terça-feira, 20 de agosto de 2019

Justiça, Valor e Obscurantismo


Autora: Mônica Ventura(*)

"E vós que desejais compreender a justiça, como a compreendereis sem examinar todas as ações na plenitude da luz?
Somente então sabereis que o ereto e o caído são um mesmo homem, vagueando no crepúsculo entre a noite de seu Eu-pigmeu e o dia de seu Eu-divino,
E que a pedra angular do templo não supera a pedra mais baixa de suas fundações."
                                                                                                                              Gibran Khalil Gibran

Valor, na significância rigorosa do termo, filosoficamente, é o caráter daquilo que, seja de modo relativo ou absoluto, é desejado, tido e havido como objeto de estima ou de desejo. Se se trata do valor de uma criatura humana e não de um valor venal, mobiliário ou qualquer outro, o valor é a qualidade de quem tem audácia, coragem, valentia, vigor. Umas tantas vezes, esse valor da criatura é confundido com arrebatamento, arrojo de improviso e até mesmo com a intrepidez. Outras tantas vezes, pessoas insensatas ou temerárias, arrivistas, inescrupulosas e anarquistas, são tidas como valorosas, porém, mais não são do que irresponsáveis vítimas de desmandos mentais.
 
Sem qualquer demérito para quem quer que seja, encontram-se nos anais da historiografia mundial, homens e mulheres que, por exemplo, salvaram vidas em circunstâncias difíceis e especiais e que, talvez, não hajam refletido antes de tomar a decisão que culminou por notabilizá-las.
 
Da mesma forma, outros, heróis de façanhas guerreiras, podem ter agido impulsionados pelas alucinações da ira, do ódio ou da ferocidade interior que lhes consumia porque eram incapazes de vivenciar uma experiência pacífica longe das pelejas e das brigas nas labutas e fainas cotidianas.
 
São vários os fatores decorrentes da emotividade estimulada que podem conduzir a criatura a uma situação arrojada ou, ao inverso, a uma situação de fuga porque o valor de uma pessoa não se revela apenas num momento crítico, numa situação opcional ou no instante de um gesto audaz. O valor é sim, um estado de ânimo brioso, altivo, garboso que se prolonga, paulatinamente a cada experiência vivida, com a firmeza no ideal do bem, a despeito das dificuldades que se opõem para serem vencidas, assim como, dos óbices a transpor.
 
Portanto, o valor é uma disposição íntima, conscientemente adotada pela criatura para o sacrifício enquanto, renúncia, abnegação, desprendimento de si mesma e do apego aos bens materiais. Esse sacrifício é o "ofício sagrado" de se fazer algo sagrado. É a coragem de vencer a si mesmo antes de pretender vencer a outrem. É a audácia de desculpar antes de esperar as desculpas alheias. É a força de conviver entre ideias e ideais opostos e, apesar dos desaires e desencantos, manter-se íntegro, legítimo homem de valor.

Esse legítimo homem ou mulher de valor, sabe atuar mediante a firmeza nos atos de austeridade moral em quaisquer lugares ou circunstâncias onde, no convívio, são arregimentadas e exteriorizadas paixões. Paixões essas, familiares, sociais, religiosas, políticas e ideológicas, em cujas esferas se cruzam interesses nem sempre elevados, porém, o homem de valor, sabe manter a disciplina e a continência, a fraternidade e a serenidade, sem se deixar contaminar pelos melindres, pelas tricas e futricas mui comuns nas relações sociais e que nada mais fazem do que perturbar o ambiente gerando infelizes processos de desgastes de forças e energias nas criaturas como nas instituições onde atuem com a desagregação do trabalho a realizar em prol da coletividade.
 
Reflexionando nas palavras do sábio Poeta do Oriente, anotadas em epígrafe neste artigo, quando ensina que para compreender a justiça é preciso examinar todas as ações na plenitude da luz, após avaliar a disposição de ânimo para encontrar o legítimo homem de valor, é mister avaliar também o obscurantismo na índole das criaturas.

O obscurantismo é a condição daquele que vive na escuridão, na ausência de conhecimento, portanto, na ignorância. Ou por outra via, seja de boa ou má-fé, pode ser caracterizado também pela reprovação ou oposição ao esclarecimento da maioria das pessoas que mantêm entre si, certa coesão de caráter social, cultural, político, religioso, econômico. Por fim, nota-se o obscurantismo, cotidianamente, naquelas situações políticas, enquanto habilidade no trato das relações humanas, de se fazer alguma coisa, utilizando-se de meios com o fito de impedir o esclarecimento da massa por considerá-lo um "perigo" para a sociedade.

Nesse quesito, o obscurantismo é uma tentação ao mal porque envenena facilmente, dilui os sentimentos e anestesia os deveres, dilacerando a responsabilidade, deixando inermes os valores morais que exornam o caráter da criatura.

A ignorância ou obscurantismo, tanto pode estar presente na ira e conviver no ódio vingativo dos sentimentos como pode também estar presente no ciúme e se alimentar na vingança. Pode viger na ambição de qualquer porte e respirar no clima da usura. É uma tentação que agride outrem na traição e sempre ressurge na hipocrisia. Entretanto, não é fácil identificar sem se observar os aspectos negativos nas situações porque ela, a "escuridão", surge mais cruel e poderosa quando se apresenta disfarçada na mentira falaciosa ou no suborno da ilusão. Vem no tempero amargo da censura, ou, com habilidade no açodar dos instintos, envolvendo outros na bajulação.
Infortunadamente, não é menor o obscurantismo nos veios políticos, na posição ideológica, no proselitismo partidário e nem mesmo, nos veios da justiça quando, por exemplo, nada obstante, tendo sido eliminado o nepotismo na magistratura pelo CNJ – Conselho Nacional de Justiça, vê-se nos dias presentes, a criação da figura nefasta do nepotismo processual, quando a Corte Suprema da Nação, despende recursos financeiros e humanos para "abrir inquéritos" para apurar denúncias contra parentes de seus próprios ministros, utilizando-se de um auto-poder de polícia investigativa que, absolutamente, não lhe compete.
Vale lembrar que o regimento do STF concede sim, ao seu presidente, cargo aliás, diga-se de passagem, temporário e não vitalício, o direito de defender o Tribunal contra "infrações à Lei Penal ocorridas na sede ou dependências da Corte". Trata-se assim, de um poder de polícia majorado por um limite físico, ou seja, ocorrência na sede ou dependência física da instituição o que, por si só, caracteriza limitação ao poder absoluto de quem exerce o cargo.
Ao contrário do que deveria ser, houve por equívoco de interpretação ou por obscurantismo, um viés tortuoso pelo qual a limitação ao auto-poder absoluto foi confundida com ilimitado poder jurisdicional. Assim, em decisão comprometedora da segurança jurídica, foi alongada a sede da Corte na extensão territorial do País e a Nação foi subjugada a ser uma "dependência" da Suprema corte com aquele malfadado nepotismo processual.
Que fazer, além de rezar, quando a sociedade se sente subjugada a um poder supremo no País que, tendo o dever de respeitar, cumprir e fazer cumprir a Constituição, Carta Magna da Nação, a viola sem pudores?
A mais alta instância do poder judiciário brasileiro, o STF, acumula competências de Tribunal de última instância e Tribunal Constitucional. Os cidadãos brasileiros desejam se orgulhar da Suprema Corte da Nação, mas, como?! Se a Corte tem sido permeada por decisões que além de julgar o que lhe compete, também se arvora no poder de investigar, de legislar, de "mandar abastecer navios", de atuar como se poder executivo fosse, quando impede a extinção de "Conselhos" que somente lutam por posição ideológica em detrimento da Nação, quando impede o legítimo poder executivo eleito democraticamente pelo voto popular de enxugar as engrenagens do Estado, de extinguir cargos comissionados e nomeações, de realocar o Conselho de Controle de Atividades Financeiras no Ministério que aprouver ao Governo, enfim, tudo isso, num verdadeiro golpe de estado perante os olhos estarrecidos dos cidadãos e, quem deve e pode tomar providências não o faz porque, quiçá, esteja também comprometido?!
"Investigar o STF é proibido pelo STF. Assim decidiu o STF". Mas, não se trata de criticar a Instituição Suprema Corte, que deve ser preservada a qualquer custo, dizem alguns. Sim, a crítica é ao comportamento individual de alguns membros que compõem o quadro atual da Instituição. Afinal, quem são os beneficiados com a "usina de mordomias" da Itaipu Binacional com patrocínio oculto a passeios ao velho Continente?!
Não será necessário enumerarmos ainda outros tantos vieses como o da “imparcialidade do devido processo legal”, ou da "insegurança jurídica" causada por determinadas decisões, ou ainda do descumprimento e da politização dos prazos processuais que ferem o Regimento interno da própria Instituição, ou das decisões monocráticas e da ministrocracia e do ativismo judicial, porque, como bem anotou Gibran Khalil Gibran, para compreender a justiça, ao examinar todas as ações na plenitude da luz, nos depararemos com os homens, e então saberemos que "o ereto e o caído, são a mesma criatura, vagueando no crepúsculo entre a noite de seu Eu-pigmeu e o dia de seu Eu-divino".
Que fazer?! – Persiste a inquirição, enquanto o obscurantismo está a desserviço da justiça em oposição ao valor que se quer a serviço da mesma justiça.
Então, finalmente se compreende que é preciso trazer o Cristo redivivo de há dois mil anos – "Vigiai e orai para não cairdes em tentação" – Evangelho Segundo são Marcos: 14-38.
É necessário "vigiar" as entradas do coração e permanecer no posto da prece, pois, somente a vigilância disciplinada e persistente será o antídoto valoroso e incorruptível da qual ninguém, supremos ou criaturas comuns, poderá prescindir para objetivar e alcançar êxito seja, nos relevantes empreendimentos da Justiça e ou nos trabalhos do BEM.
Quando a criatura compreender, como exalta o Profeta do Oriente, que "a pedra angular do templo não supera a pedra mais baixa de suas fundações", estará também, pronto para perceber que a Nação como as suas Instituições, serão o que delas fizerem os homens. 
Assim, que cada criatura, faça luz na escuridão da ignorância para, em examinando as próprias fragilidades, não permitir que a presunção lhe crie quimeras que impeçam que o legítimo homem de valor, eleve a razão à altura da paixão, para que ambas, razão e paixão, caminhem a par e passo, permitindo-o renascer a cada dia, tal qual a fênix, das próprias cinzas. 
Referências Bibliográficas - Obras e Livros consultados:
Evangelho Segundo São Marcos;
O Profeta – Gibran Khalil Gibran – Tradução de Mansour Challita – 1974;
Obras da Literatura Espírita / Allan Kardec/ Chico Xavier / Diversos Espíritos;
Elucidações Psicológicas À Luz do Espiritismo – Joanna de Ângelis/ Divaldo P. Franco. – Organização: Geraldo Campetti Sobrinho e Paulo Ricardo A. Pedrosa – LEAL/3ª Edição - 2018;
Memórias do Cárcere – Graciliano Ramos – José Olympio Editora – 1ª Edição- 1953;
Um Pilar de Ferro – Taylor Caldwell – Editora Record – 2008.
Direito e Justiça – Ana Elizabeth Neirão Reymão e Karla Azevedo Cebolão – Editora Lumen Juris – 1ª Edição – 2018; e
Justiça – O Que é Fazer a Coisa Certa – Michel J. Sandel – Ed. Civilização Brasileira – Tradução de Heloísa Matias e Maria Alice Máximo – Copyright 2009.
*MÔNICA MARIA VENTURA SANTIAGO


- Advogada. Especialidades:
- Direito de Família e Sucessões,
- Direito Internacional Público,
- Direito Administrativo;
- Lato Sensu em Linguística e Letras Neolatinas;
- Degree in English by Edwards Language School – London - Accredited by the British Council, a member of English UK and a Centre for Cambridge Examinations;
- Escreve artigos sobre Direito; Política; Sociologia; Cidadania; Educação e Psicologia.






Nota do Editor:

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10 comentários:

  1. Parabéns Mônica, pelo texto que reflete o que estamos vivendo em uma das nossas mais importantes Instituições do País.

    Alexander,

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    1. Obrigada, Alex!
      Muito feliz com sua apreciação e comentário!!
      Paz e bençãos!!

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  2. Monica Parabéns. O texto nos faz pensar em tudo que estamos vivendo. Obrigada por ter me enviado.

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  3. Monica Parabéns. O texto nos faz pensar no que estamos vivendo

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  4. Mônica, seu texto é excelente e abre as mentes de quem quer ver e enxergar a realidade brasileira. A briga é dura, mas como sempre,o bem vencerá. Como todo planeta nosso país também está em fase de regeneração, moral e espiritual e acredito e sigo os emcinamentos do Cristo. PAZ NA TERRA AOS HOMENS DE BOA VONTADE...

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    1. Olá!!
      Gratidão pelo comentário!!
      Sim, "O Bem vencerá"!!
      Eu também creio nessa fase de transição planetária!!
      Obrigada pela gentil atenção!!
      Paz e bem!!

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  5. Mônica, seu texto é excelente e abre as mentes de quem quer ver e enxergar a realidade brasileira. A briga é dura, mas como sempre,o bem vencerá. Como todo planeta nosso país também está em fase de regeneração, moral e espiritual e acredito e sigo os emcinamentos do Cristo. PAZ NA TERRA AOS HOMENS DE BOA VONTADE...

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