domingo, 18 de outubro de 2015

O Antídoto é o próprio veneno



Por trás de todas as nossas escolhas existe uma espécie de emaranhado de aspectos que as influenciam. Quanto mais importante a decisão que temos de tomar é, maior é esse emaranhado, mais difícil é desmembrá-lo e mais intensamente ele influencia nossa vida. Tal emaranhado é formado por aspectos socioculturais, uma vez que cada sociedade possui sua cultura com seus respectivos conjuntos de regras, crenças e valores. Mas, o que torna o emaranhado de cada indivíduo único, é a forma como cada pessoa vê a si mesma e ao mundo.

E a forma como nos vemos é resultado do nosso temperamento, herdado geneticamente, que interage com as experiências que vivemos em nosso ambiente externo, principalmente, nas nossas primeiras relações na infância com nossos pais ou com aquelas pessoas que ficaram responsáveis por cuidar de nós na maior parte do tempo. Assim, uma criança de temperamento ansioso, que recebeu amor, carinho, atenção, apoio e estímulo vai ver a si mesma e o mundo de uma forma diferente de outra criança de temperamento agressivo, que foi negligenciada ou agredida, por exemplo.

São inúmeras as interações possíveis entre as crianças e seus temperamentos com o ambiente a seu redor e, portanto, as pessoas conforme crescem constroem os mais diversos tipos de crenças a seu respeito, pois independente das experiências que tenham vivido, seu temperamento vai contribuir na forma de enfrenta-las e, consequentemente, em como vão lidar com seu futuro.

Assim, imagine uma criança de temperamento ansioso que, por consequência, tende a achar que as coisas não vão dar certo, e que foi sempre super protegida pelos pais. Ela pode construir, por exemplo, a crença de que seus pais sempre fizeram tudo por ela porque é incapaz de fazer as coisas sozinha ou pode acreditar que é mais especial que as outras pessoas e que, portanto, os outros têm de fazer as coisas para ela o tempo todo, e que ela tem o direito de conseguir tudo o que quer sem se esforçar muito.

As crenças são como se fossem lentes pelas quais vemos a nós mesmos e a tudo o que está em nossa volta, e elas guiam nossas vidas e escolhas porque agimos sempre de modo a confirma-las para nós mesmos. Assim, se a pessoa acredita que é incapaz, vai evitar escolher caminhos mais desafiadores, tenderá a ser mais dependente, vai ver situações como promoção no emprego de modo negativo, pois terá certeza de que não dará conta e assim por diante. Já a pessoa que se vê como especial pode escolher desafios para os quais ainda não está preparada, pode ser autossuficiente demais e recusar ajuda mesmo quando precisa e poderá ver uma promoção de trabalho como estando aquém de sua capacidade.

Mas, independente da crença que tenham, todas as pessoas querem prosperar na vida, e prosperar não significa somente ganhar dinheiro, mas também ter uma vida de qualidade, com relacionamentos e projetos pessoais bem sucedidos. E é aí que entra a autossabotagem, afinal, como prosperar evitando novos desafios, recusando ajuda quando ela é necessária, tornando-se dependente...? E o maior problema é que as pessoas agem dessa forma há tanto tempo, que é como se esses comportamentos fizessem parte delas. Elas não conseguem enxerga-los como errados ou que possam ser os responsáveis por seu sofrimento. Sentem que é impossível mudar e desesperam-se ao pensar que não há saída.

Por isso, é tão importante entender o que leva as pessoas a agires da forma que o fazem. Esse é o primeiro passo para sair do ciclo da autossabotagem: se uma pessoa perceber que o que a leva a evitar novos desafios é o medo de não dar conta, que vem da crença de ser incapaz, que foi construída na infância, ela vai sentir tristeza e raiva pelo tempo e oportunidades perdidas, mas vai poder se lembrar disso quando estiver diante de uma nova oportunidade, e terá a chance de desafiar sua crença, escolher enfrentar o novo e descobrir de fato se dá conta ou não.

E isso é libertador porque a boa notícia é que essas crenças são sempre distorcidas, e é só no confronto com a realidade que descobrimos isso. Precisamos das experiências reais para ter forças para tirar a lente e começarmos a ver a nós mesmos e ao mundo como eles realmente são. Foram experiências do passado que geraram as crenças e é apenas a conscientização e a ressignificação delas somada a novas experiências, que permitem que as crenças distorcidas diminuam sua capacidade de levar as pessoas a se auto sabotarem. É mais ou menos como ser picado por uma cobra venenosa e precisar de um soro feito com o mesmo veneno, mas enfraquecido, para conseguir sobreviver.

Por RENATA PEREIRA



-Psicóloga formada pela Universidade Prebsteriana Mackenzie;
 -Especialista em Terapia Comportamental Cognitiva pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP;
-Atende adolescentes e adultos em psicoterapia individual e em grupo.

CONTATOS:
Email: renatapereira548@gmail.com
Twitter:@Repereira548

2 comentários: