quarta-feira, 19 de abril de 2017

Banco pode descontar valor da conta salário?




Não é de hoje que vários consumidores são vitimados pelo desconto automático de seus vencimentos para quitação de pendências financeiras junto ao banco, procedimento que é reconhecido pela jurisprudência como irregular, mas que é uma prática rotineira das instituições financeira. E por qual motivo isso ocorre e o que o correntista pode fazer para ser reparado dos prejuízos sofridos?

Primeiramente, devemos analisar a questão sob a ótica empresarial que visa o lucro desenfreado, como é o setor financeiro nacional. Isso porque, considerando a atividade econômica que exercem, precisam obter o maior lucro possível, garantindo assim a mantença dos investidores e possibilitando o próprio crescimento e a imposição do poder econômico perante a sociedade.

E, para isso, não necessariamente, as instituições cumprem a Lei, na essência da sua interpretação. Ademais, sob a analise contábil, os riscos advindos desse descumprimento é infinitamente menor do que o lucro gerado pela interpretação conveniente da Lei. Sim, descumprir a Lei gera lucro, uma pratica que pode ser considerada imoral e ilegal, mas que ocorre por culpa da própria sociedade que vivemos e do quão insignificantes são grande parte das decisões judiciais condenatórias.

O ora exposto é lastreado na certeza de que o salário, e outros vencimentos, até pela sua inegável importância em garantir a sobrevivência do indivíduo é considerando “bem” impenhorável via regra geral. Contudo, vale ressaltar que, em algumas situações, especialmente quando o credor demonstrar que o valor dos vencimentos vai além do necessário para mantença da sobrevivência do devedor, pode existir a retenção de parte do salário por ordem judicial e nas demais exceções legais

No entanto, a maioria das instituições financeiras, quando disponibilizam aos consumidores serviços e produtos como: cheque especial, empréstimos consignados, cartão de crédito e outros, em sua grande maioria possuem contratos redigidos com a possibilidade de reter valores creditados em qualquer conta mantida perante a instituição para quitação ou abatimento das dívidas existentes. E, por ser um contrato de adesão, o consumidor não possui chance de discutir qualquer cláusula, porém, ante a necessidade financeira, acaba assinando e os prejuízos futuros ocorrem.

Na prática, quando, pelos mais diversos motivos, vier a existir um descompasso entre crédito e débito nas finanças do consumidor, todo valor creditado em sua conta será utilizado para quitar dívidas de forma automática junto a instituição, sem qualquer limite ou ponderação, não sendo raros relatos de consumidores que tiveram 100% dos seus vencimentos retidos automaticamente pelo banco.

A declinada situação é conhecidíssima do Poder Judiciário, existindo milhares de decisões proferidas condenando tal prática, neste sentido:

"CONTRATO BANCÁRIO. Empréstimo. Descontos em conta corrente. Retenção integral de salários. Sentença que reconheceu ilegais os descontos na conta corrente da autora e fixou indenização por danos morais no importe de R$10.000,00. Insurgência do banco réu. Ainda que haja cláusula autorizando o desconto, esta se caracteriza como abusiva, pois coloca o consumidor em desvantagem exagerada. Desconto automático que permite ao banco forma privilegiada de cobrança. Inadmissibilidade. O banco deve utilizar-se das vias ordinárias para cobrança do seu crédito, não se admitindo a apropriação de valores da conta em que o cliente recebe seu salário por mera conveniência e comodidade. Dano moral configurado. Indenização mantida por ponderada. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJ-SP; APL 3000262-11.2013.8.26.0464; Ac. 8974778; Pompéia; Décima Primeira Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Renato Rangel Desinano; Julg. 12/11/2015; DJESP 19/11/2015)"

"DIREITO CIVIL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. BANCÁRIO. DESCONTO DE SALÁRIO. CONTA CORRENTE. 1. Retenção do salário. Impossibilidade. 2. Obrigação de fazer. Multa diária (astreintes). Incidência. 3. Agravo improvido. (Superior Tribunal de Justiça STJ; Ag-REsp 659.738; Proc. 2015/0024078-6; PR; Terceira Turma; Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze; DJE 05/03/2015)"

E, se o entendimento do Poder Judiciário em quase sua totalidade é pela ilegalidade do ato, por qual motivo as instituições financeiras continuam executando esse tipo de procedimento?

A resposta é simples, e, reitera, envolve muito mais aspecto de análise financeira do que jurídica. Ora, é sabido que para um cenário de 100 pessoas submetidas a tal situação, dificilmente mais do que cinco pessoas questionarão o assunto no âmbito judicial. E esse baixo número de questionamentos ocorre pelos mais diversos fatores, mas especialmente pelo fato de que a pessoa já em dificuldade financeira, muitas vezes acaba priorizando outras situações, além da morosidade do judiciário, dos riscos de uma decisão judicial e, quando não obtida a justiça gratuita, do elevado custo que é para que o cidadão tenha acesso ao Poder Judiciário.

Já, as poucas pessoas que ingressam com as ações, obtém as mais diversas sentenças, mas raramente existirá alguma sentença condenatória em que a instituição financeira terá que indenizar o cliente em mais de 20 mil reais. Evidenciando, portanto, contabilmente, o quão rentável é continuar realizando a retenção automática de valores, pois há o recebimento de crédito sem qualquer concorrência com outras dívidas e dificilmente o banco sofrerá qualquer revés judicial significativo que sirva para desestimular tal prática, e ainda que venha sofrer, com é de praxe, utilizam todos os recursos cabíveis e o valor da condenação é diluído ao longo dos anos, com a incidência de juros de mora legal de 1% ao mês e os juros que os bancos cobram de consumidores mensalmente superam 500% em alguma modalidade de crédito, ou seja, é rentável e lucrativo a pratica desse tipo de procedimento.

E, ainda que salário e vencimentos sejam considerado impenhorável, nos moldes do inciso V do art. 833 do CPC:

"Art. 833.:
           ...................................................................
IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º;
      .............................................................
§ 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º, e no art. 529, § 3º."
Sabemos que na prática essa garantia legal não é respeitada voluntariamente em inúmeras ocorrências. Mas, caberá ao consumidor prejudicado, em existindo interesse, questionar o assunto judicialmente. E as chances de vitória são elevadas.

No entanto, é imperioso destacar que os questionamentos judiciais com relação ao desconto em conta não possuem o condão de tornar a dívida inexistente, mas tão somente de auferir meios para que o devedor tenha preservado meios para sobreviver.

E, no que tange ao percentual máximo autorizado pela jurisprudências, salvo raras exceções o percentual máximo será de 30%, por analogia ao desconto de empréstimos consignados. Contudo, o percentual pode ser menos, desde que o devedor comprove contabilmente sua situação financeira e o necessário para sobrevivência.

Em outra esfera, a quantidade de decisões que garante ao consumidor prejudicado o direito ao recebimento de indenização por dano moral em valor significativo é praticamente nula, pois, infelizmente, ainda existe na grande parte das decisões judiciais brasileiras o conceito muito maior de que o valor dos danos morais deve ser condizente com o poder econômico do lesado ao invés da incidência de danos morais pesados que sirvam como forma de desestimular a prática reiterada de casos semelhantes. Como consequência, dificilmente serão arbitrados valores superiores a 20 mil, valor que é absolutamente irrisório frente ao poderio econômico de uma instituição financeira, refletindo na certeza de que financeiramente é compensatório a mantença dessa prática como ocorre no cotidiano; neste sentido:

"PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. EMPRÉSTIMO BANCÁRIO. DESCONTO EM CONTA SALÁRIO. LIMITAÇÃO EM 30%. SÚMULA N. 83/STJ. ALEGAÇÃO DE OFENSA A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. DESCABIMENTO. 1. Os descontos de empréstimos em conta salário devem ser limitados a 30% (trinta por cento) da remuneração. 2. Refoge da competência outorgada ao STJ analisar suposta ofensa a dispositivos constitucionais em Recurso Especial. 3. Agravo regimental desprovido. (Superior Tribunal de Justiça STJ; AgRg-AREsp 422.058; Proc. 2013/0363925-7; RJ; Terceira Turma; Rel. Min. João Otávio de Noronha; DJE 01/09/2015)"
"15746669 - AGRAVO LEGAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. PENHORA DE ATIVO FINANCEIRO EM CONTA SALÁRIO. BEM ABSOLUTAMENTE IMPENHORÁVEL. ART. 649, IV, DO CPC. AGRAVO IMPROVIDO. 1. A decisão agravada foi proferida em consonância com o entendimento jurisprudencial do c. STJ e desta eg. Corte, com supedâneo no art. 557, do CPC, inexistindo qualquer ilegalidade ou abuso de poder. 2. Nos termos do artigo 649, IV, do CPC, os valores percebidos a título de remuneração de atividade laborativa são absolutamente impenhoráveis e, para tanto, é despicienda a comprovação de que o salário percebido é ou não imprescindível para a sobrevivência da executada. 3. Em que pese o entendimento da agravante de que houve autorização expressa da agravada para que fosse realizado desconto em seus rendimentos, no importe de 30% (trinta por cento), os valores recebidos a título de salários são absolutamente impenhoráveis, na medida em que possuem caráter alimentar, razão pela qual descabe determinar o seu bloqueio. 4. Agravo improvido. (TRF 03ª R.; AL-AI 0001844-38.2015.4.03.0000; MS; Primeira Turma; Rel. Des. Fed. Marcelo Saraiva; Julg. 19/05/2015; DEJF 29/05/2015; Pág. 254) CPC, art. 649"

"CÍVEIS. REVISÃO DE CONTRATO. PRELIMINARES. RETIFICAÇÃO DO POLO PASSIVO. NÃO CONHECIMENTO. CARÊNCIA DE AÇÃO. REJEITADA. AUSÊNCIA DE CONTRATO. EMPRÉSTIMO BANCÁRIO. EXTRATOS. RETENÇÃO INTEGRAL DO SALÁRIO. CONTA CORRENTE. ILEGALIDADE. DANO MORAL. CONFIGURADO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. RECURSO DO BANCO/APELANTE. CONHECIDO EM PARTE E DESPOVIDO. RECURSO DO AUTOR/APELANTE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. 1. Inexiste interesse recursal a respaldar a insurgência acerca da retificação do polo passivo, pois os pedido esta em consonância com a decisão do juiz "a quo", favorecendo o próprio o que alega. 2. É possível a revisão de contratos que apresentem ilegalidade ou patente abusividade, independente da ocorrência de qualquer evento imprevisível e superveniente, o que configura o interesse de agir da parte autora, não se falando, na hipótese vertente, em ausência de interesse de agir. 3. "é inadmissível que o banco credor aproprie dos vencimentos dos correntistas que lhes são confiados em depósitos em conta como forma de quitação de parcelas inadimplidas de contratos de mútuo bancário. " (STJ, rcdesp no AG 1018483/RJ). O devedor faz jus à reparação dos danos morais, diante da apropriação indevida do salário depositado em sua conta-corrente (STJ, RESP nº 595006/RS). Não se confunde o desconto em folha para pagamento de empréstimo garantido por margem salarial consignável, prática que encontra amparo em legislação específica, com a hipótese desses autos, onde houve desconto integral do salário depositado em conta corrente, para a satisfação de mútuo comum. 4. Descabem a majoração do quantum em que fixada os honorários advocatícios quando estes restaram arbitrados em valor que remunera dignamente o trabalho do profissional que atuou na causa, considerando a cumulação de pedidos, natureza da causa, gasto de tempo de labor e sua complexidade, dentro dos predicados registrados nas alíneas 1ª’, ‘b’ e ‘c’ do § 3ª,. Do artigo 20 do CPC, embora fixando esta verba com supedâneo no parágrafo posterior. (TJ-MT; APL 27640/2015; Capital; Rel. Des. Sebastião de Moraes Filho; Julg. 15/07/2015; DJMT 21/07/2015; Pág. 24)"

Outrossim, ao analisarmos a conjuntura dos fatos sob a âmbito da essência esperada da Justiça, é absolutamente acertada as decisões que impendem a retenção automática de valores frutos de proventos, pois o devedor deve ter a total autonomia e independência de, em um momento de crise financeira, priorizar os credores de contas essenciais, como alimentação, água, luz, vestuário, educação, saúde e outras, não sendo crível imaginar que quitar dívidas bancárias seja uma prioridade, até pelo fato de que os bancos possuem os mecanismos legais para requerer o adimplemento, inclusive via judicial, de tal sorte que a retenção automática pode ser interpretada em alguns casos como exercício arbitrário das próprias, ato ilícito que gera no dever de indenizar.

Porém, em razão do exposto, temos que, infelizmente, não há no horizonte qualquer perspectiva de que exista alteração na metodologia de retenção de valores creditados em conta para quitação automática de débito, pois os valores arbitrados nas condenações são absolutamente ínfimos.

Além disso, em conjunto com as condenações irrisórias, o lucro obtido nos atos praticados em comparação com a quantidade de consumidores que buscam o judiciário, culmina com a certeza de ser rentável e lucrativo manter ativo o a retenção automática de valores e figurar como réu em alguns pouquíssimos processos, se comparados com a quantidade de possíveis lesados.

Mas, restou demonstrado que, quando o consumidor é melhor instruído e/ou tem condições de ter acesso ao Poder Judiciário, a imensa maioria das decisões judiciais concedem tutelas e sentenças são proferidas e mantidas pelos tribunais superiores, proibindo a retenção automática de valores percentuais expressivos dos vencimentos mensais recebidos pelos devedores, permitindo assim, que esses devedores consigam arcar com o pagamento de suas dívidas, sem sofrer prejuízo ao próprio sustento, como ocorre com aqueles que ficam inerte e aceitam tranquilamente esse tipo de abuso.

Conclui-se, portanto que, ainda que as decisões judiciais não concedam ao lesado o direito ao recebimento de indenizações elevadas, é o único mecanismo que o consumidor possui para garantir a própria subsistência, vez que é inaceitável saber que um cidadão pode ter mais do que 30% dos seus rendimentos retido automaticamente.

POR ALEXANDRE BERTHE PINTO














- Foi sócio de Berthe e Montemurro Advogados;
- Atua nas áreas de Direito Bancário, Consumidor, Condominial, Saúde, Imobiliário, Responsabilidade Civil e Indenizatória, Família e Sucessões e Contencioso Civil;
-Pós Graduado  em Direito da Família e Sucessões(EPD);
- Pós Graduando em Direito Aplicado aos Serviços de Saúde;
-Inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil Seção Paulo e
-Membro da Associação dos Advogados de São Paulo.

Nota do Editor:


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Um comentário:

  1. Bancos, traficantes, empreiteiros e políticos nunca perdem. Em qualquer regime. Em qualquer condição. Com crise ou sem crise. É como roubo à banco. Alguém acha que banco algum irá gastar dinheiro para evitar, se o montante que se roubam é irrisório?
    Vejam os aposentados por invalidez que estão tendo seus benefícios reduzidos até acabar. O desconto do consignado continua integral...

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