sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Estou em crise existencial


 Autor: Alberto Schiesari (*)

O desânimo se instalou feito um posseiro dentro de meu ser.

Eu estava com "este" artigo prontinho, revisando-o. O texto era, como sempre, um desabafo em que eu comentava o absurdo que o Brasil vive, dividido entre exasperados lulistas e extremados bolsonaristas. Mas precisei engavetar o artigo original e escrever este outro texto, com foco na minha perplexidade e desânimo, percebidos em profundidade após enviar o artigo original a um colega meu, para que opinasse a respeito.

Já já volto a falar sobre isso. Antes, deixem-me dizer algo a respeito de minhas enraizadas convicções a respeito do que é legal, correto, honesto, saudável. Ou não.

No meu entendimento mensalão é crime. Mas há quem ache normal e natural, quem finge que esquece isso, e quem nega que houve. Além, é óbvio, dos que dizem que não sabiam de nada.

No meu entendimento emenda secreta é crime, pois destina dinheiro do povo para coisas secretas, impublicáveis, merecedoras de sigilo por décadas. Mas há quem as defende, quem acha normal e natural, quem se orgulha de ter recebido e quem diz que não queria mas foi voto vencido.

No meu entendimento a corrupção é algo criminoso e inaceitável. Mas há multidões que a praticam, e apoiam quem gasta bilhões para que os instrumentos que a combatem sejam destruídos.

No meu entendimento os governantes de Cuba, Venezuela, Panamá, Colômbia e outros canalhas da mesma cepa, são criminosos. Mas há quem os vê como estadistas, salvadores de suas respectivas pátrias.

No meu entendimento receitar ou induzir o uso de remédios sem ser médico é prática ilegal de medicina, ou seja, crime. Mas para milhões é algo menor, que não deve ser comentado, lembrado ou criticado.

No meu entendimento perdoar criminosos perversos como Cesare Battisti e defender guerrilheiros assassinos como Mauricio Hernández Norambuena é sinal de mau-caratismo. Mas há muita gente que nem liga para esses "detalhezinhos".

No meu entendimento não conceder asilo aos pugilistas cubanos Guillermo Rigondeaux Ortiz e Erislandy Lara Zantaya é pura sem-vergonhice. Mas para milhões de pessoas é algo de que nem se lembram, nem querem se lembrar, assunto proibido.

No artigo original, que joguei na lixeira eletrônica do Windows, a lista de todas essas posturas de esquerdistas e direitistas que eu criticava se estendia por cerca de 50 itens. Isso porque eu queria ser breve, pois acredito que ela se estenderia por mais de 365 itens. Uma esbórnia a cada dia, às nossas curtas.

Queria ter enviado o artigo original para uma amiga muito querida, pessoa maravilhosa, mas não o fiz por saber ser ela uma petista roxa. Não poupo esforços para preservar essa amizade.

Tudo isso foi por terra hoje.

Cometi a insensatez de enviar o artigo original para um conhecido meu, achando que com ele eu tivesse a liberdade de expor meus pontos de vista. Pedi que ele lesse, comentasse, criticasse, desse sugestões. A resposta dele me derrubou, acabou com as fundações de todo meu bom senso e calou fundo na minha alma. Minhas sete décadas de vida desmoronaram.

Recebi uma bronca gigantesca, na qual meu colega disse que entendia o esquerdismo brasileiro basicamente como eu. Ou seja, ele concorda com meus pontos de vista sobre os malefícios que a esquerda causou e ainda pode causar ao Brasil.

Mas ele arreganhou garras e dentes para defender o atual governo. Calmo e pacato que é, tornou-se uma fera.

Ele e minha amiga acima citada são exemplos cristalinos da relatividade dos pontos de vista que cada ser humano tem. Pessoas esclarecidas, com avaliações da realidade totalmente opostas. Convictas imutavelmente de que têm a verdade a seu favor.

É como se para essas pessoas Kant fosse um completo idiota ao ter tido o raio de inteligência que nos fez ver que cada pessoa tem diferentes filtros que a fazem enxergar o mundo do jeito que enxergam. Ou seja, até as convicções mais arraigadas são subjetivas e relativas.

Não sei como, essas pessoas relativizam, reduzem e anulam em suas mentes os grandes defeitos e transgressões dos seus respectivos candidatos, e são implacáveis – tolerância zero – na avaliação do lado oposto, que tem os mesmo defeitos, pratica as mesmas barbaridades, mas com lastro ideológico diferente.

Esquerdistas defendem com fervor bandoleiros de esquerda, dão indultos a assassinos de esquerda, e condenam irrecorrivelmente os oponentes direitistas.

Direitistas fazem apologia de bandoleiros de direita, dão indultos a direitistas flores-que-não-se-deve-cheirar, e não medem esforços para condenar sem dó nem piedade os oponentes de esquerda.

Eu, boquiaberto, fico a me perguntar coisas como as que seguem.

Há alguma linha limítrofe que diferencie crimes iguais cometidos por esquerdistas ou direitistas? Corrupção de esquerda é melhor ou pior do que corrupção de direita? Ambas são boas e normais? Rachadinha de direitista é menos aceitável do que rachadinha de esquerda?

Devo rever meus conceitos sobre o que é crime, o que é safadeza, o que é ilicitude? Até que ponto devo relativizar e ser complacente com quem faz essas coisas?

Devo aceitar mensalão da esquerda? Devo aceitar emendas secretas da direita?

Devo aceitar corrupção até (ou desde) qual ponto? Corrupção de esquerdista é mais decente ou menos decente do que corrupção de direitista? Ou devo imaginar que corrupção não mais existe em nosso país?

Devo aceitar pacificamente que um influencer com muito poder e audiência faça apologia de remédios e condene vacinas, sem ser médico? Sou obrigado a baixar a cabeça para quem pratica ilegalmente a medicina? Devo marcar uma consulta com um "doutor" desses?

Devo aplaudir leis que zeram impostos para jogos eletrônicos, mas cobram altos impostos que encarecem remédios?

Preciso aceitar resignado que criminosos de esquerda e de direita sejam defendidos, perdoados, paparicados?

Preciso entender a extradição dos inocentes pugilistas cubanos como sendo um ato de humanidade?

Vou ter que enfiar na minha cabeça que caixa 2 não é crime, já que "todo mundo pratica"?

Aos governantes, que têm o controle do poder e das finanças do Estado, é permitido cometer quaisquer erros, pois usam tudo o que o poder lhes permite (e mais um pouco...) para saírem ilesos de investigações e para não serem punidos de nenhuma forma.

A máquina e o dinheiro do Estado fornecem infinitos recursos para isentar o alto escalão de qualquer punição, para que mentiras sejam espalhadas, repetidas, e usadas como sabonete para fazer a lavagem cerebral do povo.

Entendo a democracia que o Brasil vive atualmente como sendo muito mais escrachada e libertina do que democracias sérias e sólidas no primeiro mundo. Ela ainda é muito imperfeita, e o viés atual indica que se tornará ainda pior. Preciso fingir que isso não é verdade?

Estou com a cabeça em parafuso pensando em tudo isso, o que me desanima, pois não consigo achar respostas aceitáveis que se coadunem com minha essência.

Devo mudar minha cabeça e relativizar todos os conceitos de honestidade, e ser mais permissivo quanto a crimes e mais complacente com criminosos?

Devo reavaliar meu conceito do que é sem-vergonhice para aceitar as que diuturnamente são praticadas pelos altos escalões deste país?

Devo aceitar sem nenhuma restrição quem diz asneiras inconcebíveis como "Na Venezuela a oposição também não é democrática" ou "Não vou enganar o povo mais uma vez" ? Quer dizer que se situação e oposição não forem democráticas, então tudo bem? Quer dizer que já enganou o povo antes? Ou essas frases – transcrições exatas do que foi dito – foram "tiradas do contexto"? Asneiras deveriam ter limites...

Devo ser condescendente com quem afirma que "O Brasil é um "país de maricas" e "A gente lamenta todos os mortos, mas é o destino de todo mundo" ? Quer dizer que, morrer por morrer, por quê não acelerar isso induzindo ingênuos a ingerirem placebos ou a não se vacinarem?

Devo achar justo que militares e civis de alto escalão tenham empregos sólidos e seguros, com rendimentos de [muito] mais de 100.000 reais por mês, enquanto o povão tem que dar um jeito de viver desempregado, às vezes com esmolas de 600 reais mensais?

Será que conseguirei ter o sangue frio e ser ingênuo a ponto de, no fundo de meu ser, "desencanar" de toda essa nefasta realidade e assistir impassível a tudo isso? Procuro por todo meu ser o botão "Ligar ingenuidade" mas não consigo encontrá-lo.

Será que consigo conciliar meu bolso, que paga impostos, com as inesgotáveis fontes de recursos usadas para fretar jatinhos, subsidiar motociatas, financiar partidos políticos e emendas parlamentares?

Devo seguir tentando mostrar o que penso, ou devo parar de tentar dar o que entendo seja uma contribuição – a que me é possível – para que os brasileiros ingênuos sejam alertados de que devem ficar atentos às mentiras nas quais baseiam seus votos?

Meu bom senso me diz que nosso destino é viver um desastre. Nesse sentido a história é pródiga de exemplos.

O que aconteceu com absolutamente todos os governos de esquerda do mundo? Transformaram-se em ditaduras, em muitos deles a população passa necessidades. Alguns foram derrubados por revoltas populares sangrentas.

E qual foi o destino de todo governo despótico, extremista, tanto de esquerda quanto de direita? Todos os países que passaram por isso transformaram-se em ditaduras. Algumas foram derrubadas por revoltas populares sangrentas.

Alguns governos de esquerda ou de direita radicais conseguiram sucesso na economia, cresceram. Mas nesse caso, quando a barriga e bolso dos cidadãos estão cheios e satisfeitos, sempre começa a se manifestar na mente e na alma das pessoas o desejo da liberdade com justiça. E aí o caldo entorna.

O radicalismo de esquerda conduz a golpes de direita.

O radicalismo de direita leva à ascensão da esquerda radical.

Por quanto tempo ainda seremos obrigados a votar em bolsonaros para tentar evitar que lulas plantem neste país as sementes e raízes de um regime que nunca deu certo em nenhum outro país?

Até quando seremos obrigados a votar em lulas para tentar evitar que bolsonaros instalem neste país as fundações de um regime em que os cidadãos devem ser submissos aos despotismos nascidos de rompantes de sociopatas?

Quando se comemorará o fim dos privilégios de donos de partidos que escolhem quem pode ou não ser candidato?

Conseguirei relativizar meus conceitos, a ponto de parar de estragar minhas amizades com pessoas queridas?

Devo ser um idiota por me preocupar com tudo isso. Felizes são o meu ex-amigo de direita e a minha amiga de esquerda, que já acharam as respostas de todas essas questões.

Talvez eu precise parar de defender uma terceira via. Que se também não se mostrar digna, deve, a meu ver, ser escorraçada, assim como deveriam ser as duas vias hoje vislumbradas.

Enfim, estou em crise existencial. Profunda. Estou estragando amizades de décadas por entender que nosso país está nas mãos de gente especializada em fabricar escândalos um após o outro, todo santo dia. Todos eles de alguma forma relacionados a vantagens financeiras escusas, tentativas de se eternizar no poder e se livrar de punições referentes às suas transgressões das leis.

Às vezes, numa bifurcação, o único jeito de escapar de um desastre é sair do conforto do automóvel e trilhar a pé a estreita vereda de terra esburacada e pedregosa que nos leva a um destino decente. Estou numa encruzilhada dessas. Mas a vida faz um esforço danado para me manter no carro.

Algo me diz que qualquer uma das vias asfaltadas que nascem da bifurcação leva a um abismo. São duas farinhas do mesmo saco. Moscas diferentes, mas as flores são as mesmas.

E assim morrem minhas amizades e minhas esperanças.

*ALBERTO ROMANO SCHIESARI

















-Economista;
-Pós-graduado em Docência do Ensino Superior;
-Especialista em Tecnologia da Informação, Exploração Espacial e Educação STEM; 
-Professor universitário por mais de 30 anos;
-Consultor e Palestrante.

Nota do Editor:

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