terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Da abusividade da Cláusula de Tolerância de 180 dias para Construtoras


Autor: Thales Menezes (*)
 

Um tema que encontra pertinência em praticamente qualquer Ação Judicial que envolva construtoras é a respeito da legalidade ou não da Clausula de Tolerância presente em todos os contratos de compromisso de compra e venda de imóveis.

Esta cláusula da a Construtora e Incorporadora o direito de atrasar a entrega do imóvel em até 180 dias após a data estipulada para a conclusão.

Esta questão traz consequências seriíssimas em lides que envolvam indenização pelo atraso na entrega da obra e de rescisões de contrato por inadimplemento da Construtora, por exemplo.

Caso o juiz considere válida essa cláusula, durante esse período de 180 dias a construtora não está inadimplente com os Compradores, portanto não deve indenizá-los pois a conclusão do imóvel ainda não está atrasada.

Esta cláusula é um verdadeiro absurdo. Um contrato bilateral é formado por duas partes que, de comum acordo, assume direitos e contrai obrigações. Caso uma das partes não cumpra com essas obrigações, ele estará inadimplente e sobre ele incidirá uma multa.

No caso em questão, a obrigação do comprador do imóvel é pagar regularmente as parcelas do imóvel, e a Construtora, por sua vez, tem a obrigação de entregar o bem adquirido na data estipulada em contrato. A injustiça nasce no momento em que o Comprador, caso atrase um único dia no cumprimento de sua obrigação, já se torna inadimplente passa a sofrer a imposição das sanções contratuais, enquanto a Construtora, caso não cumpra com sua obrigação contratual, tem o direito de atrasar por mais 180 dias sem se preocupar com retaliações.

Ora, é evidente a disparidade entre os direitos e vantagens das partes do contrato. A Construtora é muito mais beneficiada no contrato, tornando o negócio jurídico completamente desigual e desequilibrada, o que é duramente combatido pelo Código de Defesa do Consumidor, e isto pode ser observado claramente em seu artigo 51, IV que assim dispõe:

"Art. 51 -São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos ou serviços que:

[...]

IV – estabeleçam prestações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;

[...]"

Como se observa pela norma citada, um contrato bilateral deve manter um equilíbrio entre as partes contratantes, onde nenhuma saia em exagerada desvantagem no negócio jurídico, sob pena de infringir os princípios da isonomia e do equilíbrio contratual. Caso alguma cláusula venha a atacar estes princípios em questão, deve ser invalidada devido sua abusividade.

Nesse sentido assevera Felipe Peixoto Braga Netto:


"Serão inválidas as disposições que ponham em desequilíbrio a equivalência entre as partes. Se o contrato situa o consumidor em situação inferior, com nítidas desvantagens, tal contrato poderá ter a sua validade judicialmente questionada, ou, em sendo possível, ter apenas a cláusula que fere o equilíbrio afastada". (Felipe Peixoto Braga Netto, in Manual de Direito do Consumidor, Salvador: Edições Juspodivm, 2009)
Estes princípios, por serem basilares na defesa do consumidor, são amplamente aplicados pelos Tribunais do país e pelo STJ, como é possível observar pela seguinte jurisprudência:

"NÃO PODE A ESTIPULAÇÃO CONTRATUAL OFENDER O PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE, E SE O FAZ, COMETE A ABUSIVIDADE VEDADA PELO ART. 51, IV, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ANOTE-SE QUE A REGRA PROTETIVA, EXPRESSAMENTE, REFERE-SE A UMA DESVANTAGEM EXAGERADA DO CONSUMIDOR, E AINDA, COM OBRIGAÇÕES INCOMPATÍVEIS COM A BOA-FÉ E A EQUIDADE" (STJ, RESP 158,728, REL. MIN. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, 3ª T., J. 16/03/99, P.DJ 17/05/99)
Ora, Construtoras são grandes empresas de engenharia, compostas por uma gama de profissionais muito bem qualificados unidos em prol do objetivo de construir imóveis para a venda. Ao realizar os estudos de escolha do local, valores de investimento, perspectiva de mercado, custo da obra, etc, certamente a questão do prazo para a conclusão é analisada também, e nesta data, já que é imposta livremente pelo construtor, certamente já é adicionado um prazo de segurança, ou pelo menos deveria ser por questão de lógica. 

Ressalta-se que esse prazo é estipulado livremente pelo construtor. Ele não é limitado e imposto por uma equipe de engenheiros que estipulam que cada parede demora em média 1 dia para ser levantada, por isso o prazo máximo para construção de um prédio deve ser um ano, por exemplo. É um prazo que a Construtora considera atrativo para os compradores dos imóveis, tornando ele mais competitivo no mercado.

O prazo de 180 (cento e oitenta) dias é um tempo que extrapola o próprio prazo de segurança que a própria construtora estipula para si mesma.

Seguindo o mesmo raciocínio, observa-se as seguintes jurisprudências de duas diferentes câmaras do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás:

"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. ATRASO ENTREGA IMÓVEL. CONSTRUTORA EM MORA. VALIDADE DA CLÁUSULA DE TOLERÂNCIA. DATA DE ENTREGA DA OBRA. CARTA DE HABITE-SE. RETENÇÃO DAS CHAVES DA UNIDADE HABITACIONAL ATÉ A CONCLUSÃO DO FINANCIAMENTO. ABUSIVIDADE. LUCROS CESSANTES. DEVIDOS. COBRANÇA DE TAXA DE CONDOMÍNIO. INDEVIDA. DANO MORAL INEXISTENTE. 

1 - A cláusula que prevê tolerância para o atraso, pelo prazo fixo de 180 dias, não restando convencionado que a utilização desse prazo estaria vinculada a qualquer causa de força maior ou evento fortuito, é hígida. 

2 - O termo final para conclusão da obra, não é a data da assinatura do termo de entrega, mas sim a de expedição da Carta de Habite-se, vez que este atesta que a obra está concluída e em condições de ser habitada. 

3 - Condicionar a obtenção do financiamento pelo adquirente, para só então proceder à entrega das chaves da unidade habitacional é abusiva, conforme moderno entendimento jurisprudencial. 

4 - Os precedentes do Superior Tribunal de Justiça, solidificou o entendimento de que a efetiva posse do imóvel, com a entrega das chaves, define o momento a partir do qual surge para o condômino a obrigação de efetuar o pagamento das despesas condominiais. 

5 - O simples inadimplemento contratual, como operado in casu, não abre espaço para o reconhecimento presumido do dano moral e, por si só, não expõe o contratante a situação vexatória ou humilhante capaz de atingir a sua honra ou imagem, sendo descabida a pretensão indenizatória por danos morais. APELO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.”

(TJGO, APELACAO CIVEL 201479-74.2014.8.09.0051, Rel. DES. ALAN S. DE SENA CONCEICAO, 5A CAMARA CIVEL, julgado em 07/07/2016, DJe 2069 de 15/07/2016)


“AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE IMPORTÂNCIAS PAGAS. ATRASO NA ENTREGA DA OBRA. PRAZO DE TOLERÂNCIA. FORÇA MAIOR OU CASO FORTUITO. NÃO OCORRÊNCIA. DEVOLUÇÃO INTEGRAL DOS VALORES PAGOS. INCABÍVEL A RETENÇÃO DE PERCENTUAL DE 30% DO VALOR PAGO PELA AUTORA. 

1. O atraso injustificado na entrega da obra, por si só, enseja a rescisão contratual e a restituição das importâncias pagas pela autora. No caso dos autos, é fato incontroverso o atraso de 07 (sete) meses na entrega das chaves da unidade habitacional especificada na exordial, enquanto o contrato firmado entre os litigantes estabelecia tolerância de 180 (cento e oitenta) dias. Assim, não tendo o imóvel sido entregue na data pactuada, por culpa da construtora, esta deve ser responsabilizada pela rescisão do contrato. 

2 - Conforme precedentes desta Corte, o prazo de tolerância, in casu de 180 (cento e oitenta) dias, tem sido considerado abusivo, por ferir sobremaneira o princípio da isonomia, haja vista que tal tolerância não é admita quando o inadimplemento obrigacional é imputado ao consumidor. 

3 - Não comprovando a promitente vendedora a ocorrência de caso fortuito ou de forca maior, a justificarem o não cumprimento da obrigação, deve restituir integralmente as parcelas pagas pelo promitente comprador. 

4 - Não há que se falar na retenção de percentual sobre os valores já pagos pela compradora, a titulo de multa, quando a rescisão ao contrato deu-se por culpa exclusiva da construtora. 

5 - Como o agravo interno não trouxe nenhum argumento novo capaz de modificar a conclusão proposta, a decisão zurzida deve ser mantida por seus próprios fundamentos. Agravo interno desprovido.”
(TJGO, APELACAO CIVEL 362028-16.2010.8.09.0175, Rel. DR(A). EUDELCIO MACHADO FAGUNDES, 2A CAMARA CIVEL, julgado em 28/01/2014, DJe 1480 de 06/02/2014)
Portanto, fica claro que o prazo de tolerância de 180 (cento e oitenta) dias é abusivo, já que os Autores não tiveram esse mesmo direito para cumprir com suas obrigações contratuais.

Mas infelizmente esse não é o entendimento aplicado na maioria dos Tribunais do país. Muitos juízes, por uma razão que nunca foi bem esclarecida, simplesmente costumam considerar como legal e justo que a Construtora tenha o direito de atrasar seis meses para cumprir sua obrigação, mesmo que não tenha ocorrido qualquer caso fortuito dou de força maior, enquanto o Comprador do imóvel não pode atrasar um único dia.

* THALES BARBOSA DE MENEZES













Graduação pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás;
-Pós graduação em Direito Imobiliário pela AVM- Faculdade Integrada;e
E-mail:thalesadv39709@hotmail.com
Sites: www.advocaciaimobiliariagoias.com e

 www.escritoriomensur.com 



Nota do Editor:

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