terça-feira, 9 de julho de 2024

A periodicidade das incidências do ITR, IPTU e IPVA são casos de esbulho fiscal?


 Autor: Robson dos Santos Amador (*)



"Não furtarás. [...]; e não desejarás a casa do teu próximo, nem o seu campo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma do teu próximo. Deuteronômio 5:19;21"

Ao debruçarmos sobre o estudo do direito de propriedade, encontraremos nos primórdios das civilizações a condição inerente ao indivíduo detentor de direitos e obrigações sobre determinado bem. Dos anos – aproximadamente 1.279 a.C (dez mandamentos) - à nossa atual Constituição Federal - CF, tem-se que o direito de propriedade além de ser fundamental, pode ser considerado absoluto, devida a sua essencialidade a teoria da natureza humana.

Fustel de Coulange[1] sustenta que somente a religião, família e a propriedade em si, teve relação inseparável e fundamentava o Direito de Propriedade entre os povos antigos que estabeleceram de imediato a propriedade privada. Assim, notável que ao longo da história, a presença do Estado figura apenas como agente regulador de estabilidade da fruição desse direito pelo indivíduo em convívio na sociedade. Nada mais. É um direito privado ao indivíduo, consagrado e por isso, positivado.

No Brasil, além do pilar constitucional (artigo 5º, XXII) como direito fundamental, o Código Civil (artigo 1228 e seguintes) define que "o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha". E a referida aquisição da propriedade de um bem (móvel ou imóvel) se dá, via de regra, por meio de de um negócio jurídico (p.ex., compra e venda, doação ...) ato solene (registro público), exclusivo e unitário.

Também define o mesmo Código Civil (artigo 1210) que o possuidor de um bem tem direito a ser restituído em caso de "esbulho", ou seja, quando alguém impede a fruição dos direitos inerentes ao direito real de propriedade, ou até mesmo de posse.

Oportuno retratar que a mesma CF, em seu artigo 155, IV determina que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] utilizar tributo com efeito de confisco. O ideal da constituinte certamente fora a proteção do direito fundamental à propriedade.

Entretanto, além de outras circunstâncias que sugere a uma possível identificação de confisco ou esbulho desse direito fundamental, tem-se que o Estado Fiscal brasileiro, desde 1988, ao estabelecer o modelo de tributação sobre alguns direitos de propriedade (imóveis e veículos p.ex.,) o faz de forma a constranger o gozo do direito de propriedade, com a periodicidade anual da cobrança dos Impostos sobre bens (ITR, IPVA e IPTU).

Vejamos que o Imposto Territorial Rural – ITR, estabelecida sua competência ao Governo Federal, nos termos do artigo 153, VI da CF, onde mesmo diante da omissão constitucional quanto a sua locução nominativa, tal exação incide também sob o fato jurídico propriedade, e sua "apuração" ocorre a cada ano, nos termos da Lei Federal n. 9393/1996.

Enquanto o Imposto sobre a propriedade de veículos automotores – IPVA, de competência dos Estados e Distrito Federal nos termos do artigo 155, III da CF, destaca a estes entes competentes e estes por sua vez, também determinam que o nascimento do fato gerador ocorre todos os anos em que o proprietário do veículo exerce o seu direito.

Na mesma trilha aos Municípios, o Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana - IPTU, disciplinou o Código Tributário Nacional em seu artigo 32, que o seu fato gerador surge com a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel, cabendo aos Municípios disciplinar a sua cobrança, que no exercício de sua competência tributária constitucional disciplina o critério temporal para todo o dia 1º de janeiro.

Importante lembrar que, não obstante a incidência dos referidos impostos ocorrer ao momento da aquisição da propriedade de tais bens, mesmo que pro rata – observado o mês do respectivo exercício fiscal, a impetuosidade do esbulho que cada ente fiscal exerce sobre os bens de cada contribuinte, ocorre a cada início de ano, com os indigestos “carnês” que são emitidos que se acumulam em percentuais de comprometimento do imóvel e veículos de cada proprietário.

Vejamos que, o direito de propriedade somente nasce ao momento de sua aquisição (v.g., com o registro público), e não como pretende o legislador tributário (a cada ano) que ao arrepio do artigo 110 do CTN alterando o conceito definido pela legislação civil.

Assim, tais impostos (ITR, IPVA e IPTU) deveriam incidir sobre o patrimônio somente uma única vez, ao tempo da aquisição da propriedade dos respectivos bens imóveis e imóvel.

Do contrário, permaneceremos diante de um cenário de violações de direitos fundamentais, como a da propriedade e do não confisco, bem como da gênese de materialidade positivada em um dos dez mandamentos da lei mosaica.

O momento é oportuno para tais reflexões, e que poderão, inclusive, ser objeto de uma verdadeira reforma do estado fiscal brasileiro.

REFERÊNCIA

[1] COULANGES, Fustel de. A cidade Antiga. 2ª ed. São Paulo: Edipro, 1999. 334 p.

* ROBSON DOS SANTOS AMADOR
















-Advogado graduado pela Universidade BNrás Cubas (2000);

- Pós graduado no LLM- Master of Law em Direito Tributário pelo INSPER – SP (2010;

-Mestrando em Direito Tributário pelPontifícia Universidade Católica de Buenos Aires – Argentina;

- Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET (2002); e 

-Professor em diversos cursos de graduação e pós graduação em Direito e Administração de Empresas.  

Nota do Editor:

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