quinta-feira, 7 de julho de 2022

A guarda dos Pets no divórcio


 Autor: Erick Gonçalves Carrasco(*)

Uma das situações que mais tem impactos, sejam eles patrimoniais ou emocionais, na vida de uma pessoa é o divórcio ou o rompimento de uma união estável. Neste momento delicado, onde as emoções estão a flor da pele é necessária a resolução de diversos assuntos para que cada um possa seguir sua vida.

Nas ações de divórcio ou dissolução de união estável normalmente se discute a partilha dos bens, direitos e dívidas comuns do casal, além das questões inerentes a guarda, pensão alimentícia e regime de visitas aos filhos do casal.

Com a evolução social, é cada vez mais comum que em cada residência haja pelo menos um animal de estimação que, em grande parte das vezes, são integrados a uma família como se fosse um verdadeiro membro, não sendo raras as vezes em que os membros de uma família preferem criar um animal a gerar ou adotar um filho.

Surgindo laços cada vez mais afetivos entre as famílias e seus animais de estimação, não são raras em ações de divórcio e dissolução de união estável a discussão acerca da guarda e visitas aos animais de estimação e até mesmo pedidos de pensões com o intuito de contribuir nos cuidados destes.

Apesar de alguns tribunais negarem os pedidos com base no fato de que os animais são considerados bens móveis semoventes pelo Código Civil Brasileiro[1], a exemplo de acórdão proferido pelo TJDF[2] onde os julgadores aduziram não existir plausibilidade jurídica no pedido de aplicação do instituto da guarda a animais por serem bens móveis, devendo ser incluídos na partilha de bens, há correntes doutrinárias e até mesmo decisões de tribunais que reconhecem a existência de entidade familiar na relação entre humanos e animais, a qual é dado o nome de família multiespécie.

É de se notar que os defensores desta corrente mencionam que os animais são seres sencientes, dotados de sensibilidade, sentindo as mesmas dores e necessidades biopsicológicas dos animais racionais, e, por isso, devem ter o seu bem-estar considerado.

Neste sentido, é de se notar até mesmo decisões do Superior Tribunal de Justiça, a exemplo do Resp. 1.713.167[3], julgado em 19/6/2018 e publicado em 9/10/2018, que teve como relator o Ministro Luís Felipe Salomão, que menciona que

[...] deve ser afastada qualquer alegação de que a discussão envolvendo a entidade familiar e o seu animal de estimação é menor, ou se trata de mera futilidade a ocupar o tempo desta Corte. Ao contrário, é cada vez mais recorrente no mundo da pós-modernidade e envolve questão bastante delicada, examinada tanto pelo ângulo da afetividade em relação ao animal[...].

3.[...] os animais de companhia possuem valor subjetivo único e peculiar, aflorando sentimentos bastante íntimos em seus donos, totalmente diversos de qualquer outro tipo de propriedade privada. Dessarte, o regramento jurídico dos bens não se vem mostrando suficiente para resolver, de forma satisfatória, a disputa familiar envolvendo os pets, visto que não se trata de simples discussão atinente à posse e à propriedade.

[...]

5. A ordem jurídica não pode, simplesmente, desprezar o relevo da relação do homem com seu animal de estimação, sobretudo nos tempos atuais. Deve-se ter como norte o fato, cultural e da pós-modernidade, de que há uma disputa dentro da entidade familiar em que prepondera o afeto de ambos os cônjuges pelo animal. Portanto, a solução deve perpassar pela preservação e garantia dos direitos à pessoa humana, mais precisamente, o âmago de sua dignidade.

6. Os animais de companhia são seres que, inevitavelmente, possuem natureza especial e, como ser senciente - dotados de sensibilidade, sentindo as mesmas dores e necessidades biopsicológicas dos animais racionais -, também devem ter o seu bem-estar considerado.

7. Assim, na dissolução da entidade familiar em que haja algum conflito em relação ao animal de estimação, independentemente da qualificação jurídica a ser adotada, a resolução deverá buscar atender, sempre a depender do caso em concreto, aos fins sociais, atentando para a própria evolução da sociedade, com a proteção do ser humano e do seu vínculo afetivo com o animal.


Nota-se mais uma vez que, assim como em outras decisões recentes que ampliam as modalidades de entidades familiares, a base das decisões que reconhecem a existência das famílias multiespécies é mais uma vez o vínculo afetivo, e, como bem observam Jesus e Silva (2021), a priorização da felicidade do indivíduo.

Certo é que, como afirma Carneiro (2021, p. 12), a relação entre pessoa e animal mudou muito nos últimos anos, e com isso, o direito tende a se moldar a nova realidade.

Claramente, até que o legislador preencha a lacuna normativa regulamentando como se darão as relações entre humanos e animais e, ainda, definindo sobre a aplicação do instituto da guarda e das visitas neste espeque, ainda serão travadas batalhas judiciais e discussões doutrinárias sobre o assunto.

Nesse sentido, o Deputado Chiquinho Brazão (filiado ao partido Avante do Rio de Janeiro) propôs o projeto de lei nº 4.375/2021, que alteraria o Código Civil brasileiro para prever expressamente que animais de estimação poderão ser objeto de guarda, unilateral ou compartilhada.

Nos motivos do projeto de lei o Deputado reforça a ideia de que as leis não acompanharam a evolução social com relação aos pets, fazendo que, em um caso concreto, o juiz tenha que decidir sem respaldo legal.

Claramente, até que o legislador preencha a lacuna normativa regulamentando como se darão as relações entre humanos e animais e, ainda, definindo sobre a aplicação do instituto da guarda e das visitas neste espeque, ainda serão travadas batalhas judiciais e discussões doutrinárias sobre o assunto.

 REFERÊNCIAS

[1] Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico - social.;


[2] TJDF - GUARDA COMPARTILHADA DE ANIMAL DE ESTIMAÇÃO — IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DE APLICAR INSTITUTO DO DIREITO DE FAMÍLIA À POSSE DE ANIMAIS. 2017;

Disponível<https://www.tjdft.jus.br/consultas/jurisprudencia/informativos/2017/informativo-de-jurisprudencia-n-349/guarda-compartilhada-de-animal-de-estimacao-impossibilidade-juridica>; Acesso em 24/6/2022. e

[3] STJ – Resp. nº 1.713.167 - 4ª Turma - Julgamento: 19/06/2018. DJe: 09/10/2018 - Rel. Ministro Luís Felipe Salomão – Área do Direito: Civil. Família. Direito Animal. Disponível em: <https://claudiamaraviegas.jusbrasil.com.br/artigos/828596376/guarda-compartilhada-do-animal-de-estimacao-na-familia-multiespecie>; Acesso em 24/6/2022.

BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF: Congresso Nacional, 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 15 ago. 2020>. Acesso em 24/6/2022;

CARNEIRO, Marianna Otaróla. A DISPUTA DE GUARDA DE ANIMAL DE COMPANHIA NO DIVORCIO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. ISSN 2675-1291.Revista Encantar - Educação, Cultura e Sociedade - Bom Jesus da Lapa, v. 2, p. 01-13, jan./dez. 2020. Acesso em: 24/6/2022;

JESUS, Rebeca Sousa de; SILVA, Tagore Trajano de Almeida. Família Multiespécie: guarda compartilhada do animal de estimação na ruptura do vínculo conjugal. 2021. Disponível em:<https://ibdfam.org.br/index.php/artigos/1627/Família+multiespécie:+guarda+compartilhada+do+animal+de+estimação+na+ruptura+do+vínculo+conjugal>; Acesso em: 24/6/2022.

STJ. Resp. nº 1.713.167 - 4ª Turma - Julgamento: 19/06/2018. DJe: 09/10/2018 - Rel. Ministro Luís Felipe Salomão – Área do Direito: Civil. Família. Direito Animal. Disponível em: <https://claudiamaraviegas.jusbrasil.com.br/artigos/828596376/guarda-compartilhada-do-animal-de-estimacao-na-familia-multiespecie>; Acesso em 24/6/2022; e

TJDF. Guarda Compartilhada De Animal De Estimação — Impossibilidade Jurídica De Aplicar Instituto Do Direito De Família À Posse De Animais. 2017. Disponível em <https://www.tjdft.jus.br/consultas/jurisprudencia/informativos/2017/informativo-de-jurisprudencia-n-349/guarda-compartilhada-de-animal-de-estimacao-impossibilidade-juridica>; Acesso em 24/6/2022.

ERICK GONÇALVES CARRASCO


-Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Sete Lagoas – UNIFEMM (2018); 
-Advogado inscrito nos quadros da OAB/MG. 
- Atualmente atua nas áreas do Direito Civil (Família, Sucessões, Contratos) e Direito do Consumidor.

 

 

NOTA DO EDITOR :

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

Um comentário:

  1. Pra não pagar pensão, fiquei com os filhos e com a gatinha Mel 😂😂😂🇧🇷👏👏👏👏

    ResponderExcluir