quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Uma Análise da Poligamia à Luz do Direito


 Autora: Isadora Marmorato(*)

Neste artigo, veremos resumidamente as perspectivas de filósofos como São Tomás de Aquino, John Finnis e Aristóteles sobre o dilema da poligamia. Embora esses filósofos não tenham tratado especificamente da poligamia, podemos inferir como eles abordariam essa prática com base em seus princípios éticos e morais. Além disso, é possível abordar de forma pincelada os problemas jurídicos que surgiriam com o reconhecimento de uniões poliafetivas, um fenômeno em ascensão na sociedade contemporânea. Tais questões problemáticas em relação a essa modalidade incluiriam os direitos e responsabilidades, proteção de crianças, direito de família de modo geral e sucessões, benefícios fiscais e previdenciários, tendo em vista o sistema legal existente.

Como é cediço, o conceito de direito natural clássico tem raízes antigas, remontando a filósofos como Aristóteles e São Tomás de Aquino – principalmente. Com o direito natural, temos a ideia de que existem princípios universais e inalienáveis que guiam a moralidade e a justiça e, com isso, historicamente, esteve relacionado à concepção da família monogâmica como a estrutura ideal para a sociedade.

Em contraste, a sociedade contemporânea testemunha uma crescente aceitação das uniões poliafetivas, que envolvem relacionamentos amorosos e/ou sexuais entre mais de duas pessoas. No entanto, para os jusnaturalistas, a monogamia é necessária para a estabilidade social, a proteção dos direitos das crianças e a preservação da moralidade, a fim de evitar uma ruína social.

Primeiramente, Aristóteles via a família como uma unidade fundamental da sociedade, enfatizando a estabilidade e ordem nas relações familiares. Ele acreditava que a poligamia poderia introduzir desordem e competição entre aqueles envolvidos, prejudicando, no final das contas, o bem comum. Além disso, ele valorizava a igualdade nas relações humanas, e a poligamia poderia criar desigualdades entre esposas ou entre filhos. Ademais, Aristóteles via as relações familiares como oportunidades para a virtude e amizade crescerem, e a poligamia poderia prejudicar o desenvolvimento dessas virtudes.

Já São Tomás de Aquino, com base em sua filosofia moral e teológica, poderia considerar que a poligamia desordena a afetividade e a dignidade humanas, minando a unidade, igualdade e estabilidade no casamento. Ele defendia a monogamia como essencial para proteger os interesses de todas as partes envolvidas – inclusive, via o casamento como uma união baseada no amor e afeto mútuo entre um homem e uma mulher, e a poligamia, de algum modo, fragmentaria esse afeto, dificultando a formação de um vínculo íntimo e profundo. Aquino valorizava a igualdade e a dignidade de ambos os cônjuges. Além disso, a poligamia pode complicar a educação dos filhos, que Aquino considerava um dos principais objetivos do casamento.

Resumindo, para São Tomás de Aquino, a poligamia é capaz de minar a afetividade e a dignidade humanas, diluindo a unidade, igualdade e estabilidade no casamento, e comprometendo a estrutura familiar e comunitária.

John Finnis, por sua vez, embora não condene a poligamia diretamente, reconhece os desafios éticos e sociais que ela pode apresentar e sugere que a regulamentação ou proibição pode ser justificada em nome do bem comum e da moralidade, especialmente se resultar em desigualdade de tratamento entre cônjuges ou se as mulheres em casamentos poligâmicos tiverem vozes ou autonomias desiguais entre elas. Com isso, os jusnaturalistas argumentam que a poligamia cria instabilidade jurídica ao gerar conflitos de direitos e deveres, bem como competição, além de conflitos no que concerne às normas sociais.

Como podemos observar até o momento, o reconhecimento das uniões poliafetivas apresentaria desafios sociais e jurídicos complexos. Questões-chave incluiriam também a resolução dos direitos e responsabilidades dos parceiros, direito sucessório, proteção das crianças, questões de guarda e partilha, divisão de propriedade, sistemas fiscais e previdenciários.

A proteção das crianças em uniões poliafetivas é uma questão delicada. Como garantir o bem-estar das crianças quando múltiplos cuidadores estão envolvidos? Os sistemas legais deveriam estabelecer diretrizes claras para proteger os direitos e interesses das crianças, mas como conseguiriam fazer isso em contextos não monogâmicos? O que fariam em questões de guarda? A divisão de propriedade em uniões poliafetivas poderia se tornar intrincada, especialmente quando propriedades são compartilhadas e aquisições conjuntas ocorrem.

Outrossim, o reconhecimento legal dessas uniões enfrentaria desafios ao tratar da propriedade no caso de partilha em razão de separação ou falecimento de um dos parceiros. É difícil acomodar a evolução das concepções familiares sem comprometer os fundamentos éticos e basilares.

Além disso, mesmo que no Brasil, em virtude da mutação constitucional – fenômeno advindo do neoconstitucionalismo - e que tem sido cada vez mais introduzido por meio de entendimentos de alguns julgados, essa prática é claramente inaplicável devido à sua contradição com a Constituição Federal, Leis Infraconstitucionais e com os princípios do Direito Natural. Tanto isso é verdadeiro que o artigo 226 da Constituição Federal de 1988 é explícito ao definir o casamento como a união monogâmica entre duas pessoas. Essa disposição legal estabelece a monogamia como pilar fundamental do instituto do casamento no Brasil. A opção pela monogamia reflete a preocupação em garantir a igualdade de direitos e deveres entre os cônjuges, bem como a estabilidade das relações familiares.

Em resumo, a análise das perspectivas da filosofia jurídica e os desafios apresentados pela poligamia elucidam a complexidade desse dilema em nossa sociedade contemporânea, ressaltando a necessidade de um debate profundo em relação ao nosso sistema jurídico e aos valores morais que sustentam nossa convivência em comunidade, em virtude da perene relevância do direito natural que sempre estará em destaque em virtude de ser inerente à natureza humana.

Referências:

- Strassberg, Rebecca J. "Recognizing Polyamorous Families: Legal Possibilities." Yale Journal of Law and Feminism, vol. 23, no. 2, 2011, pp. 377-421;

- Joslin, Courtney G. "Polyamorous Parenting." Yale Law Journal, vol. 122, no. 6, 2013, pp. 1736-1812;

- "Polyamory and Legal Rights." American Psychological Association, https://www.apa.org/topics/lgbtq/polyamory-legal-rights;

- Finnis, John. "Natural Law and Natural Rights." Oxford University Press, 1980;

- Cott, Nancy F. "Public Vows: A History of Marriage and the Nation." Harvard University Press, 2002.

*ISADORA WETTERICH MARMORATO

























- Advogada graduada pela Uniara (2021);
-Atuante nas éreas dos Direitos Civil, Consumidor e Família e Sucessões;
- Correspondente Jurídico e
-Particpante do Grupo de Estudo do Instituto Ives Gandra

Nota do Editor:


Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

2 comentários: