segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Giloca


 

Autor: Benedito Godoy(*)

 

Este conto é baseado em uma uma história real. Alteramos as identidades a fim de evitar eventuais constrangimentos.

Giloca, Cotinha e Zulmira eram amigas desde a infância. Cresceram em uma pequena e pacata cidade do interior paulista. Estudaram juntas e sempre unidas. Namoraram, casaram, tiveram filhos. Os filhos cresceram e vieram os netos. Uma, após a outra, ficaram viúvas. Mas a amizade sempre continuou forte e firme entre elas.

No início dos anos 50, Giloca mudou-se para São Paulo. Quando voltou a passeio, não pode deixar de visitar Cotinha e Zulmira.

Cotinha e Zulmira colocaram a conversa em dia, contando as novidades que aconteceram depois que Giloca mudou-se para a cidade de São Paulo.

Giloca ouvia tudo com atenção. Quando perguntada, ela contou que a saudade das amigas era grande, mas que no local que estava morando era muito bom e as pessoas excelentes. Tanto assim que já fizera amizade com todo mundo e todo mundo a conhecia.

A conversa, que se iniciara pela manhã, estendeu-se até a noite, quando se despediram.

Pouco tempo depois, no finalzinho do ano, Cotinha e Zulmira, resolveram que seria interessante e agradável, fazer uma visita à amiga Giloca para retribuir a visita dela. E a oportunidade estava ali pertinho: o dia 25 de janeiro de 1954, data do aniversário da cidade de São Paulo e que cairia numa segunda-feira, propiciaria a possibilidade de saírem sexta-feira, chegarem no sábado e ficarem até segunda-feira com a amiga querida. Mas iriam em uma visita surpresa. Entretanto, não queriam ir de "mãos abanando". Assim Cotinha resolveu que faria pães caseiros para levar, não se esquecendo de prepará-los como aprendera, ou seja, para ficarem saborosos e bem feitos, a massa tinha que ser amassada como a quem se quer bem e sovado como a quem não se gosta. Zulmira incumbiu-se de fazer o doce que Giloca amava: doce de mamão verde ralado, que ficava deliciosamente bom e lembrava doce de cidra. Para as duas, entretanto, fizeram um gostoso viradinho de frango. Tudo isto, acondicionado em uma cestinha coberta com guardanapo bem branquinho.

Elas prepararam suas malinhas para ficarem os três dias com Giloca e embalaram na cestinha os seus quitutes feitos com tanto esmero e carinho.

Na sexta-feira, quase meia noite, tomaram o trem para São Paulo. Essa viagem, naquela época, durava sete horas. A distância não era tão grande, mas o trem parava em muitas estações. Só para se ter ideia, de ônibus o percurso era mais rápido pela rodovia Raposo Tavares, porém demorava quatro horas, porque a pista não permitia, em muitos lugares, a ultrapassagem, principalmente no trecho de São Roque onde os caminhões andavam em baixíssima velocidade por causa de serra.

Pela manhã Cotinha e Zulmira chegaram em São Paulo na Estação Júlio Prestes, da Estrada de Ferro Sorocabana.

Estava friozinho.

Cotinha e Zulmira se dirigiram a um dos choferes de carro de praça que estava aguardando passageiro e perguntaram se ele poderia levá-las até a casa de sua amiga.

Solícito, o chofer disse que sim e abriu as portas para as duas. Elas entraram, colocaram a cestinha entre elas e suas malinhas no colo. O motorista entrou, sentou-se ao volante e gentilmente perguntou:

- Para onde as senhoras desejam ir?

- Toca para a casa da Giloca! - Cotinha respondeu sem titubear.

- Tudo bem, - respondeu o chofer - mas e o endereço?

- A Cotinha já disse – respondeu Zulmira – Na casa da Giloca!

- Sim, mas preciso do endereço – reafirmou o chofer.

- Moço, a Giloca contou-nos que todo mundo, aqui em São Paulo, a conhece! Como o senhor não a conhece! Ela é fácil de se notar: tem cabelo vermelho e é gorda, se bem que ela não gosta que a gente fale isso. Além do mais, mora numa casa com portãozinho amarelo, uma gracinha! – respondeu Cotinha.

- Por favor moço – pediu Zulmira – estamos cansadas da viagem e queremos visitar nossa amiga querida! O senhor poderia levar-nos, logo, até ela?

- E agora – pensou o chofer - elas estão no automóvel, são duas senhoras idosas. Pedir para descerem ficará ruim e irá depor contra mim perante meus colegas e a fiscalização.

O pobre chofer, não sabendo como sair dessa enrascada, deu partida e começou a pensar:

- Tenho que achar uma solução!

Pensa e pensa, mas não vê solução alguma.

Começando a ficar nervoso, enquanto as duas tagarelam no banco traseiro, ocorre ao motorista:

- Já que estou trabalhando desde a madrugada e, graças a Deus, já fiz umas corridas que dão para o dia, vou voltar para minha casa e lembrei-me que lá perto tem uma casa com portão amarelo. Paro em frente ao portãozinho, recebo o valor da corrida e nem bem elas descem do carro eu vou embora o mais rápido possível. É isso mesmo que farei. Depois, infelizmente, elas que se virem para tentar encontrar essa tal de Giloca ou voltar para a estação a fim de retornarem à sua cidade.

Pensado isso, assim o fez.

Após rodar e quase chegando a sua casa, procurou uma casa com portãozinho amarelo. Quando achou, parou o automóvel, falou a elas o valor da corrida. Elas pagaram. Desceram e ele, imediatamente, partiu o mais rápido possível, logo perdendo-as de vista.

Cotinha e Zulmira, com suas malinhas e a cestinha, chegam até o portãozinho amarelo, colocaram as malinhas no chão e batem palmas para chamar a moradora.

A porta se abre e quem aparece para atende-las? GILOCA!

- Giloca, somos nós que viemos fazer uma visita surpresa para você! – falou Zulmira.

- Giloca, tenho que contar uma coisa para você – segredou Cotinha – o chofer de carro de praça que nos trouxe da estação até aqui é um grande mentiroso...

- É verdade Giloca – complementou Zulmira – ele tentou dizer que não sabia quem era você, mas sabia sim quem era, pois, como você contou-nos, todo mundo em São Paulo já conhece você...

*BENEDITO GODOY MORONE

 


 

-Advogado, jornalista e escritor;

-Graduado em Direito  pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco, Universidade de São Paulo(1972); e

-Membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e da Academia Venceslauense de Letras. Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

14 comentários:

  1. Maravilhoso! Giloca! 👏👏👏👏👏👏🇧🇷😂😂😂😂

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  2. Excelente,maneira de escrever muito gostosa

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  3. Muito bom o conto. Narrativa bem engendrada, escrita fluente e gostosa de ler. Parabéns ao autor e ao blog, com muito conteúdo interessante!

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    1. Fico feliz por poder trazer momentos leves e de entretenimento

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    2. Valeu, obrigado pelas palavras amáveis

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  4. 👋👏👏valeu, amigo tatuiano!!!

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  5. Espetacular este conto!E eu super preocupada com a Cotinha e a Zulmira sem o endereço da Giloca!

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  6. Lindo conto! Parabéns!

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  7. Gostei muito! Delícia de leitura,divertida!!!!

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