Autora: Palloma Parola Del Boni Ramos(*)
A legislação brasileira tem se desenvolvido para responder aos desafios do avanço tecnológico, buscando conciliar a inovação com a proteção dos direitos fundamentais. Esse cenário reflete uma nova realidade constitucional global, marcada por ordens autônomas que abrangem Estados, bem como instituições sociais, econômicas e tecnológicas, demandando ajustes contínuos no modelo jurídico.
O Marco Civil da Internet (Lei n.º 12.965/2014) foi pioneiro ao enfrentar os desafios do ambiente digital, definindo diretrizes para o uso da internet, a proteção de dados pessoais e a responsabilidade dos provedores. No entanto, limitações na fiscalização e o avanço de novas tecnologias, como a Inteligência Artificial (IA), exigem atualizações contínuas para garantir sua efetividade.
Nesse contexto de evolução regulatória, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) surge como um avanço ao disciplinar o tratamento de dados pessoais, garantindo direitos como acesso, correção e exclusão de informações. Ao reforçar a transparência e o controle sobre os dados, a LGPD complementa o Marco Civil da Internet, proporcionando maior previsibilidade aos cidadãos. No entanto, desafios permanecem, como a complexidade técnica dos termos jurídicos e a necessidade de cooperação internacional para fiscalizar o compartilhamento transnacional de dados. Além disso, pequenas empresas enfrentam dificuldades na implementação das normas devido à ausência de incentivos específicos, o que evidencia a necessidade de políticas que tornem sua aplicação mais acessível e eficaz.
Diante dos desafios regulatórios impostos pela digitalização e pelo fluxo transnacional de dados, o Brasil avança na tentativa de estabelecer diretrizes mais robustas para as novas tecnologias. Nesse sentido, o Projeto de Lei 2.338/2023 busca regulamentar a Inteligência Artificial, abordando aspectos como transparência, segurança e proteção de direitos fundamentais. Embora represente um passo importante ao exigir conformidade com padrões locais, o país ainda enfrenta desafios significativos, como a dependência de sistemas estrangeiros, o que limita sua capacidade de fiscalização e a mitigação de riscos transnacionais. Além disso, para garantir maior soberania tecnológica, torna-se essencial o fortalecimento de mecanismos de proteção de dados sensíveis e de governança digital, assegurando um equilíbrio entre inovação e segurança jurídica.
Para enfrentar os desafios impostos pela crescente digitalização e pela dependência de sistemas estrangeiros, a regulamentação da Inteligência Artificial deve ser acompanhada por normativas eficazes de proteção de dados. A transnacionalização das informações exige uma abordagem regulatória que vá além das fronteiras nacionais, reforçando a necessidade de harmonização global e de fortalecimento institucional. Embora o Marco Civil da Internet e a LGPD tenham estabelecido bases sólidas, sua efetividade depende da capacidade de adaptação às novas dinâmicas tecnológicas e da implementação de mecanismos mais robustos de fiscalização. Assim, para assegurar a proteção dos direitos dos cidadãos e a soberania digital do país, torna-se essencial ampliar a cooperação internacional, aprimorar a governança digital e garantir que as legislações evoluam de forma contínua diante das transformações tecnológicas.
Esse debate se torna ainda mais relevante ao considerar a crescente digitalização e a necessidade de regulamentação eficaz das novas tecnologias. O Recurso Especial nº 214771 evidencia os desafios da aplicação da legislação brasileira em um ambiente globalizado, particularmente no que se refere à territorialidade e à responsabilidade pela remoção de conteúdos na internet.
O acórdão analisado ilustra essas dinâmicas ao tratar da remoção de conteúdo difamatório no YouTube, expandindo a aplicação da legislação brasileira para além de suas fronteiras. No entanto, essa tentativa de ampliação jurisdicional gera conflitos com legislações estrangeiras e levanta questionamentos sobre a soberania de outros Estados, aprofundando as tensões no direito internacional. Além disso, a desconexão entre os sistemas jurídico e político dificulta respostas coordenadas, evidenciando a necessidade de um alinhamento regulatório global. Nesse sentido, garantir previsibilidade e segurança jurídica requer uma abordagem integrada entre os Estados, as instituições e a sociedade civil, de forma a possibilitar a efetiva aplicação da legislação nacional em um cenário digital transnacional, mitigando os desafios impostos pela ausência de fronteiras no ambiente virtual.
Referências:
BRASIL. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 24 abr. 2014;
BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Dispõe sobre a proteção de dados pessoais e altera a Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014 (Marco Civil da Internet). Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Redação dada pela Lei nº 13.853, de 2019. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 15 ago. 2018;
BRASIL. Projeto de Lei nº 2338, de 2023. Dispõe sobre o uso da Inteligência Artificial. Senado Federal, Brasília, DF, 2023; e
* PALLOMA PAROLA DEL BONI RAMOS
-Graduada em Direito pela Universidade Nove de Julho (2014);
- Pós Graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2018);
-Pós Graduada em Direito Constitucional e Direitos Humanos pelo Ius Gentium Conibrigae - Universidade de Coimbra (2020);
-Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (Bolsa CAPES/PROSUC - 2023);
-Doutoranda (Bolsa Mérito do Instituto Presbiteriano Mackenzie);
-Pesquisadora do Grupo de Pesquisa: "O Sistema de Seguridade Social";
-Membra da Comissão de Comunicação (COMUNICAMACK) de publicações em idiomas inglês e italiano;
-Membra da Equipe de Apoio à Produção Científica - Sucupira (PPGDPE - Mackenzie) e
- Defensora na Vigésima Terceira Turma do Tribunal de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil - São Paulo.
Nota do Editor:
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Texto excelente
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