terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Da Pandemia da Covid-19 ao Auxilio Emergencial


 Autora: Katiele Rehbein(*)

A pandemia da Covid-19 teve início em 31 de dezembro de 2019, quando a Organização Mundial da saúde (OMS) foi avisada sobre vários casos de pneumonia na cidade de Wuhan, província de Hubei, na República Popular da China; e que, em verdade, tratava-se sobre um novo tipo de vírus, da família dos Coronavírus, que nunca havia transbordado aos seres humanos. Uma semana após emitido o alerta, em 07 de janeiro de 2020, as autoridades Chinesas asseveraram que haviam identificado um novo tipo de vírus (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE, 2020).

Nomeado cientificamente de SARS-CoV-2, o vírus ensejador da doença da Covid-19 originou infecções de cunho respiratório, trazendo quadros clínicos de pacientes que mudavam de casos respiratórios graves à infecções assintomáticas, necessitando de atendimento médico específico, além de equipamentos especiais para ajudar na recuperação dos infectados (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE, 2020). 

Salienta-se que logo nos primórdios da pandemia se evidenciaram as limitações do ramo da saúde, tanto pelo Sistema único de Saúde (SUS) quanto pelas redes particulares, para o atendimento e tratamento das pessoas com quadros clínicos considerados mais graves, dada a limitação de equipamentos e lugares que tivessem as condições pertinentes para atender esses infectados. À vista disso, em todos os países se tornaram importantes as medidas de caráter administrativo para a contenção da pandemia.

Ao final do mês de janeiro de 2020, mais precisamente no dia 30, a OMS declarou que a Covid-19 constituía uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII). E esse alerta mundial se tornou de muita importância para que todas as nações buscassem soluções para findar ou minimizar a propagação, momento de ganhar tempo para implementar medidas que pudessem interromper o ciclo de transmissão da Covid-19.

Desde que foi detectada em 2019, a doença Covid-19 foi definida como uma "pandemia" pela OMS, isto é quando uma "epidemia", que é caracterizada por uma doença que se manifesta em mais de uma cidade ou região, se espalha rapidamente por mais continentes ou por todo o mundo (FRANÇA, 2020). Contudo, passou a ser considerada como uma "sindemia" por pesquisadores da temática e não mais como uma pandemia. 

O termo sindemia foi estipulado pelo antropólogo dos Estados Unidos (EUA) Merrill Singer, na década de 1990, para explicar a situação em que duas ou mais doenças agem mutuamente provocando danos maiores do que mormente a soma dessas comorbidades (BATISTA et al., 2020). No texto presente, é válido destacar que a doença da Covid-19 é tratada como uma pandemia, até que a terminologia sindemia passe a ser utilizada pela OMS.

Nesse ínterim, o controle da pandemia se tornou de extrema importância, conforme o Regulamento Sanitário Internacional (RSI), dado que trata-se de um momento extraordinário que é capaz de trazer um risco grande à saúde pública, visto o contágio internacional e que precisa de uma resposta internacional imediata e coordenada (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE, 2020).

Em virtude desse cenário, como meio de prevenção, o Brasil sancionou a Lei nº 13.979, em 06 de fevereiro de 2020, que "dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo Coronavírus" (BRASIL, 2020). Vinte dias após a lei ser sancionada, em 26 de fevereiro de 2020, houve o registro do primeiro caso de contágio brasileiro, tratando-se de um homem de 61 anos que havia voltado de viagem da Itália.

Em 11 de março de 2020 a OMS elevou o estado da contaminação à pandemia (antes considerada epidemia, como já mencionado) e alertou que não haviam meios de controle e mitigação da Covid-19 e, ainda, que alguns casos poderiam piorar rapidamente, passando de quadro respiratório ao óbito, sendo necessário o cerceamento do direito de ir e vir das pessoas, com a intenção de reduzir o ciclo de transmissão do vírus (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE, 2020).

Com a caracterização pela OMS do poder de transmissibilidade do Coronavírus e elevação ao estado de pandemia, ficou evidenciado que os líderes mundiais tiveram que implementar medidas administrativas e restritivas que iam desde o isolamento social à quarentena, que acabaram indo em desencontro com direitos fundamentais dispostos na Carta Magna brasileira. Porém, as ações auferidas pela administração pública foram urgentes, visto a emergência da situação, visando o efetivo controle da proliferação da doença e com isso frustrando um possível colapso no sistema de saúde (BATISTA et al., 2020).

Ademais, foi decretado estado de calamidade pública, porque ocorreram danos à saúde e aos serviços públicos. Nesse sentido, o estado de calamidade, derivado da Covid-19, foi impetrado no Brasil com a vigência do Decreto Legislativo nº 06, o qual “reconhece, para os fins do art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a ocorrência do estado de calamidade pública, nos termos da solicitação do Presidente da República encaminhada por meio da Mensagem nº 93, de 18 de março de 2020” (BRASIL, 2020).

A tramitação do projeto, encaminhado pelo Presidente da República e consentido pela Câmara dos Deputados em março de 2020, ocorreu de modo facilitado devido à urgência do caso. Quando a proposta chegou ao parlamento, o presidente da Câmara designou o relator, que levou o parecer pela Comissão de Constituição e Justiça diretamente em Plenário. No Senado Federal, a tramitação aconteceu da mesma forma e a votação foi de modo remoto. Logo, o Senado Federal averiguou e aprovou o decreto, permitindo que o Poder Executivo extrapolasse os limites elencados na Lei de Responsabilidade Fiscal (FIGUEIREDO; GALVÃO; FERRAZ, 2020).

Nesse cenário, referente aos gastos públicos com o estado de calamidade pública impetrado no Brasil, as despesas, com base em dados do Instituto Fiscal Independente, no primeiro semestre de 2020, os cofres federais tiveram déficit de quase 100 (cem) bilhões de reais nas receitas e, em contrapartida, as despesas maximizaram em 40,2% (quarenta vírgula dois por cento). Lembrando que as despesas excepcionais para ajudar os cidadãos e empresas devem somar o equivalente a 604,7 (seiscentos e quatro vírgula sete) bilhões de reais, no intitulado "orçamento de guerra" - o que equivale a quase 9% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional (ARANHA; TUON, 2020).

Segundo o diretor-adjunto de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a Covid-19 obrigou os governos a introduzirem dinheiro na economia, na busca de responder aos cidadãos e investir na saúde, colocando as finanças federais em uma situação desordenada (ARANHA; TUON, 2020), o que justifica-se pela situação excepcional ocasionada pela pandemia.

Na busca de minorar os inevitáveis impactos econômicos, como o fechamento de pequenas empresas, que correspondem a 99% dos empreendimentos brasileiros e geram 30% do PIB nacional, segundo dados do SEBRAE, e o aumento do desemprego, em 02 de abril de 2020 foi sancionada a Lei nº 13.982, que alterou algumas especificidades da situação de vulnerabilidade social para a concessão do benefício de prestação continuada, previsto pela Lei nº 8.742 de 07 de dezembro de 1993.

Dentre as medidas abordadas pela Lei nº 13.982 de 2020, houve a implementação do auxílio emergencial, no valor de cinco parcelas de R$ 600,00 (seiscentos reais) e posteriormente prorrogado com mais quatro parcelas de R$ 300,00 (trezentos reais), no caso de mães que sustentam a família sozinhas o valor chegou a R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais) mensais, nos primeiros cinco pagamentos, vistos os números de parcelas recebidas de acordo com as especificações da lei. Sendo pago aos sujeitos maiores de 18 anos que não estivessem trabalhando com carteira assinada ou que trabalhassem informalmente, microempreendedores individuais ou contribuintes individuais da Previdência Social, conforme dispõe o artigo 2º (BRASIL, 2020).

Nessa seara, salienta-se que o calendário de pagamentos do benefício emergencial se encerrou em dezembro de 2020. E, para agravar a situação caótica, o Governo de Jair Bolsonaro informou que não seria possível realizar uma nova prorrogação do auxílio emergencial no ano de 2021. Todavia, muitos parlamentares têm se movimentado para que o benefício possa ser prorrogado.

Mesmo em desencontro com a decisão de Bolsonaro, há dois projetos em tramitação que pretendem prorrogar o auxílio. O primeiro Projeto de Lei, PL nº 5495 de 2020, busca prorrogar o estado de calamidade pública e os pagamentos do auxílio emergencial até o dia 31 de março de 2021. Já o segundo Projeto de Lei, PL nº 5494 de 2020, propõe medidas excepcionais de proteção social a serem implementadas durante o período de recuperação econômica da crise pandêmica, com o retorno dos R$ 600,00 (seiscentos reais) por todo primeiro semestre de 2021. Essa segunda medida é relativamente similar ao auxílio emergencial, dado que também é voltada para os beneficiários de baixa renda sendo limitada a dois membros por unidade familiar.

Cumpre elucidar que, segundo pesquisa auferida de oito a dez de dezembro de 2020, o auxílio emergencial foi a única renda de 36% (trinta e seis por cento) das famílias brasileiras que receberam pelo menos uma parcela do benefício. Ademais, o Brasil diminuiu os níveis de pobreza com o auxílio durante a pandemia, todavia sem esforço do governo para assistência à renda, 15 (quinze) milhões de brasileiros serão jogados de volta a essa condição em janeiro de 2021.

A implementação do benefício possui respaldo no princípio da qualidade das despesas públicas, que tem como objetivo a máxima vantagem social, visto que é obrigatoriedade e dever do Estado exercer, de modo eficiente, a função de garantidor do interesse social, porque enquanto arrecada, gasta e administra o dinheiro público, que é garantido com receitas auferidas de impostos e demais pagos pela própria população, o que desfundamenta a máxima de que o dinheiro foi "ganhado" do presidente Bolsonaro, que não admitia sequer o pagamento de R$ 200,00 (duzentos reais) e pretendia vetar o benefício de R$ 600,00 (seiscentos reais), e só não o fez por ver que seria derrotado no Congresso, dado que o governo era contra o relatório desde os primórdios de sua implementação (SALGADO, 2020).

Por fim, salienta-se que os gastos públicos foram notoriamente impactantes, mas, em contrapartida, o auxílio emergencial assegurou uma grande abrangência em todos os setores econômicos nacionais, porque o benefício é um programa de transferência direta de renda, sem destinação estipulada, o que valida a distribuição de modo diverso e a manutenção de empregos. Notório é que, ainda, não há como fazer uma ponderação das consequências exatas na pandemia na seara econômica, seja ela nacional ou internacional.

 REFERÊNCIAS

ARANHA, Carla; TUON, Ligia. Pandemia escancara evolução das despesas do governo. Revista Exame, 08 de outubro de 2020.

Disponível em: 

https://exame.com/revista-exame/a-ciranda-fiscal-em-sete-atos/


Acesso em: 07 jan. 2021;

BATISTA, Sandro Rodrigues; et al. Protective behaviors for COVID-19 among Brazilian adults and elderly living with multimorbidity (ELSI-COVID-19 Initiative). Health Sciences. Preprint/Version 1. 2020.

Disponível em:

https://preprints.scielo.org/index.php/scielo/preprint/view/1027/1470.

Acesso em: 07 jan. 2021;

BRASIL. Decreto Legislativo nº 06, 18 de março de 2020. Reconhece, para os fins do art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a ocorrência do estado de calamidade pública, nos termos da solicitação do Presidente da República encaminhada por meio da Mensagem nº 93, de 18 de março de 2020.

Disponível em:

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/portaria/DLG6-2020.htm#:~:text=DECRETO%20LEGISLATIVO%20N%C2%BA%206%2C%20DE%202020&text=65%20da%20Lei%20Complementar%20n%C2%BA,18%20de%20mar%C3%A7o%20de%202020.

Acesso em: 07 jan. 2021;

 BRASIL. Lei n. 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do Coronavírus responsável pelo surto de 2019. 2020a.

Disponível em: 

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019- 2022/2020/lei/L13979.htm.

Acesso em: 07 jan. 2021;

BRASIL. Lei nº 13.982 de 02 de abril de 2020. Altera a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, para dispor sobre parâmetros adicionais de caracterização da situação de vulnerabilidade social para fins de elegibilidade ao benefício de prestação continuada (BPC), e estabelece medidas excepcionais de proteção social a serem adotadas durante o período de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-19) responsável pelo surto de 2019, a que se refere a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.

Disponível em: 

https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-13.982-de-2-de-abril-de-2020-250915958. 

Acesso em: 07 jan. 2021;

FIGUEIREDO, Ticiano; GALVÃO, Jorge Octávio Lavocat; FERRAZ, João Paulo. Formas de manutenção da ordem pública em tempos de pandemia. ConJur, 2020.

Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-mar-24/embargado-opiniao-formas-manutencao-ordem-publica-tempos-pandemia.

Acesso em: 07 jan. 2021;

FRANÇA, Neuda Batista Mendes. Endemia, Epidemia e Pandemia. 2020.

Disponível em: 

https://www.infoescola.com/doencas/endemia-epidemia-e-pandemia//.

Acesso em: 25 out. 2020;

ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE - OPAS. Folha informativa – Covid-19 (doença causada pelo novo Coronavírus). Histórico. 2020.

Disponível em: 

https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6101:covid19&Itemid=875.

Acesso em: 07 jan. 2021;


SALGADO, Rodrigo. Deputado mineiro desmente Bolsonaro sobre auxílio emergencial: 'Vocês não admitiam R$ 200'. 2020.

Disponível: https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2020/06/12/interna_politica,1156084/deputado-mineiro-desmente-bolsonaro-sobre-auxilio-emergencial-

 

SALGADO, Rodrigo. Deputado mineiro desmente Bolsonaro sobre auxílio emergencial: 'Vocês não admitiam R$ 200'. 2020.

Disponível: https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2020/06/12/interna_politica,1156084/deputado-mineiro-desmente-bolsonaro-sobre-auxilio-emergencial-


*KATIELE DAIANA DA SILVA REHBEIN













-Bacharel em Direito pela Faculdade Antonio Meneghetti – AMF; 

-Especialista em Direito Ambiental pelo Centro Universitário Internacional;

-Especializanda em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade Legale; 

-Aluna do Técnico em Meio Ambiente da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM; 

Membra do:

 - Grupo de Estudos e Pesquisas em Democracia e Constituição – GPDECON/UFSM, coordenado pela Profª. Drª. Nina Trícia Disconzi Rodrigues Pigato, vinculado ao Curso e Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM;

 - Grupo de Pesquisa em Direitos Animais – GPDA/UFSM, coordenado pela Profª. Drª. Nina Trícia Disconzi Rodrigues Pigato, vinculado ao Curso e Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM; 

 - Grupo de Pesquisas e Publicações "Estado, Direito e Sociedade", coordenado pelo Prof. Dr. Felipe Dalenogare Alves, vinculado ao Instituto Educacional Estudos de Direito. 

E-mail: katirehbein.direito@gmail.com.


Nota do Editor:

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