deve acompanhá-lo no voo da companhia aérea na qual comprou sua passagem. 


Passado a hipótese lúdica, claro é a vedação ao fornecedor de produto ou serviço condicionar sua oferta a outra. Vejamos:


"Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: 
I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos; (grifo nosso)"
 Assim, qualquer ato que venha de encontrou a norma, ainda que revestido de norma, é passível de criar situações que podem refletir na relação de consumo, dando ensejo a uma espécie de venda casada sui generis talvez.

Logo, a cobrança de bagagens pelas empresas aéreas sem deixar margem de escolha quando da contratação do serviço fere claramente a legislação consumerista e como dito restringe a liberdade do consumidor.

Talvez, quem sabe, pensando nisso ou naquilo ou em alguma coisa, a Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC, com a edição da Resolução nº 400/2016, conseguiu “apimentar” a celeuma existente entre consumidor e as companhias aéreas quando do despacho de bagagens, por excesso ou não de peso, o pagamento e certo.

Com a Resolução nº 400/2016 concedeu-se às empresas o direito de praticar a venda de passagens aéreas com diferentes franquias de bagagens despachadas ou até mesmo sem a franquia, para o usuário que optar por não utilizar esse serviço, como se fosse uma opção viajar e deixar a bagagem em casa. Assim, não restam alternativa a não ser desembolsar um "pouquinho", se considerarmos os "preços módicos" das passagens aéreas oferecidos em nosso país, o serviço encareceu.


Evidente que as regras devem ser dispostas no contrato, só não esqueça que o contrato é de adesão, no qual não há margem de escolha para o consumidor e se houver será mínima que talvez não reflita no preço final.


A luz do Código de Defesa do Consumidor, o contrato de adesão remete aquele em que as cláusulas são estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor do produto ou serviço, elidindo o consumidor de discutir ou modificar o conteúdo do contrato de forma substancial, nos termos do caput do Art. 54, da lei em comento. Vejamos, in verbis:

"Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. (grifo nosso)"
Das informações sobre bagagens a Resolução da ANAC trouxe no seu Art. 13, caput, que o transporte de bagagem despachada configurará contrato acessório oferecido pelo transportador.

Ora, se o contrato é acessório em tese poderia ser efetuado por outro transportador, mas quando tratamos de bagagem de cunho pessoal ficamos atrelados a empresa ou transportador no qual compramos o bilhete ou passagem, sem nenhuma liberdade de escolha e logicamente aderindo ao contrato acessório de adesão.


Justiça seja feita, temos sim permissão, não direito, de uma franquia de 10 (dez) quilos na bagagem de mão, contudo sua dimensão e quantidade serão dispostas no contrato de adesão, nos termos do Art. 14, verbis: 

"Art.14. O transportador deverá permitir uma franquia mínima de 10 (dez) quilos de bagagem de mão por passageiro de acordo com as dimensões e a quantidade de peças definidas no contrato de transporte. (Grifo nosso)"

Logicamente, não queremos, aqui, incitar repulsa ou descrédito, pois temos plena consciência que não devemos e não podemos levar na bagagem todos os nossos pertences, ou "mudança", já que existe um serviço especializado para isso. Contudo, devemos sopesar, também, que o preço das passagens ofertadas no mercado é bastante elevado se consideramos o trecho a ser percorrido.

Evidentemente que a ANAC vem promovendo mudanças no marco regulatório da aviação civil brasileira dentre elas a Resolução nº 400/2016, que definiu "direitos" e deveres dos consumidores usuários do transporte aéreo, com o intento de ampliar o acesso ao transporte aéreo, bem como diversificar os serviços oferecidos ao consumidor e gerar incentivos para maior concorrência e consequentemente menores preços. No entanto, o consumidor usuário deste serviço ainda não percebeu significativa mudança, pelo menos na conta do benefício.

In fine, percebe-se, ou pelos menos se infere que ANAC, ainda que cumprindo seu papel de órgão regulador da aviação civil brasileira, com o devido poder de policial que lhe é peculiar acabou criando com a aludida Resolução, de certa forma, cláusulas contratuais ideais para as empresas fornecedoras e prestadoras de serviços aéreos distante do ideal consumerista.


Portanto, ainda que não seja flagrante a venda casada vale a pena à discussão para que possamos dirimir dúvidas e observarmos se o direito do consumidor não está sendo preterido. 





REFERENCIAL

Artigo. Bagagens. Disponível em: http://www.anac.gov.br/assuntos/passageiros/bagagens. Acesso em: 26/03/2018;


Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 27/03/2018; 

Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm. Acesso em: 25/03/2018;

Resolução nº 400, de 13 de dezembro de 2016. Dispõe sobre as Condições Gerais de Transporte Aéreo. Disponível em: http://www.anac.gov.br/assuntos/legislacao/legislacao-1/resolucoes/resolucoes-2016/resolucao-no-400-13-12-2016/@@display-file/arquivo_norma/RA2016-0400.pdf. Acesso em: 21/03/2018. 

POR ELLCIO DIAS DOS SANTOS













-Advogado graduado pelo Centro Universitário de Desenvolvimento do Centro Oeste - UNIDESC, Luziânia/GO; 

 -Especialista em Direito do Consumidor e Responsabilidade Civil pela AVM/Universidade Cândido Mendes; Graduado em Ciîencias com habilitação em Matemática, São Luis/MA pela Universidade Estadual do Maranhão - UEMA; e
- Servidor Público Federal.

Mora em Brasília/DF.

Nota do Editor:
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2 comentários:

  1. Caríssimo, Deus criador do Universo criou os 10 mandamentos, nós humanos os 10 milhões. No Brasil a expertise para ludibriar o consumidor está sempre nas entre linhas. Penso que sempre que alguém ou alguma lei se propõe a nos proteger, alguém ou alguma empresa leva vantagem...

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  2. Muito bom. Que o direito do consumidor seja sempre observado.

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