segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Log'idoso


           
Nessa pressa em que vivemos, a falta de tempo é desculpa para todos os contratempos. Todavia os mais espertos sempre encontram uma maneira criativa de burlar os obstáculos.

A exemplo disso, é só nos dirigirmos aos caixas de qualquer sistema financeiro, como bancos, Chegue e Pague etc. Aí nos deparamos com filas quilométricas, separando as pessoas pela faixa etária - a maioria, acima dos sessenta anos, ou seja, de longevos. O interessante é que, depois de a lei garantir-lhes a prioridade de "furarem" as filas, não se vê mais um "velhinho" desfrutando "uma rede preguiçosa na varanda", fazendo uma sesta ou postados à frente da televisão. Nunca se viram tantos longevos entrando e saindo das filas de pagamentos, e haja reclamações daqueles que são obrigados a perder horas a fio nas filas, em detrimento dos casos especiais, por culpa dos donos de estabelecimentos comerciais e sistemas bancários que não dispõem de caixas suficientes para atender à demanda.

Sem contar com os oportunistas de ocasião que, para ganharem tempo e tirar vantagem da situação caótica, levam às filas seus pais idosos, tios, avós... ou mesmo uma empregada doméstica grávida, ou ainda em estado de lactação, ou uma criança de colo. Por conta desse triste quadro, a decrepitude está sendo vista por muitos com maus olhos e sendo explorada, em vez de ser beneficiada, em reconhecimento pelo muito que já contribuíram com o seu trabalho para o país: daí a terem o direito a um atendimento especial. 

Enquanto isso, o resto da população se descabela, frente à sua impotência por não ter a quem recorrer e ter que ficar lá, com cara de desgosto, para não falar de "babaca", a cada vez que pensa que chegou a sua hora para ser atendido pelo caixa e vê surgir do nada, à sua frente, mais um longevo. E quem já não tem pai, mãe ou tio(a), avô ou avó em idade avançada, só lhe resta uma alternativa: alugar um longevo. É isso mesmo, e muito não me admira se já não existir algum espertalhão acariciando a ideia para tirar proveito da situação, e já não esteja constituindo uma empresa de aluguéis de idosos. Imagino até o slogan: "LOG´IDOSO", com uma vinheta na televisão:" Se você está cansado de perder horas nas filas para fazer seus pagamentos, não perca mais tempo! Pague todas as suas contas com tranquilidade e sem sair de casa! A LOG'IDOSO TIRA VOCÊ DAS FILAS!

Outro dia, fui levar minha cadelinha Kiki ao veterinário e, de volta para casa, passei em frente a uma farmácia, em que há uma dessas redes "Chegue e Pague", e resolvi estacionar para pagar minha conta de energia. Entrei e, ao olhar para o único caixa, já meu deu um desânimo: à minha frente já havia dezenas de longevos. Fiquei lá, esperando que chegasse a minha hora. A cada momento (em pensamentos eu contava - agora só falta um...), ledo engano! Do nada surgia outro e mais outro, e nessa cantilena as horas iam passando, a fila aumentando, e eu me distanciando cada vez mais de chegar à "boca do caixa". E haja reclamações às minhas costas: "Essa fila só anda para trás!" Foi quando um senhor perguntou-me: – Faz muito tempo que a senhora está aqui? Respondi-lhe: – À minha frente já passaram mais de dez longevos. 

Fiquei ali, ouvindo as muitas queixas sem me dar conta de que a minha hora de (quase) ser atendida havia chegado. Mas, sabe o que aconteceu? -Saltitando em cima do seu alvíssimo "bical", surge uma linda longeva com cinco boletos de contas da COELCE, na mão. O caixa parecia conhecê-la bem, pela forma como a saudou: - cuidando da forma, dona Judith? - É... enquanto não chega a ronda do Governo, eu dou vinte voltas no quarteirão todos os dias! 

Suada e animada, ela conferiu cuidadosamente o troco, enquanto dava cabeçadas no ar pelo "FUNK" da pesada que saía do fone de ouvido do seu "WAKMAN". Aqueles consumidores de energia elétrica quitaram seus débitos numa única operação, rápida e eficiente, comandada pela disposta Judith. Estava tudo, devidamente comprovado, no bolso de seu macacão florido, capaz de competir até na corrida de São Silvestre. Quanto a mim, era o avesso da situação: minha relação com a Companhia Energética resumia-se a um aviso de corte no limite das 48 horas, e os meus pés pediam compressas de água morna com sal; doía-me a cabeça; uma sensação de sufoco; raciocínio fraco, incapaz de bolar um jeitinho "verde amarelo" para sair da fila; se paquerasse o rapaz do caixa podia parecer uma coroa assanhada; se atropelasse um velhinho, uma desalmada. Só me restou torcer, pedir a Deus que o desmaio anunciado não me levasse à lona, apesar de todos os sintomas da implacável PVC (Praga da Velhice Chegando). As transições são sempre complicadas; não se é uma coisa nem outra; vive-se num tempo angustiante que parece eterno; a auto-estima, volta e meia, vai para debaixo do pé, como naqueles 45 minutos na fila de uma farmácia para quitar um único débito. Eu me sentia a personificação de uma sucata da jovem-guarda, naufragando num "Submarino Amarelo". 

Estava ali, absorta em meus devaneios, quando uma pessoa, às minhas costas, falou: - Se achegue mais perto do caixa porque já está entrando outro idoso, senão a senhora perderá a sua vez. E falei brincando... Se algum velhinho tomar minha frente novamente, pego a Kiki e jogo em cima dele. E não é que deu certo! Quando o velhinho veio aproximando-se, eu peguei a kiki, coloquei-a toda para o lado em que ele vinha se postando, e o velhinho recuou. 

Que me desculpem os velhinhos. Eles são, assim também como eu, vítimas de um sistema irresponsável e mal estruturado.Agora,fica aqui mais uma sugestão:" ALUGAM-SE CÃES PARA ASSUSTAR VELHINHOS EM FILA DE BANCO !"


Postado originalmente na IV Antologia da AJEB-2007

Por ZINAH ALEXANDRINO



-Pedagoga e Escritora
-Mora em Fortaleza - Ceará

Um comentário:

  1. Muito bom!!!! Morri de rir, embora nada me deixe mais possessa que gente folgada furando fila ou ultrapassando pelo acostamento.

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