sábado, 11 de fevereiro de 2017

O importante é ler o que se gosta?


Guardo na memória uma cena de infância em que, ainda não alfabetizada, eu folheava com atenção uma história em quadrinhos, provavelmente da Turma da Mônica, realizando uma cuidadosa leitura das imagens. Lembro do prazer que senti na atividade, em especial por dar a impressão de que já sabia ler. Aos cinco anos de idade, eu considerava que ler era bom e admirável. Então, para mim, a leitura estava e ainda está vinculada a um afeto.

Logo, não tenho dúvida de que a leitura é uma habilidade que se desenvolve a partir do gosto e de que, sem afeto não ocorre a formação do leitor. Entendo a formação do leitor como um processo contínuo em que as leituras vão se somando e se tornando mais complexas ao longo do tempo. No entanto, é comum observar que muitos leitores encontram dificuldades para ampliar seu repertório, podendo se restringir a um tipo de leitura específica, mais confortável e menos exigente.

E qual é o problema? Por que é importante avançar nesse processo? Embora não seja a única forma de ampliação de horizontes, penso que as experiências múltiplas de leitura contribuem para a formação de indivíduos mais críticos e com mais estratégias de leitura de mundo. Uma sociedade letrada se qualifica em vários sentidos, tanto do ponto de vista individual, quanto do coletivo.

Muitas vezes, o caminho que nos transforma em leitores experientes é auxiliado por alguém que faz a mediação entre o conhecido e o novo. Sobre isso, sempre lembro de um texto do Eduardo Galeano, intitulado "A função da Arte I", do Livro dos abraços, em que um pai convida o filho para conhecer o mar, e este fica tão deslumbrado com a imensidão do mar que pede ajuda ao pai para poder olhar.

Já usei essa história em um discurso de formatura, em aulas e oficinas que ministrei e em um artigo, em vista da força que essa imagem exerce sobre mim, que leio nela uma metáfora do papel do professor na formação de leitores. Nem todos os textos podem ser lidos de imediato por todos, em vista dos diferentes níveis de leitura desenvolvidos por cada um. Assim, alguém que ajude a olhar pode ser fundamental para abrir portas de compreensão e interpretação, necessárias para o acesso a alguns textos.

Ofertar é um repertório variado de textos de diferentes complexidades é um dever do professor, e exercitar a leitura desses textos ém direito do aluno, embora nem sempre esse direito seja reconhecido e reivindicado. Mesmo que o gosto seja algo muito pessoal, acredito que ele também pode ser desenvolvido por um bom trabalho de mediação na escola, que leve em conta os interesses dos alunos e promova uma interação efetiva e, por que não dizer, afetiva entre leitores e livros.

POR CINARA FERREIRA

















-Professora de Teoria Literária no Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; e
-Doutora em Literatura Comparada pela UFRGS.

Nota do Editor:

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Um comentário:

  1. Dizem, que o primeiro livro a gente nunca se esquece...
    Meus filhos foram agraciados com livros presenteados por um amigo.
    Segundo eles, nuca esquecerão...
    Ler o que se gosta além do prazer , vem a cultura da leitura...

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