segunda-feira, 22 de abril de 2019

O Bom e Velho Senso Comum


Autor: Alceu Albregard  Jr.

Quem não usa o famoso Facebook hoje em dia? Pouca gente. Ainda que meio desgastado já, pessoal fugindo para outras redes, mas, acho que pouca, mas muito pouca gente deixa de dar uma olhadinha na sua timeline vez por outra.

Na minha timeline vejo "amigos" que postam sobre carros novos, carros velhos, (me desculpem... raridades), cozinha, cinema, música, futebol, corridas, religião, e, claro, política. E constato algumas peculiaridades entre os grupos dos quais recebo os chamados "posts".

Me parece que, diferente dos grupos que comentam sobre carros, cozinha, música, cinema, aqueles que comentam sobre futebol, religião e política são os mais efusivos, mais animados, mais senhores de si.

Os primeiros parecem ter sempre dúvida sobre qual o carro mais envenenado, o jantar mais saboroso, o melhor filme, a música mais legal. Nesses grupos, leio opiniões variadas, uns perguntam as opiniões dos outros, buscam informações, pesquisam antes de comentar, ou nem pesquisam, e, vez por outra, fazem piadas. Sim, piadas. Afirmações contrárias, irônicas, que são consideradas de forma leve, elegante até, pelos demais. Enfim, não vejo bafafá.

Umas poucas discussões que leio, se prendem à marca, ao ano de fabricação, o autor da música, o artista do filme. Já nos outros três grupos, estes não. 

Quem coloca assunto nesses três grupos tem certeza inabalável daquilo que fala. Tanta certeza que a ofensa recíproca sai fácil, a agressividade foge ao controle e, logo em seguida, vemos os ataques frenéticos. 

-Foi falta...

-Claro que foi. 

-Claro que não foi, seu....

Ou ainda:

-Jesus disse .... 

-Não, foi Moisés quem disse...

-Foi Jesus sim, seu... escreve o outro.

E o que temos em comum nestes três últimos grupos? 

A meu ver, temos a FÉ! 

A fé imensa do ser humano, que se prende àquilo em que acredita em tudo, sem ver. Discordar de alguém que tem fé, que seja religiosa, seja amante do futebol, ou da política, é colocar esse alguém em uma situação terrível, pois é nela que deposita sua inteligência, seu viver.

Acreditar que o atual governante fará um país melhor em quatro anos, é questão de fé. 

Mas, e quanto aos fatos? Os fatos, para quem tem fé, não têm importância.

E no Brasil, pós um período de censura de livros, de aulas, de músicas, de tudo, temos ainda essa grande e maravilhosa novidade. Temos o surgimento das minorias e todas essas minorias com voz, com direito a falar, de se fazerem ouvidas.

E as minorias se juntam nos grupos das "redes sociais", outra grande novidade que surge, permitindo a qualquer pessoa dizer o que quiser, para quem quer que queira ler. 

Este canal, a rede social, deveria fazer resplandecer a verdadeira democracia das opiniões.

Libertas das mordaças que durante décadas tolheram a sociedade, as diversas correntes de defesa das minorias passaram a se manifestar pelas redes sociais. Desacostumadas da sensação de liberdade, essas vozes invadiram, com seus pontos de vista inovadores, todos os segmentos da cultura brasileira. 

As minorias mais liberais (vou chamar de liberais) se extravasaram durante as primeiras décadas, livres como elas só, colocando de escanteio os grupos conservadores que, desacostumados com o enfrentamento, com as palavras soltas, com a forma mais ríspida de exposição de seus argumentos, sequer conseguiam responder. 

Os canais de comunicação mais óbvios, como programas populares de rádio e televisão, a literatura, pintura, teatro, música, enfim, todos os meios de divulgação, passaram a refletir essa nova manifestação das visões peculiares dessas minorias. E elas passaram a dar publicidade à sua nova forma ver, passaram a ditar as normas do que é viver em sociedade. 

Até este ponto, as redes se tornaram o canal de manifestação daqueles liberais que, ao verem uma opinião contrária, vociferavam a imprimir sua opinião, seguida em coro quase unânime dos demais. Os conservadores, acuados, ficaram em silêncio sem saber como responder.

Mas, pouco a pouco, como nada é eterno, surgiram novos conservadores. Estes novos conservadores passaram a usar esses mesmos canais e passaram a responder aos liberais no mesmo tom de voz. Também passaram a se fazer ouvidos. Surgem os atritos.

E ressurge a democracia. Aí sim, uma verdadeira democracia de ideias e opiniões.

Extremos? Sim, claro, há extremos em ambos os times. Estes, também minorias, cada uma de seu lado.

Com todos os atritos, com toda a briga pela fé, penso que passamos a redefinir nossa sociedade. Outrora por décadas provinciana e enraizada em ideias conservadoras que obrigavam a divulgar apenas seus iguais, rechaçando as mudanças, evitando uma evolução, evitando a modernização, a sociedade brasileira encontra-se, a meu modo de ver, perdida, sem uma personalidade sólida que a possa definir. 

Ideias existem as mais variadas, as mais sem sentido. As boas ideias se perdem na torre de babel que se criou.

Penso que não há mais um só Brasil. Há vários. Há tantos brasis quantos possa definir cada minoria que se manifesta.

O velho senso comum que dizia o que era crime e o que não era, desapareceu. Assim como desapareceu o que veio depois. 

Desapareceu aquela imagem de que os liberais extremados eram a verdadeira expressão da maioria. Desapareceu a ideia de que a sociedade, a maioria das pessoas, queria uma revolução total dos costumes.

E por outro lado, a maioria, assim definida como aquele grande grupo de pessoas que partilha do mesmo "senso comum"sequer sabe definir, hoje, o que seja crime ou inocência. Para alguns, uma criança, assistindo a cenas do corpo nu de um adulto, é cultura. Para outros, crime de pedofilia. 

A lei que se vire para ser aplicada.

Quantos extremos... Exemplos para citar, de noção de certo ou errado, que se perderam com o tempo, seriam muitos, mas acho que expus minha ideia, portanto, prefiro parar por aqui.

O crime, que antes era algo que cada brasileiro tinha certeza de que era errado, hoje perdeu sua definição social. Crime, para parte da sociedade, parece ser "qualquer coisa, qualquer ação" praticada por pessoa do partido oposto àquele em que deposita sua fé.

Respeito e educação, então, são temas que uma enorme quantidade de minorias entende como subserviência, algo imposto pela classe conservadora para exigir um comportamento adequado e, sendo assim, são comportamentos que podem ser deixados de lado.

Aquela noção de certo ou errado, de acordo com o ideal da maioria do povo, se acabou. 

Por enquanto.

Digo "por enquanto" porque temos de viver. Todo "ser vivo" preza por sua sobrevivência. E somos seres vivos, cada brasileiro o é. 

E como tal, brasileiros, somos "seres" que dividem espaços, que coabitam o mesmo chão, falam a mesma língua, respiram o mesmo ar, assistem o mesmo amanhecer e o mesmo anoitecer.

Quando compartilhamos o chão em que pisamos, somos obrigados a encontrar uma fórmula para convivência. E as minorias se chocam. Se atritam. Procuram seu espaço. Os direitos de uma minoria se colidem com os direitos de outra minoria. 

Assistimos a dificuldade dos ciclistas em dividir seus espaços com veículos automotores e pedestres. A permanente dificuldade de convivência entre os mais fortes e os mais fracos. 

Mas todos acabam por encontrar seu lugar. O maior, machuca. Essa é uma norma da natureza. Essa norma, não é revogada pelo homem. 

A lei vem depois do ato consumado, a lei vem depois dos danos, dos machucados. A lei vem para fazer alguém pagar pelo que aconteceu. Depois que aconteceu. 

A lei, escrita, só pode dizer o que o maior, ou o menor, pode ou não pode fazer. A lei pode dizer o que acontece com quem não cumpriu a lei. Mas depois, quando a lei entra, já machucou.

Portanto, a fórmula de convivência mútua, de um conviver tranquilo entre as minorias, quando cansarem de se machucar, acabará por gerar uma nova maioria, que não será ditada apenas pela lei, pelas normas ou pelos decretos. Mas sim, pela convivência entre todos. 

E esse dia chegará quando, em lugar da fé para nortear seus pensamentos, as minorias praticarem o respeito à opinião contrária, passarem a ter educação em suas discussões. Esse dia chegará quando as minorias passarem a se conversar. Quando a política deixar de ser questão de fé, quando os fatos voltarem a ser importantes.

Um comportamento comum emergirá deste mesmo solo que habitamos. É o encontro das diferenças que acabará por tornar evidentes tanto as coisas comuns da grande maioria como as diferenças entre as minorias.

É o que espero! É com o que sonho! Que diminuam os atritos! E espero que seja logo! Espero que surja logo a grande maioria que conheça de novo as noções de certo e de errado. Uma maioria que conheça as noções do que seja crime e do que seja inocência. Para mim, essa maioria vai representar um novo "senso comum".

Pode até ser um senso comum diferente do meu, mas que seja a noção de uma verdadeira maioria. E, sabe, eu confio na maioria. A maioria não costuma errar.

Mas eu confio naquele grupo grande de pessoas que têm opinião semelhante, não na maioria que parece ser maioria só porque grita mais alto.

E espero, mesmo, e com muita fé, que surja logo esse novo "senso comum", que a meu ver, não será melhor, nem pior, do que o velho "senso comum". Ele será apenas um novo"senso comum" dos brasileiros.

*ALCEU ALBREGARD Jr.










-Advogado tributarista e imobiliário nas horas pagas e
-Escritor de Contos e Crônicas nas horas vagas e não pagas.

Nota do Editor:

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