quinta-feira, 11 de julho de 2024

Reconhecimento Extrajudicial da Paternidade Afetiva para Maiores de 18 Anos


 Autora: Thais Ferreira Gil Ribeiro (*)



INTRODUÇÃO

O direito brasileiro vem evoluído significativamente para reconhecer uma diversidade de vínculos no estabelecimento da filiação, especialmente o vínculo afetivo gerado através da convivência entre os envolvidos. A edição do Provimento nº 63, de 14 de novembro de 2017, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tem como objetivo regulamentar os vínculos socioafetivos de maneira célere e prática pela via administrativa, visando também à redução da quantidade de processos no âmbito judicial.

A irresponsabilidade afetiva paterna frequentemente observada em nossa sociedade é um dos principais fatores que impulsionam o reconhecimento do vínculo socioafetivo. Evidentemente, não foi apenas o abandono por parte do pai biológico que motivou a criação do referido Provimento, o qual permite o reconhecimento da filiação afetiva através da via administrativa, mas também diversas outras circunstâncias relacionadas à formação familiar.

O provimento teve origem com apreciação da matéria pelo do Supremo Tribunal Federal pelo Recurso Extraordinário 898060 que resultou no seguinte entendimento "A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseada na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios."

Essa evolução reflete uma mudança cultural, superando o modelo tradicional e reconhecendo a importância dos laços afetivos na constituição das famílias modernas. A regularização do vínculo familiar só é possível após o desenvolvimento de normas mais inclusivas.

Assim, o sistema jurídico brasileiro avança na promoção de justiça e proteção dos direitos de todas as formas de família, refletindo um compromisso com a igualdade e a inclusão.

Provimento nº 63 do CNJ

A paternidade não deve ser considerada apenas sob a perspectiva biológica, uma vez que o aspecto socioafetivo das relações entre as partes é igualmente relevante. O Supremo Tribunal Federal (STF), em sede de repercussão geral, julgou a tese da multiparentalidade, a qual resultou a criação do Provimento Nº 63 de 14/11/2017.

O avanço sobre a matéria no direito brasileiro foi lento e só foi possível através das jurisprudências proferidas que estabeleceu que a paternidade socioafetiva, independentemente de estar declarada em registro público, não obsta o reconhecimento concomitante do vínculo de filiação com base na origem biológica, com todos os seus efeitos jurídicos.

O pedido de providências para que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), solicitando a uniformização dos procedimentos, a fim de garantir igualdade e padronização no reconhecimento extrajudicial da filiação socioafetiva em todos os cartórios de registro civil do país foi realizado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). O qual foi reconhecido a uniformização dos procedimentos, entendendo que o reconhecimento extrajudicial da paternidade socioafetiva possui fundamentação legal nos artigos 1º, III, 227, caput e § 6º da Constituição Federal, nos artigos 1.593 e 1.596 do Código Civil e no artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, além de robusta fundamentação doutrinária e jurisprudencial. (CALDERON e TOAZZA 2018).

O provimento permite que maiores de 18 anos reconheçam, de forma administrativa, o vínculo socioafetivo com maiores de 12 anos, desde que haja convivência socialmente reconhecida, uma diferença de idade mínima de 14 anos e que não sejam ascendentes ou irmãos. O reconhecimento está limitado a um único vínculo socioafetivo; para outro, o pedido deverá ser apreciado pela via judicial. Conforme dispostos nos arts. 505 e 506 do Provimento Nº 149 de 30/08/2023 do CNJ.

Do procedimento para maiores de idade

O procedimento poderá ser realizado de forma administrativa, sendo necessário apenas o comparecimento do filho requerente e do pai/mãe socioafetivo, munidos dos documentos solicitados, a qualquer cartório de registro civil contudo deverá ser averbado no cartório de registro do filho o procedimento.

Em relação à documentação do solicitante maior de idade, devem ser apresentados: certidão de nascimento, documento de identificação pessoal, documento de identificação pessoal do pai socioafetivo, certidão de casamento do pai socioafetivo e provas de convivência, tais como fotos, boletins, cartões de aniversário, entre outros. O requerente pode solicitar a inclusão do sobrenome do pai socioafetivo; contudo, não é possível requerer a exclusão de qualquer outro sobrenome através deste procedimento.

Veja o art. 506 do Provimento Nº 149 de 30/08/2023 do CNJ – Concelho Nacional de Justiça:

"Art. 506. A paternidade ou a maternidade socioafetiva deve ser estável e deve estar exteriorizada socialmente.
§ 1.º O registrador deverá atestar a existência do vínculo afetivo da paternidade ou da maternidade socioafetiva mediante apuração objetiva por intermédio da verificação de elementos concretos.
§ 2.º O requerente demonstrará a afetividade por todos os meios em direito admitidos, bem como por documentos, tais como: apontamento escolar como responsável ou representante do aluno; inscrição do pretenso filho em plano de saúde ou em órgão de previdência; registro oficial de que residem na mesma unidade domiciliar; vínculo de conjugalidade — casamento ou união estável — com o ascendente biológico; inscrição como dependente do requerente em entidades associativas; fotografias em celebrações relevantes; declaração de testemunhas com firma reconhecida.
§ 3.º A ausência destes documentos não impede o registro, desde que justificada a impossibilidade, no entanto, o registrador deverá atestar como apurou o vínculo socioafetivo.
§ 4.º Os documentos colhidos na apuração do vínculo socioafetivo deverão ser arquivados pelo registrador (originais ou cópias) junto ao requerimento. (Provimento Nº 149 de 30/08/2023)
A paternidade socioafetiva não afeta qualquer direito em relação a filiação biológica, ainda que esta seja desconhecida no momento do reconhecimento. (STF. Plenário. RE 898060/SC, Rel. Min. Luiz Flux, Julgado em 21 e 22/09/2016. Inf 840).

Conclusão

A formação não tradicional das famílias não deve ser um obstáculo para o reconhecimento do vínculo familiar, pois as famílias socioafetivas são fundamentadas no amor e no cuidado oferecidos espontaneamente entre seus membros. O direito ao seu reconhecimento destaca a importância desse vínculo no meio jurídico, assegurando aos indivíduos o direito de serem legalmente reconhecidos como família.

Referências

ALMEIDA, Vitor; "O Direito ao Planejamento Familiar e as novas Formas de Parentalidade na Legalidade Constitucional", p. 419 -448. In: Direito Civil: Estudos - Coletânea do XV Encontro dos Grupos de Pesquisa - IBDCIVIL. São Paulo: Blucher, 2018;

CALDERON e TOAZZA; "Filiação Socioafetiva - repercussões a partir do prov 63 do CNJ" - Disponível em: < https://ibdfam.org.br/assets/img/upload/files/Filia%C3%A7%C3%A3o%20Socioafetiva%20%20repercuss%C3%B5es%20a%20partir%20do%20prov%2063%20do%20CNJ%20-%20Calderon%20e%20Toazza%20(1).pdf >. Acesso em: 02/06/2024;

CALDERÓN, Ricardo; “Princípio da Afetividade no Direito de Família” Disponível em: < http://unicorp.tjba.jus.br/unicorp/wp-content/uploads/2020/01/12-Principio-da-Afetividade-no-Direito-de-Familia.pdf>. Acesso em: 02/06/2024;

CNJ. Provimento nº 63, de 14 de novembro de 2017. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=3380>. Acesso em: 02/06/2024;

CNJ. Provimento nº 149, de 30 de agosto de 2023. Disponível em: < https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/5243>. Acesso em: 02/06/2024;

CNJ. Pedido de Providências nº 0002653-77.2015.2.00.0000. Requerente: Instituto Brasileiro de Direito de Família. Disponível
 <http://ibdfam.org.br/assets/img/upload/files/Decisao%20socioafetividade.pdf>. Acesso em: 05/06/2024 e

STF. Tema 622 - Prevalência da paternidade socioafetiva em detrimento da paternidade biológica. Disponível em: < https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4803092&numeroProcesso=898060&classeProcesso=RE&numeroTema=622>. Acesso em: 05/06/2024.

*THAIS FERREIRA GIL RIBEIRO























- Graduação em Direito pela Faculdade São Paulo/ grupo UNIESP(2018);

-Especialização em Direito de Familia e Sucessões pela Escola Superior Advocacia, ESA (2022);

Especialização em Direito Penal e Direito Processo Penal pela Escola Brasileira de Direito, EBRADI (2022) r

- Áreas de atuação: Direitos Civil, Família e Sucessões, Penal e Imobiliário.

Nota do Editor:

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