sexta-feira, 31 de março de 2023

A mesma linha


 Autor: Luciano Oliveira(*)

Estou ficando mais velho, já passei dos cinquenta e sempre vi o telefone como uma linha direta para os encontros da vida.

Até hoje eu me lembro dos telefones das casas dos meus amigos de infância. Naquele tempo eram apenas sete dígitos. Você tirava o fone do gancho e esperava "dar linha". Só quando dava linha é que você podia começar a discar os números. Na minha casa o telefone era de disco. Dá um google para saber do que estou falando. Você vai se divertir.

Ah, como antigamente a gente exercitava a memória. Eu sabia dezenas de números de telefones de memória. O fato é que os números eram decorados o tempo todo. Agendas de telefones eram preciosas, mas ter uma memória prodigiosa era uma meta exigida por professores e pelas necessidades da vida. Tínhamos um bom e exigente sistema educacional.

Ter telefone era coisa de rico. Nos inventários as linhas telefônicas eram indicadas como bens a serem partilhados. Dá vontade até de rir, né?

Os nossos vizinhos ricos foram os primeiros a ter telefone. Vizinhos eram praticamente da família e a gente passava o número do telefone deles para os amigos e parentes. Tocava o telefone na casa do vizinho, ele ia atender e a ligação era para mim. Ninguém se incomodava. Todos se ajudavam. Como a gente era feliz.

A Tia Clélia (todas as crianças chamavam as mães dos amigos de tia, afinal éramos uma família comunitária) tinha um cachorro pequinês que se chamava mon ami, meu amigo em francês. Gostava daquele cachorro, gostava do nome dele e mesmo assim nunca tive a menor intenção de aprender a língua francesa, que sempre achei muito pedante.

No escritório eu uso o telefone fixo. Sempre vou preferir fazer uma ligação sentado na mesa do meu escritório. Posso conversar, tomar um café e olhar a tela do computador, com a vantagem de não ficar com a orelha quente (o aparelho celular esquenta bastante). Confesso que gostaria de ter um aparelho telefônico fixo de discar no meu escritório. Gosto das coisas que remetem ao passado, leio muito história e biografias e talvez seja por isso que eu uso gravata borboleta.

O fato é que em um telefonema as conversas fluem com leveza e despreocupação. A resposta em uma conversa é imediata, clara e honesta. Sem filtros.

Os e-mails são respondidos sem pressa, com frieza e com uma certa dose de falsidade. É verdade. Duvida? Lembre-se de que a pessoa escreveu e reescreveu a resposta uma dúzia de vezes antes de encaminhar.

E esse pessoal que manda mensagem de áudio no whatsapp? Meu Deus, a pessoa não pode escrever uma frase? Me poupe.

Numa conversa ao telefone fixo ninguém está preocupado em ser "printado”. Acho até que não existe mais uma tecnologia que permita gravar uma conversa ao telefone fixo, afinal de contas pouquíssimas pessoas ainda usam esse tipo de aparelho.

Com todas essas novas tecnologias muitas coisas ficaram obsoletas e fora de moda. Uma das coisas que ficaram fora de moda foi namorar e se dedicar ao namoro. Relacionamentos começam pela rede social (acessada pelo celular) e terminam com uma mensagem pelo whatsapp (enviada pelo celular).

Lá naquelas épocas do aparelho telefônico negro e pesado eu tive uma namorada. Eu a conheci, a gente começou a namorar e logo ela se mudou para São Paulo.

Eu em Goiânia e ela em São Paulo. Sabe tragédia? Foi isso. Há trinta anos Goiânia era muito distante de São Paulo. Éramos jovens, sem dinheiro e estávamos vendo a chama do amor se apagar lentamente. Você sabe, essa chama precisa ser constantemente alimentada. Como se fazia isso? Com um bom telefonema.

Meu Deus, como uma ligação interurbana era cara. Em alguns horários o valor do interurbano era mais barato (tipo tarde da noite) e eu não saía de casa para poder fazer a ligação e ouvir "aquela" voz. É duro ter uma namorada e estar sozinho quando se é jovem.

A minha mãe, Iracema, quase morria quando chegava a conta da Telegoiás, uma empresa que era estatal, mas funcionava muito bem, pode acreditar.

Minha saudosa mãe chegou a penhorar algumas joias para pagar algumas dessas contas de telefone. A minha mãe era muito boa.

Hoje se pode mandar uma mensagem ou fazer uma ligação gratuitamente pelo whatsapp. A tecnologia existe, mas parece que o amor e o afeto não existem mais.

Pode ser coisa da idade essa coisa de nostalgia. Gosto da tecnologia e convivo bem com ela no meu trabalho. Sou advogado, lido com processos eletrônicos o dia todo. Atuo com Propriedade Intelectual, Marcas, Patentes e Direito Autoral (Software). Na minha rotina diária de trabalho uma das primeiras providências é ler e responder e-mails (sempre sem falsidade).

Já percebi que o outono sempre me deixa nostálgico. Ver as folhas caídas me lembra de que a impermanência rege tudo neste mundo. Devemos estar preparados para a mudança.

Agradeço o privilégio de ter sido ensinado a desenvolver uma boa memória. Convivo bem com o presente e com o passado. As queridas lembranças do passado e a energia investida no presente me darão forças para, se Deus permitir, encarar o futuro. Afinal, tudo está interligado por uma mesma linha.

*LUCIANO ALMEIDA DE OLIVEIRA
























-Advogado graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás(1996);

-Atua na área da propriedade intelectual (Marcas, patentes e Direito Autoral);

-Escreve há mais de 15 anos artigos de direito e crônicas para jornais e revistas.

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

Nenhum comentário:

Postar um comentário