domingo, 15 de janeiro de 2017

Ano Novo de Dentro da Gente


Mais um ano se inicia e, parafraseando Ferreira Gullar, nada, nem no céu nem na terra, nenhum indício de algo novo, de um ano realmente novo se espreita. E é mesmo assim, a despeito do balanço do final do ano anterior, das expectativas e das metas para um ano que se espera ainda melhor do que o anterior...

Fato é que o período que antecede o início do ano e que posteriormente inaugura esse novo ano é marcado por um intenso misto de emoções e sentimentos. Há um tempo que se encerra, o que pode despertar angústias e ansiedades. Ao mesmo tempo, há uma excitação característica, um entusiasmo, uma empolgação... ou seria uma euforia?

Mas nada há, de externo a nós, que possa diferir entre o “31 de dezembro” e o “1º de janeiro”, a não ser de bem de dentro da gente. É lá, bem no mais íntimo de cada um de nós, que algo novo pode surgir – uma emoção e/ou um sentimento novo, uma ideia e/ou um pensamento novo, uma abertura, uma nova possibilidade, uma nova sensação, uma percepção (talvez) de se estar vivo, e, isso sim, que pode ser novo e propiciar um “ano novo”, independente de quando, no mês ou no ano, isso possa acontecer. A reinauguração, pois, não se faz externa, mas internamente, dentro de cada um de nós, o que possibilita viver algo de uma forma nova, quiçá pela primeira vez. Afinal, só se pode ter – e usufruir de – um ano realmente novo se de fato algo for novo lá de bem de dentro da gente.

Nas palavras de Gullar, pois o poeta – sempre – fala melhor do que a gente:


ANO NOVO



Meia-noite. Fim 
de um ano, início 
de outro. Olho o céu: 
nenhum indício.

Olho o céu: 
o abismo vence o
olhar. O mesmo
espantoso silêncio
da Via-Láctea feito
um ectoplasma
sobre a minha cabeça
nada ali indica
que um ano novo começa.

E não começa
nem no céu nem no chão
do planeta:
começa no coração.

Começa como a esperança
de vida melhor
que entre os astros
não se escuta
nem se vê
nem pode haver:
que isso é coisa de homem
esse bicho estelar
que sonha
(e luta).

É, pois, “no coração” que tudo se inicia, esse órgão pulsante, a partir do qual cada um pode se preencher de vida para os acontecimentos e desafios de todos esses e outros anos, o que só acontece para o homem, “esse bicho que [tanto] sonha (e luta)”... “E não começa nem no céu nem no chão do planeta”, mas dentro de nós, reinaugurados e esperançosos, sonhadores e novos de dentro, lá de bem de dentro da gente.

A Ferreira Gullar, todo agradecimento!

Poesia retirada de: GULLAR, F. Barulhos, José Olympio, 1987, Rio de Janeiro.

POR ANA FLÁVIA DE OLIVEIRA SANTOS










-Psicóloga Clínica (CRP 06/90086) 
-Formada em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP);
-Mestre em Psicologia pela mesma Faculdade e Especialista em Psicologia Clínica pelo Conselho Federal de Psicologia;
-Diretora de Ensino e Membro Associado do Instituto de Estudos Psicanalíticos de Ribeirão Preto - IEPRP, onde também integra quadro de psicólogos clínicos e supervisores.;
-Possui experiência nas áreas clínica, da saúde, escolar/educacional e social, além de ensino e pesquisa;
-Atualmente, atende crianças, adolescentes e adultos na abordagem psicanalítica nas cidades de Batatais-SP e Ribeirão Preto-SP;
-Presta assessoria na área da Psicologia Escolar/Educacional a creches e escolas. Coordena grupos de estudos em Psicanálise e Desenvolvimento Infantil; e
- Ainda, atua como professora tutora em curso de Especialização em Psicologia, Orientadora de Monografia e como funcionária pública municipal.
Contato:
Tel.: 98812-5043
Batatais: Rua Carlos Gomes, 34 - Centro
Ribeirão Preto: Rua Prudente de Morais, 1570 - Evolution Center - sala 702 - Vila Seixas
Colunista da Revista Revide: http://www.revide.com.br/blog/ana-flavia-d/

Nota do Editor:

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Um comentário:

  1. Nossos corações estão cansados. Batem, batem, batem... apanham da vida. 365 dias e eles esperam batendo firme que nós recomecemos com algo novo. O que é novo? O que seria novo se passado aqueles minutos de plena euforia tudo retorna como dantes?
    Olhamos o horizonte. Nada. Nada mudou. Apenas o número do ano...

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