quarta-feira, 6 de novembro de 2019

A Obrigação de Transferência do Veículo


Autora: Michele Kibune(*)

Muitas pessoas, por questão de praticidade e segurança, optam por venderem seus veículo para revendedores ou concessionário, ou, ainda mais comum, dar de entrada o seu veículo para a aquisição de um novo. 

Se a concessionária ou revendedora vender esse veículo, e o adquirente não transferir o carro para o seu nome perante os órgãos de trânsito, gerará inúmeras consequências para o seu antigo proprietário, inclusive na esfera penal, sem mencionar que este poderá ser responsabilizado por multas aplicadas em consequência de infrações de trânsito que não cometeu. 

Importante destacar que essa venda se trata de típica relação de consumo, chamando, assim, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. 

Dessa forma, a responsabilidade da revendedora ou concessionária, ao contrário do que acontece quando a venda de veículos se da entre particulares, é objetiva, conforme preceitua o artigo 14 do CDC, vejamos: 

"Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos." 
Assim, ainda que não tenha culpa, o fornecedor responde pelos prejuízos que causar aos seus consumidores. 

Dessa forma, a pessoa jurídica compra o veículo do particular, é responsável pela transferência pelo terceiro perante os órgãos de trânsito, podendo, inclusive, ser condenada ao pagamento de danos morais vejamos como já se posicionou o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: 
"COMPRA E VENDA DE VEÍCULO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE REGULARIZAÇÃO DE TRANSFERÊNCIA DO AUTOMÓVEL PERANTE O DETRAN. ANOTAÇÃO DE PONTOS NO PRONTUÁRIO E SUSPENSÃO DO DIREITO DE DIRIGIR. DANO MORAL CONFIGURADO. ARBITRAMENTO QUE DEVE GUARDAR RAZOABILIDADE. NOVA FIXAÇÃO EFETUADA. RECURSO DA AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO, IMPROVIDO O DA RÉ. 1. Caracterizado está o dano moral, pois a situação vivida pela autora não se limitou a simples transtorno, pois, diante do comportamento omissivo da ré, que não providenciou a transferência da propriedade do carro, teve seu prontuário de motorista maculado com infrações cometidas depois de anos da transferência do bem para a demandada, além de ter suspenso seu direito de conduzir veículo receber diversas cobranças por multas e impostos incidentes sobre o bem, com ameaça de inclusão de seu nome junto ao CADIN. 2. Procurando estabelecer montante razoável para a indenização por dano moral decorrente da indevida negativação do nome do autor, adota-se o valor de R$ 12.000,00 por identificar a situação de melhor equilíbrio, de modo a guardar relação com o grau da culpa e influenciar no ânimo do ofensor. COMPRA E VENDA DE VEÍCULO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE REGULARIZAÇÃO DE TRANSFERÊNCIA DO AUTOMÓVEL PERANTE O DETRAN. LIMINAR CONCEDIDA, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA DE R$ 500,00, LIMITADA A R$ 20.000,00. PLEITO DE REVOGAÇÃO. DESACOLHIMENTO. QUESTIONAMENTO EM RELAÇÃO AO VALOR DA "ASTREINTE". PREVALECIMENTO DA FIXAÇÃO. RECURSOS IMPROVIDOS. A finalidade da multa é servir de fator de coerção para motivar a parte ao cumprimento da obrigação de fazer, e por isso deve representar um valor razoável para servir de motivação. No caso, as partes não apresentaram qualquer fundamento sério para evidenciar eventual excesso ou insuficiência do valor fixado pelo Juízo de primeiro grau.(TJ-SP - APL: 00591586320128260002 SP 0059158-63.2012.8.26.0002, Relator: Antonio Rigolin, Data de Julgamento: 30/05/2017, 31ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 30/05/2017) "

"Compra e venda de veículo. Ação de reparação de danos decorrentes da falta de transferência do veículo pela compradora. Autora que pagou os IPVAs de 2013 a 2016. Prescrição que, no caso, é trienal e não se configurou. Ausência de comunicação da venda do veículo que torna regular o lançamento tributário e o protesto da CDA realizados pela Fazenda Pública em desfavor da Autora. Muito embora não se possa imputar à revendedora de veículos a obrigação de transferir o bem para o seu nome ou do terceiro a quem vendeu o carro, nos termos do art. 30 da Portaria 1.606/05 do DETRAN, cumpre a ela comunicar a transferência, bem como ressarcir os danos causados ao alienante no caso de eventual omissão. Dano moral configurado, ante o protesto das CDAs em desfavor da Autora. Recurso desprovido.(TJ-SP - AC: 10131924120188260005 SP 1013192-41.2018.8.26.0005, Relator: Pedro Baccarat, Data de Julgamento: 15/07/2019, 36ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 15/07/2019). "
Importante ficar atento ao prazo prescricional, que, segundo o CDC é de cinco anos e sua contagem se inicia somente após a ciência do consumidor da ocorrência do dano e de sua autoria, vejamos o seu artigo 27: 
"Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria. "
Portanto, ainda que o carro tenha sido vendido há mais de cinco anos, não há como se falar em prescrição quando o consumidor somente tomou ciência da ausência de transferência muito tempo depois e antes de atingido o prazo mencionado, tal ocorre quando, por exemplo, recebeu uma notificação de suspensão do direito de dirigir ou quando seu nome foi inscrito no CADIN por ausência de pagamento de débitos do veículo vendido. 

*MICHELE VIEIRA KIBUNE


- Graduada na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo;
- Pós-graduada em Direito Previdenciário;
- Atuante na área Cível, Família, Trabalhista e Previdenciário.
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Nota do Editor:

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