quinta-feira, 24 de julho de 2025

O Resgate da Dignidade nas Relações Conjugais


 

Vitória Luiza El Murr 


A recente decisão da Justiça da Paraíba, que reconheceu o direito à indenização por danos morais em razão de traição conjugada com violência doméstica, reacende o debate sobre os limites da responsabilidade civil entre cônjuges e ex-cônjuges no contexto da dissolução da vida em comum. Desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 66/2010, que simplificou o processo de divórcio e extinguiu a figura da separação judicial litigiosa, deixou-se de discutir a culpa como requisito para a dissolução do casamento. Ou seja, não importa mais quem "errou" ou quem deu causa ao término: a vontade de um dos cônjuges é suficiente para a dissolução do vínculo matrimonial, independentemente da apuração de condutas como infidelidade, abandono ou desrespeito aos deveres conjugais.

No entanto, a ausência de culpa como elemento do divórcio não eliminou a possibilidade de responsabilização por condutas praticadas dentro da relação conjugal que extrapolem o mero descumprimento de deveres morais ou afetivos. Quando há violação de direitos fundamentais da personalidade — como a dignidade, a honra, a integridade física e psíquica — é possível a configuração de ato ilícito, ainda que praticado no seio da vida íntima. Nesse ponto, a traição, que por si só deixou de ser causa suficiente para consequências jurídicas diretas na esfera do casamento, volta a ser discutida à luz do direito civil e da responsabilidade subjetiva.

O julgado mencionado entendeu que a infidelidade se configura como dano moral indenizável, mas, predomina o entendimento de que o adultério, embora reprovável sob o aspecto ético, não gera, por si só, o dever de indenizar, salvo quando se reveste de circunstâncias que agravam a dor experimentada pela parte traída — como humilhação pública, exposição desnecessária, difamação ou violência. O caso da Paraíba é emblemático porque envolve não apenas o rompimento do dever de fidelidade, mas também condutas violentas praticadas no contexto doméstico, o que evidencia violação múltipla de direitos personalíssimos e justifica a concessão de reparação civil.

A convivência íntima não isenta os cônjuges de responsabilidade por atos lesivos. A legislação civil, em especial o artigo 186 do Código Civil, estabelece que todo aquele que causar dano a outrem por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência comete ato ilícito. Quando esse dano ocorre dentro da relação conjugal, como no caso da traição acompanhada de agressões verbais, físicas ou psicológicas, o ordenamento jurídico impõe que se separe o fim do casamento das consequências civis da conduta danosa, a qual é passível de reparação. Assim, o Judiciário não pune a traição como motivo de divórcio, mas pode reconhecê-la como elemento de um conjunto de ações que ofendem direitos fundamentais do outro cônjuge, configurando, então, uma hipótese de indenização.

Esse novo olhar para a traição e para o sofrimento causado por comportamentos abusivos dentro da vida a dois demonstra a maturidade do Direito das Famílias ao afastar o moralismo punitivista, mas sem desamparar quem é vítima de condutas que ferem sua dignidade. O adultério, tratado com neutralidade pela EC 66/10 quanto à dissolução conjugal, pode ser juridicamente relevante quando seus efeitos ultrapassam o campo íntimo e invadem a esfera de direitos fundamentais da pessoa, especialmente quando associados à violência de gênero. A decisão paraibana, portanto, não representa um retrocesso à lógica da culpa, mas sim a reafirmação de que o Estado não deve ser indiferente ao sofrimento causado por abusos dentro de relações afetivas, mesmo que essas relações tenham terminado. Trata-se, em última análise, de garantir que o direito à liberdade afetiva não seja confundido com o direito de causar dor.

VITÓRIA  LUIZA EL MURR

















-Graduada pela Faculdades Metropolitanas Unidas – UniFMU (2018);

-Pós graduada em Direito de família e sucessões pela Escola Paulista de Direito - EPD (2020); e

- Áreas de Atuação: Direito de Família e Sucessões, Direito Imobiliário, Direito do Consumidor.

Nota do Editor:

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