quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Usucapião familiar

Autora: Daniela Nascimento(*)


Tema relativamente novo consolidado pela lei 12.424/2011 que por meio da inclusão do artigo 1240-A do Código Civil, institui o usucapião familiar.

O qual se constitui como a aquisição de propriedade decorrente o exercício da posse por dois anos ininterruptos e sem qualquer oposição, com a posse direta e exclusiva sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados), cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

Com a disposição legal, o que se busca é na verdade resguardar é proteger a família a qual foi abandona, ou seja, prevalecendo a proteção e os direitos dos hipossuficientes na relação e preservação da dignidade da pessoa humana, tanto dos filhos ou demais membros desassistidos e principalmente do cônjuge que permanece no imóvel, fazendo muitas vezes destemidos sacrifícios para segurar a sua sustentabilidade e arcando na integralidade com a sua manutenção.

Assim, não parece justo e menos ainda coerente, que o cônjuge que por qualquer motivo, ou sem explicação razoável se ausente do lar desassistindo integramente os outros membros do núcleo familiar, que na maioria das vezes são os seus dependentes diretos, e eventualmente em seu retorno, quando lhe for mais conveniente ou oportuno, seja premiado com a sua dissidia e negligência com o direito a metade do imóvel que muitas vezes foi reformado e melhorado, ou ainda, quitado pelo cônjuge que nele permaneceu.

Todavia, para a integral aplicação do artigo é imprescindível à presença dos requisitos legais, tais quais: abandono afetivo da instituição familiar, nesse sentido não é apenas a saindo do imóvel da família, ou ainda, a separação de fato com o afastamento do lar, e sim, o total abandono da família e o poder familiar. Esse é mais o importante requisito, é necessário que haja o efetivo abandono da família, sem qualquer amparo, cuidado ou ajuda, ou seja, a verdadeira desassistência tanto material quanto moral.

Ainda sim, o abandono físico do imóvel deverá ser por no mínimo 02(dois) anos, e mais, o cônjuge que no imóvel permaneceu deverá ter exercida a posse direta e exclusiva, não sendo assim tolerado qualquer fracionamento do domínio do bem, como por exemplo, a locação do imóvel ou ainda empréstimo.  E mais, é imprescindível que o bem seja utilizado para a moradia, seja do cônjuge ou de sua família, fortalecendo assim, a intenção do legislador em focar o dispositivo legal, como uma verdadeira proteção a instituição familiar e moradia com essa finalidade.

Em atenção aos requisitos acima é que foi editado o enunciado 595 da VII Jornada de Direito Civil:

"O requisito "abandono do lar" deve ser interpretado na ótica do instituto da usucapião familiar como abandono voluntário da posse do imóvel somado à ausência da tutela da família, não importando em averiguação da culpa pelo fim do casamento ou união estável."
Logo, é necessário que o abandono seja, tanto do imóvel como da família, ou seja, ausência de afetividade e recursos materiais.

Outro requisito importante denotado é figura de quem tem a legitimidade ativa para requerimento, sendo tanto o cônjuge ou companheiro que permanecer no imóvel, não fazendo qualquer distinção aos dois, assim como, não há qualquer impedimento que seja aplicado também em relações homoafetivas, demonstrando o legislador efetiva aplicação do instituto da isonomia e resguardo a pluralidade das relações afetivas e familiares.

Ainda sim, é necessário que o imóvel seja o único da família, e tenha metragem limitada ao estabelecido no artigo e seja em perímetro urbano, merecendo singela reprovação quanto essa limitação da localização, considerando que há diversas famílias em áreas rurais que merecem a mesma tutela jurisdicional e que foram excluídas sem qualquer justificativa razoável, todavia a farta jurisprudência abrange a sua aplicabilidade em zona rural, corrigindo a falha legislativa.

Ressaltando por derradeiro, que o usucapião deve figurar sobre bens comuns do casal:

Nesse sentido a doutrina de Luciana Santos Silva[1]:

"(…) o imóvel pode ser fruto dos regimes de comunhão total ou parcial, bem como do regime de participação final de aquestos em havendo no pacto previsão de imóvel comum e, ainda, no de separação legal, consoante Súmula nº 377 do STF, que dispõe que os bens adquiridos na constância do casamento se comunicam. Quanto ao regime de separação convencional de bens, resta afastada a possibilidade de utilização do instituto uma vez que nesse regime não há perspectiva de comunicação de patrimônio entre cônjuges e companheiros."
      
Há evidentes questionamentos e divergência na doutrina e jurisprudência sobre essa modalidade de usucapião, por abandono de lar que atinge inegavelmente as famílias com menor renda, mas é de prestigiar e enaltecer a intenção do legislador em nítida proteção a camada da sociedade de menor renda econômica e maior vulnerabilidade, que somente tem um único bem, e se encontram em situação de total desalento e desassistência.

Sendo infelizmente muito comum e contumaz com que os provedores da casa simplesmente abandonem os lares, desamparado os seus parentes, visando assim, a legislação proteger essas famílias e os cônjuges que permanecer no imóvel, em reverência a dignidade da pessoa humana e a função social da propriedade, trazendo um pouco mais de esperança e justiça a essa situação tão desfavorável em muitos lares desse país.

Referência

[1] SILVA Luciana Santos . Uma nova afronta à Carta Constitucional: usucapião pró-família. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/artigos/detalhe/752.


*DANIELA DIAS DO NASCIMENTO
                                                
-Advogada-sócia do escritório DN Advocacia; 
- Bacharel em Direito pela Unicsul – ( 2010); 
- 011 2289-1583/ 011 99601-8198 e 
- Atua principalmente nas áreas de Direito de Família, Cível, Imobiliário e Consumidor, especialmente com divórcios, pensões, partilhas de bens, inventários, desenvolvimento e análise de contratos entre outros.

Nota do Editor:

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