sábado, 23 de setembro de 2023

Reflexões sobre a Educação em Gestão Empresarial


 Autor: Octavio Mendonça Neto (*)


O distanciamento entre o ensino acadêmico e as necessidades da prática profissional, na área da gestão empresarial, tem sido exaustivamente discutida, tanto na literatura especializada como na imprensa de uma forma geral, há já algumas décadas. Todavia, mais recentemente, essa discussão tornou-se mais acirrada e recorrente, e tem sido conduzida pela imprensa não especializada, a meu ver, de uma forma equivocada., sem uma reflexão crítica mais aprofundada.

O que tem sido ressaltado nos textos publicados pela imprensa é a queda de interesse dos jovens pelo estudo universitário tradicional, em decorrência da sua longa duração e da pouca aplicabilidade prática do conteúdo que é ensinado nos cursos de graduação da área de gestão empresarial. Ainda de acordo com essas matérias, os jovens estariam renunciando ao ensino universitário e dando preferência a cursos de curta duração bem específicos, focados em sistemas de informação, onde apreendem a implantar e utilizar ferramentas de gestão. Ou seja, o que se depreende é a preferência pelo conhecimento prático em detrimento do conhecimento científico mais focado em teorias.

Todavia, nem sempre isso foi assim. Cabe observar que, em 1959, um relatório da Ford Foundation declarava que a educação na área de gestão, nos Estados Unidos, se caracterizava pela falta de uma base científica sólida. Essa constatação direcionou as Universidades americanas ao extremo oposto de tal forma que, em 1988, um relatório elaborado por Porter e McKibbin a pedido da American Assembly of Collegiate Schools of Business (AACSB) afirmava que: "A educação em gestão é limitada, excessivamente especializada e não proporciona aos alunos a capacidade de se relacionarem com situações reais de solução de problemas de gestão". Como se vê, mais uma vez, o ideal nunca está nos extremos.

Longe de nós desprezarmos o conhecimento prático em benefício do conhecimento científico, muito pelo contrário, como professor de um programa de mestrado e doutorado profissional, sempre valorizei esse tipo de conhecimento (tenho diversos trabalhos publicados a esse respeito aqui e no exterior) e sempre propugnei pela atuação conjunta de acadêmicos e profissionais (práticos) na construção de conhecimentos que sejam úteis para a solução de problemas práticos complexos.

O conhecimento prático e o conhecimento científico são dois tipos de conhecimento diferentes. São sistemas com lógicas diferentes, mas nem por isso estão em oposição, ao contrário, são complementares, e estão em pé de igualdade, sem qualquer primazia ou hierarquia de um em relação ao outro, como por vezes apregoam, por um lado, muitos acadêmicos e por outro alguns profissionais da prática. Os acadêmicos têm muito a aprender com os práticos e vice-versa.

A importância do conhecimento prático aliás, é um senso comum já que, por exemplo, em podendo escolher, dificilmente alguém realizaria uma intervenção cirúrgica com um médico com pouca experiência prática, por melhor que tenha sido a sua formação. Também em outras profissões como advocacia, engenharia, e aquelas relacionadas à gestão empresarial, isto é facilmente constatado, bastando para tanto consultar as ofertas de emprego para os cargos de maior responsabilidade, onde o tempo de experiência é fator primordial. Como disse o sábio Noel Rosa: " Ninguém aprende samba no colégio".

As críticas ao ensino universitário atual na área de gestão, são procedentes e eu, sem dúvidas as endosso. Muitos cursos dessa área mais se assemelham a cursos de matemática e estatística avançada, onde são estudados, discutidos e construídos modelos para análise e tomada de decisão extremamente complexos e de pouca ou nenhuma aplicação prática.

Isso é um fato. O conhecimento prático tem que ser valorizado nas Universidades, mas daí a desprezar o conhecimento científico, há uma longa distância, o que nos remete ao maior poeta da língua portuguesa, Fernando Pessoa:

"Ter opiniões é estar vendido a si mesmo.

Não ter opiniões é existir.

Ter todas as opiniões é ser poeta"

Sejamos poetas ... O que se faz necessário é uma atualização não só das disciplinas ministradas nesses cursos, mas também na forma de ministrá-las. Essa atualização deve ser realizada não no âmbito interno das Universidades, mas através de uma estreita colaboração entre acadêmicos e práticos e associações profissionais.

Sugestões vêm sendo discutidas nesses últimos anos e algumas iniciativas já vêm sendo implementadas. Dentre essas, a que me parece mais promissora é a do Ensino Dual, que já vem sendo implantado na Europa há algum tempo com apoio da UNESCO e da União Européia e que começou a ser implantada entre nós, de forma estruturada na área de gestão, muito recentemente, há cerca de dois anos. Nessa modalidade de ensino, o estudante intercala períodos de aprendizagem na Universidade com períodos de aplicação prática do que foi estudado em empresas parceiras. Trata-se de um processo de ensino inovador que merece a atenção, análise e uma discussão mais aprofundada de educadores e profissionais.

Além disso cabe ressaltar que a educação universitária é muito mais ampla do que o ensino de teorias e práticas, mas esse é um assunto que pretendemos discutir em uma próxima oportunidade.

Referências Bibliográficas

Ford Foundation (1959).The Ford Foundation Annual Report. New York: Ford Foundation;

Pessoa, Fernando (2014), Livro do Desassossego. Lisboa: Assírio & Alvin;

Porter, L.W. and McKibbin, L.E. (1988), Management Education and Development: Drift or Thrust into the 21st Century? , New York: McGraw-Hill; e

Rosa, Noel e Vadico (1933). Feitio de Oração. Disponível em https://www.letras.mus.br/noel-rosa-musicas/535516/

OCTAVIO RIBEIRO DE MENDONÇA NETO

















Graduado em Engenharia Mecânica pelo Instituto Mauá de Tecnologia (1972);

Especialista em Economia de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas – FGV/ SP – CEAG (1977);

Mestre em Ciências Contábeis e Atuariais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2002) e 
Doutor em Contabilidade e Atuária na FEA / USP (2007);

Atualmente é Professor Adjunto I do Programa de Pós-Graduação em Contabilidade e Finanças Empresariais da Universidade Presbiteriana Mackenzie e de Cursos de Mestrado e Doutorado Profissional e professor associado da Universidade Metodista de São Paulo. 

Nota do Editor:

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