terça-feira, 25 de agosto de 2020

O Aumento da Expectativa de Vida e a Tomada de Decisão Apoiada



Autora: Taísa Carneiro(*)

A expectativa de vida do brasileiro tem aumentado consideravelmente nas últimas décadas, ampliando, por consequência, a parcela da população idosa do país. Supõe-se que chegar à longevidade é aspiração de todo ser humano ao imaginar o seu próprio futuro, isto é, poder vivenciar todos os ciclos naturais da vida. Porém, é importante refletir e se prevenir, de antemão, para os desafios que, por ventura, surjam em decorrência de vulnerabilidades típicas que venham acometer a pessoa nessa fase da vida, comprometendo o pleno gozo de seus direitos fundamentais. 

Nesse sentido, é possível atuar para coibir que as opiniões e vontades desse público-alvo se tornem indiferentes ou ignoradas por quem possa, eventualmente, assumir algumas de suas tarefas, zelar pela pessoa mais frágil nessa etapa. Com esse desígnio, surgiu no mundo jurídico, o instrumento da "Tomada de Decisão Apoiada" para tentar se sobrepor a um instrumento de reputação desgastada: a "Interdição". 

Os referidos expedientes são, resumidamente, utilizados para conduzir situações nas quais o indivíduo não possua a capacidade necessária para a prática de determinado ato da vida civil. Dessa maneira, depreende-se que não se concretizam apenas em caso de senilidade, mas a quaisquer casos nos quais haja prejudicada alguma faculdade fundamental do indivíduo para decidir determinada situação da sua vida civil, autonomamente. Dessa forma, qualquer pessoa que se encontre temporariamente ou definitivamente incapaz deverá ter o auxílio de alguém para ajudar a assegurar e promover seu direito à dignidade da pessoa humana, garantido pela Constituição Federal. 

Contudo, a meta no presente tópico é focar a "Tomada de Decisão Apoiada" na temática do idoso, haja vista o aumento da expectativa de vida reportado e a análise do previsível aumento desse tipo de demanda judicial como corolário natural desse cenário. Entende-se que a longevidade traz aspectos desafiadores, como a dificuldade da manutenção da qualidade de vida, em alguns casos, como consequência de uma degeneração física ou mental natural. 

É de conhecimento de todos que a Constituição de 1988 foi um marco na história do Brasil, principalmente no que tange à afirmação dos direitos individuais e dos direitos sociais. Não obstante, o país tem grande dificuldade em efetivá-los, sobretudo em garantir esses direitos num período tão longo, pois para Organização Mundial da Saúde (OMS) e efeitos legais, idoso é todo mundo acima dos 60 anos. 

Num país em que a desigualdade ainda prevalece, assegurar condições para um envelhecimento saudável e digno de uma sociedade é uma tarefa, no mínimo, complexa, o que resulta em uma aumento de casos de enfermidades e negligência. 

Conforme a professora Leides Moura[1], da Universidade de Brasília, afirma: "O Brasil, sendo um país de desigualdades, mantém os idosos em uma situação de vulnerabilidade à medida que não são oferecidos apoio e condições básicas para que estas pessoas possam ter mobilidade, sociabilidade, segurança e saúde, por exemplo." 

A curatela é o instituto jurídico pretendido geralmente pelos familiares para legalizar o seu papel de amparar, cuidar e proteger a pessoa considerada incapaz. Há muita confusão ainda acerca da diferença entre os termos Tutela e Curatela. Ambos visam proteger incapazes, mas é importante a distinção, pois a Tutela é relacionada ao menor de idade, já a Curatela é destinada à assistência de pessoa adulta que possui alguma incapacidade. Dessa forma, por exemplo, os pais de uma pessoa com 16 anos, portadora de Síndrome de Down, serão seus tutores. Já esse mesmo filho, ao completar 18 anos não será mais tutelado, mas sim, poderão ter a sua curatela, pelo atingimento da maioridade. 

Retomando ao tópico sobre a repercussão de alguns aspectos do envelhecimento, é natural que, com ele, surjam algumas dificuldades no dia-a-dia. A questão que se coloca é: Quem, de fato, está sujeito à tutela/curatela? A resposta, resumidamente, é: pessoas que apresentem incapacidade oriunda de uma consequência que a incapacite para administração da própria vida. 

A interdição propriamente dita, se tornou uma medida "contra indicada", por ser considerada demasiadamente severa na maioria dos casos, sendo ela mais usada para situações em que a pessoa considerada incapacitada não possua condições reais mínimas de expressar sua vontade; ausência de consciência. 

Desde 2016, com a entrada em vigor do instituto da "Tomada de Decisão Apoiada", por meio do Estatuto da Pessoa com Deficiência – EPD (Lei nº 13.146/2015), também conhecida como Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, a orientação é que o tema seja abordado de forma a humanizar a situação do curatelado, conferindo-lhe maior protagonismo na própria vida. 

Nessa lógica, a lei veio tentar conceder um olhar para a preocupação com o contexto e a complexidade da existência da vontade/ preferências, apesar da incapacidade para determinados atos especificados. Melhor dizendo, tentar não terceirizar toda a decisão da vida do outro ao curatelado e, por consequência, admitir maior autonomia da pessoa. 

Antes do surgimento desse instituto já havia tentativas pontuais de interpretações da interdição nesse sentido, como a campanha de origem do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e desenvolvida pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPGE RJ) que tinha como tema: "Interdição parcial é mais legal", em contraposição à interdição total. 

Envelhecer traz, notoriamente, maior fragilidade ao indivíduo. É importante que isso seja reconhecido pela sociedade, mas faz-se necessário se abster de orientar-se pelos extremos, nos quais tendem-se ou a romantizar todo o processo de envelhecimento, revelando-o de forma simplista, lançando mão de eufemismos, como “a melhor idade”, ou a desconsiderá-lo, no qual o idoso passa a sentir-se desvalorizado e ignorado. 

A Interdição advém de um processo judicial, na qual o curador fica responsável por administrar toda a vida da pessoa, com a necessidade de prestação de contas anual ao Ministério Público. O Curador vai representar os atos da pessoa. Como mencionado, esta é uma medida excepcional e protetiva no intuito de verificar quais os atos da vida civil que aquela pessoa, de fato, não pode praticar. 

A inclinação do judiciário tem sido em promover o instituto, absolutamente novo, da Tomada de Decisão Apoiada como alternativa à Curatela tradicional. 

O art. 84, §§ 1° e 3° do Estatuto da Pessoa com Deficiência, explicita como a curatela deve ser vista no ordenamento jurídico brasileiro: 

"Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas. 
● 1º Quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei. 
● 3º A definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível." 

Sem rodeios, a Tomada de Decisão Apoiada funciona como uma forma de assistência, na qual o portador de necessidades especiais irá escolher duas pessoas de sua confiança para ajudá-lo a gerir os seus atos da vida civil.O referido instituto foi também inserido no Art. 1.783-A Código Civil de 2002, com a seguinte redação legal: 

"Art. 1.783-A. A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade." 

Percebe-se, de acordo com as mudanças inseridas, que a curatela deixou de ser um instrumento tão invasivo. Agora, o magistrado está limitado a concedê-la de forma cada vez mais individualizada, sempre observando os limites da deficiência e, quando necessário, se valendo de equipe multidisciplinar para lhe ajudar a tomar a melhor decisão acerca da ação. 

Em recente caso de Interdição, 2016, em decisão, proferida pela Vara de Família e Sucessões da Comarca de Rio Verde-GO, a juíza Coraci Pereira da Silva, entendeu que não era caso de curatela total/absoluta, pois entendeu que, com os avanços trazidos pela Lei Brasileira de Inclusão, deveriam ser observados para quais atos civis o requerido estaria impossibilitado de exercer e dessa maneira proferiu sentença detalhando, os pontos acerca das limitações ao qual ele estava sujeito: 

"A curatela apenas afetará os negócios jurídicos relacionados aos direitos de natureza patrimonial, não alcança nem restringe os direitos de família (inclusive de se casar, de ter filhos e exercer os direitos da parentalidade), do trabalho, eleitoral (de votar e ser votado), de ser testemunha e de obter documentos oficiais de interesse da pessoa com deficiência. Assim, não há que se falar mais em "interdição", que, em nosso direito, sempre teve por finalidade vedar o exercício, pela pessoa com deficiência mental ou intelectual, de todos os atos da vida civil, impondo-se a mediação ou atuação exclusiva de seu curador. Cuidar-se-á, apenas, de curatela específica, para determinados atos. (grifou-se)." 
Desse modo, verifica-se que, com a Tomada da Decisão Apoiada, faz-se necessária também uma diligência bastante assertiva por parte do judiciário e sua equipe multidisciplinar, já que, algumas condições apresentadas com a idade mais avançada surgem em ciclos e etapas, podendo ter avanços repentinos, como um caso de demência, por exemplo. 

Um hipótese como essa poderia alterar a constatação realizada em audiência e consulta prévia pelo perito médico/psiquiátrico, por exemplo, nas quais se baseou a decisão, pois a atualização do fato real concreto pode não acompanhar o tempo do parecer e a decisão, tornando-as desatualizadas, principalmente com a frequente morosidade do judiciário.

Dessa forma, para que a deliberação seja suficientemente assertiva e não seja resultado de uma interpretação demagógica, é necessário um verdadeiro acompanhamento multidisciplinar minucioso e maior celeridade do judiciário para que, a decisão possa efetivamente conferir a proteção adequada à pessoa com deficiência. 

Dessa maneira, vale ressaltar que, tanto o tradicional processo de interdição (total ou parcial), quanto a Tomada de Decisão apoiada são "ferramentas" temporárias, ou seja, podem ser revistas e levantadas, bastando que para tanto seja comprovado o retorno da capacidade civil pelo deficiente. Por isso, há sim, ainda, situações que necessitam de uma escuta e exames mais minuciosos antes de decidir pela Tomada de Decisão Apoiada por imposição de tendência, já que, em casos comprovadamente excepcionais, deixar de decidir por uma proteção considerada mais rígida, poderá, na prática, estar deixando de proteger realmente. 

REFERÊNCIA

2 comentários:

  1. Concordo, mas vou além. Mais uma vez o estado/judiciário produz uma lei cheia de demagogia, e apoiada em preceitos ireais que forçam as familias a ficar reféns de um processo infindável e de juizes egocentricos que muitas vezes par de abster de uma decisão forçam algo que não só não funciona como legitimam um problema. Se o idoso está fora de seu normal, como pode ele saber que conselho seguir?

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    1. Olá, Felipe.

      Realmente a Tomada de Decisão Apoiada ainda é um instituto muitos novo no Brasil e muitos casos estão servindo de "leading cases" para os operadores do Direito se posicionarem sobre o tema. Realmente, cada caso é um caso e a necessidade de uma verificação pormenorizada e atualizada da situação da pessoa devem ser os aspectos principais a serem levados em conta para se estabelecer a real necessidade ou não de uma interdição ou se seria mais ideal aplicar a " Tomada de Decisão Apoiada". Entendo que há determinados casos que, realmente, este instrumento poderia se mostrar deficiente para o real problema enfrentado. Por isso, a celeridade no judiciário e as perícias da equipe multidisciplinar serem fatores de suma importância para ajudar num parecer que oriente a decisão do juiz.

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